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Idosos aproveitam o sol em Xangai, China, 17 de janeiro de 2023.
Idosos aproveitam o sol em Xangai, China, 17 de janeiro de 2023. Houve um decréscimo de 850 mil pessoas na China em 2022: o envelhecimento geral da população, sem renovação, a produtividade chinesa é enfraquecida e o mercado de trabalho se contrai| Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

O novo Ano do Coelho, que começou em 22 de janeiro de 2023, coincide com uma inversão histórica na história épica da China. A população chinesa está diminuindo, e a Índia pode ter se tornado o país mais populoso do mundo agora. Esta inversão demográfica era esperada, mas chegou mais cedo do que o previsto. Sua causa: a política absurda do Partido Comunista chinês. Desde que tomou o poder em 1949, o Partido tem tentado controlar tudo, inclusive a vida íntima dos casais. Por si só isto já é revoltante, mas o que é pior ainda é o fato de o partido mudar constantemente de opinião sobre o assunto, impondo à força uma ideia tresloucada atrás da outra.

No início, Mao Tse Tung procurou aumentar a taxa de natalidade, que já era muito alta no país fortemente rural. Ele sustentava que o poder da China podia ser medido por sua população: quanto mais crianças, melhor. Mao sacrificaria pelo menos 1 milhão de pessoas, de 1950 a 1953, na Guerra da Coréia, e outros 40 milhões, segundo estimativas, nos grandes períodos de fome causados pela política de coletivização da terra.

Quando Deng Xiaoping sucedeu Mao em 1979, o Partido inverteu o curso: a população, antes considerada um bem, se tornou um fardo. Deng acreditava na produtividade dos indivíduos em uma economia racional, não em grandes números populacionais. No resto do mundo, a taxa de natalidade de uma nação cai à medida que sua economia se moderniza, as crianças têm acesso às escolas e a mortalidade infantil declina; uma lei demográfica que se provou quase universal. Mas na China, o Partido inventou uma realidade alternativa: Deng proibiu os pais chineses de terem mais de um filho e implantou um aparato de propaganda do partido para atingir este objetivo. Pior ainda: criou uma força policial especial, muito temida, que operava sem restrições, invadindo os lares para contar crianças e forçando mulheres grávidas que já tinham pelo menos um filho a abortar — um horror do qual os ricos escapavam pagando uma multa.

Esta violência controlou o crescimento demográfico, mas trouxe consequências que o Partido não tinha previsto. Os pais, preferindo os meninos, matavam as meninas ao nascer. Este infanticídio em massa explica porque, hoje, existem cerca de oito mulheres para cada dez homens na China, uma lacuna de gênero que dificulta o casamento e gera violência. A política teve outras consequências dramáticas. Tradicionalmente, nesta sociedade conservadora, onde pensões por aposentadoria ou invalidez são raras, as crianças cuidam de seus pais idosos. Mas sem um número suficiente de filhos, os pais idosos são agora abandonados à sua miséria. Basta viajar para qualquer aldeia da China para descobrir a pobreza da população rural idosa e dos trabalhadores aposentados que retornaram à terra de seu nascimento, como previsto pela lei do direito de residência.

Depois vem Xi Jinping, e com ele, outra mudança: a partir de então, o partido dita que as mulheres devem ter pelo menos dois filhos. Para isso, o governo chega a conceder prêmios aos pais que obedecem o novo padrão. Infelizmente (ou melhor, felizmente), os casais fazem o que querem. Em um país agora urbanizado, os pais têm o hábito de ter apenas um filho, ou até nenhum: os apartamentos são minúsculos, as boas escolas são caras, e é preciso pagar por cuidados médicos. Estes custos estão fora do alcance das classes médias, bem como dos pobres. A brusca inversão demográfica do Ano do Coelho não é, como em outros países, o resultado de comportamentos naturais, mas sim da loucura do poder do Partido Comunista.

Além do abandono dos idosos, das dificuldades de casamento e do desaparecimento da vida familiar, o envelhecimento geral da população, na ausência de renovação, enfraquece a produtividade chinesa: o mercado de trabalho se contrai, o que prejudica a produção e provoca o aumento dos salários e a inflação geral. A China, que tanto se beneficiou da globalização, graças a seus salários mais baixos e — é preciso reconhecer — sua notável capacidade de organização industrial, agora encontra concorrentes é até é superada por vizinhos com melhor oferta de mão-de-obra, como o Vietnã, as Filipinas e a Índia. Ao contrário da Coréia do Sul ou de Taiwan, a China ainda não conseguiu compensar esta perda de mão-de-obra com inovações científicas. E o investimento estrangeiro, que desempenhou um papel essencial na decolagem da China, está agora se afastando, não apenas por causa do custo dos salários, mas também por causa da insegurança política e jurídica agravada pelo Imperador Xi.

O Ano do Coelho está, portanto, começando muito mal para os chineses, mas também para o Ocidente, uma vez que nossos destinos estão ligados. As fábricas da Europa e dos Estados Unidos estão paralisadas devido à falta de materiais fornecidos pela China; as cadeias de abastecimento que contornam Pequim precisarão de anos para serem restabelecidas. Na China, entretanto, a retração já se instalou; o declínio da China já começou.

Devemos ter cautela, porém, com a megalomania do atual líder. Durante dez anos, Xi despertou sentimentos nacionalistas agressivos que não existiam antes de seu governo. Suas repetidas ameaças contra Taiwan, cujo sucesso econômico e democracia ele considera intoleráveis, podem se tornar um conflito armado a qualquer momento — uma Ucrânia asiática. Em círculos diplomáticos, se diz que Xi é menos problemático do que Vladimir Putin. Mas o que realmente sabemos? Não sabemos nada. O pior nunca é certo, mas temos que nos preparar melhor para isso.

Guy Sorman é editor contribuinte do City Journal e intelectual público francês, autor de muitos livros, incluindo Império das Mentiras: A Verdade sobre a China no Século XXI [trad. livre] e A Genialidade da Índia [trad. livre].

©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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