O Brasil está de mãos ao alto. Anualmente, os casos de roubos e furtos registrados no país batem na casa dos milhões — e alguns deles se agravam, culminando com a morte da vítima, convertendo-se também em episódios de latrocínio. Para piorar, não se tem certeza nem mesmo da dimensão real do problema, porque, em casos de furtos de bens considerados de pequeno valor, as vítimas frequentemente acabam abrindo mão de dar queixa à polícia, entendendo que a perda material não compensa a dor de cabeça de um boletim de ocorrência.
Certo é que, contabilizando apenas os casos denunciados, o Brasil terminou 2017, ano dos dados sistematizados mais recentes pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com mais de 1,96 milhão de roubos e furtos, que incluem os crimes cometidos contra estabelecimentos comerciais, residências, pedestres, instituições financeiras ou roubos de carga e veículos. O problema não é novo: quatro anos antes, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) colocava o Brasil no 3º lugar da América Latina em casos de assaltos. Como os casos não são reportados em sua totalidade, os números reais têm tudo para ser ainda maiores.
Além da pouca vontade das vítimas de prestar queixa em casos pequenos, há também uma justificada descrença generalizada no sucesso das investigações: o Brasil tem uma baixíssima taxa de resolução de crimes. No estado de São Paulo, que dispõe de algumas das bases de dados mais completas do país, apenas 4% dos crimes são solucionados — número que inclui não apenas os casos de roubos, furtos e latrocínios, mas também outras violências, como homicídios dolosos e estupros.
As razões para o crescimento dos crimes em que um bem é subtraído da vítima são diversas. Embora os números absolutos sejam pequenos, o Brasil experimentou um aumento veloz nesse tipo de casos na última década, com um crescimento de 66% entre 2010 e 2016, quando os números saltaram de 1.593 para 2.660, máxima histórica registrada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano Regional (RDH) do PNUD, divulgado em 2014, uma estagnação da mobilidade social contribuiria para o aumento do chamado “crime aspiracional”, quando o ladrão atua não apenas pelo valor que pode obter com uma eventual revenda do objeto, mas para uso próprio como símbolo de status.
O órgão da ONU também atribui o crescimento da criminalidade a um crescimento urbano rápido e desordenado, com as grandes cidades de países como o Brasil não se mostrando eficientes em absorver os aumentos populacionais. “O problema não é o tamanho da cidade, mas a capacidade institucional para incluir grupos que estão em condições marginais”, assinalava o RDH.
O problema não se resume ao Brasil. Em quase toda a América Latina o crescimento da criminalidade acompanhou os problemas decorrentes de uma modernização mal planejada: mudanças na estrutura familiar, deficiências no sistema de ensino, corrupção, impunidade e a falta de proporcionalidade das sanções aparecem entre as razões para os países da região apresentarem números tão ruins.
No caso brasileiro, a crise econômica que afeta o país nos últimos anos vem contribuindo para o aumento da criminalidade. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado em 2015 com análise de dados coletados desde a década de 80, sugeria que a cada 1% de diminuição na taxa de desemprego entre homens, havia uma queda concomitante de até 2,1% na taxa de homicídios. Com o desemprego em alta, esse e outros crimes acabaram vendo uma curva ascendente.
"Isso é algo impressionante e mostra o peso que temos que carregar", afirmou o presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, em entrevista recente. Doellinger disse ainda que, além de se discutir o custo tributário e burocrático de se produzir no país, é preciso levar em conta o peso da violência em questões produtivas nacionais – afinal, ela exigiu gastos públicos e privados que representaram, por exemplo, 5,9% do Produto Interno Bruto de 2016, também de acordo com o Atlas da Violência 2019. "É a face mais cruel", lamentou.
Em 2017, a taxa de roubos registrados no Brasil batia em 820 casos para cada 100 mil habitantes, um número que permanece entre os mais altos do continente — embora ainda inferior ao da vizinha Argentina, com taxa de 898,5 no mesmo ano (nos Estados Unidos, essa mesma taxa era de apenas 98 casos por 100 mil habitantes). Por outro lado, na África do Sul, país mais desigual do mundo, a taxa é de 275 por 100 mil habitantes.
Mas, se são um pouco menos frequentes, os crimes brasileiros parecem ter uma tendência muito maior de acabar com morte. Embora a estatística oficial argentina não especifique os casos de latrocínio — os roubos com agravante são listados incluindo tanto mortes quanto lesões corporais — a pista pode estar no índice de homicídios em geral: 31,2 a cada 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência 2019, contra 5,10 na Argentina e 5,30 nos EUA.
Latrocínios
Tipificado no artigo 157 do Código Penal e com uma pena de prisão pesada que pode chegar a até 30 anos, máximo permitido na legislação brasileira, o latrocínio é resumido por especialistas como o “roubo que deu errado” - quando a violência não se resume à subtração de um bem material, culminando com a morte da vítima, muitas vezes não prevista pelo criminoso em sua ação inicial.
Embora seja relativamente raro - segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Sinesp), a taxa de vítimas desde 2015 oscilou entre 0,98 e 1,2 pessoas a cada 100 mil habitantes -, trata-se de um dos crimes que mais contribui para a sensação de insegurança, justamente pelo seu caráter frequentemente aleatório.
Em 2015, o Centro de Pesquisa de Controle de Ferimentos de Harvard analisou cinco anos de dados do National Crime Victimization Survey (NCVS) e concluiu que as armas são usadas para autodefesa em menos de 1% de todos os crimes que ocorrem na presença de uma vítima. A equipe liderada por David Hemenway também descobriu que o uso de armas para autodefesa é tão eficaz quanto outras manobras defensivas, como pedir ajuda.
A arma de fogo, por sinal, é o meio mais comum para a consumação desse tipo de crime: sete em cada dez vítimas de latrocínio acabaram mortas a tiros, e apenas uma a cada dez têm em objetos perfurocortantes (normalmente facas) a causa principal. Os casos remanescentes não costumam trazer detalhes da ocorrência, o que dificulta até mesmo a identificação do autor do crime: cerca de 20% dos casos de latrocínio citam, simplesmente, que a vítima sofreu algum tipo de “agressão”.
Luz no fim do túnel?
Apesar do aumento registrado ao longo das últimas décadas, os casos de roubos - e, consequentemente, de latrocínios, cujo número costuma acompanhá-los proporcionalmente - têm registrado uma diminuição nos últimos dois anos. Segundo o Monitor da Violência mantido pelo G1 com base nos dados das Secretarias de Segurança Pública dos estados, os casos de latrocínio caíram quase 22% entre 2017 e 2018, batendo nos 1.922 registros ao fim do ano passado.
No primeiro semestre deste ano, a tendência parece estar se mantendo: a plataforma contabiliza 678 registros de latrocínio no país até o final de maio, uma redução de 24,5% em relação ao mesmo período de 2018. Ainda é cedo para afirmar que a tendência de queda se sustentará no longo prazo, mas uma atenção maior ao problema vem sendo assinalada como a razão da melhora nos índices nos estados que puxam a dianteira - caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul, que aponta para a implementação de programas de policiamento ostensivo e a disponibilização de mais recursos para investigações e horas extras dos policiais.
No Rio de Janeiro, onde os latrocínios caíram 34% no primeiro semestre, em comparação com o ano passado, o governador Wilson Witzel atribuiu a queda ao endurecimento no tratamento conferido aos criminosos. “O recado está dado: não enfrente a polícia”, afirmou o governante.
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