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Ciência, publicações e artigos científicos
Estudo alemão aponta que 1/3 dos artigos biomédicos podem ser falsos, com maior contribuição da China. Metodologia, porém, sofre críticas de cientistas.| Foto: Eli Vieira com Midjourney

Resumo da reportagem

  • Um estudo alemão sugere que um terço dos artigos biomédicos podem ser falsos, especialmente da Rússia, Turquia, China, Egito e Índia.
  • O estudo utilizou três indicadores para avaliar a veracidade dos artigos: e-mail privado do autor, coautor internacional e afiliação a hospital.
  • A metodologia sofreu críticas, devido à alta taxa de falsos positivos e à falta de transparência em alguns aspectos. O Brasil contribuiria com 3,9% dos artigos falsos do mundo, enquanto a China contribuiria com 55,8%.

Um novo estudo de cientistas alemães, ainda não revisto por pares e publicado no banco de artigos preliminares MedRXiv na semana passada (8), sugeriu uma conclusão bombástica: quase um terço dos artigos científicos publicados na área biomédica seriam falsos. Só em 2020, isso corresponderia a 300 mil publicações. A indústria da falsidade acadêmica seria liderada por Rússia, Turquia, China, Egito e Índia, com a China sendo o maior produtor de artigos falsos (55%). Alguns especialistas, contudo, estão céticos diante desses resultados.

Bernard A. Sabel, neuropsicólogo do Instituto de Psicologia Médica da Universidade de Magdeburgo, Alemanha, é o líder do estudo. Com três colegas, Sabel mandou questionários para autores de mais de 15 mil artigos. Com base nas respostas ou falta de resposta, analisaram três indicadores de falta de veracidade: e-mail privado do autor, coautor internacional e afiliação a hospital. Outros fatores considerados foram a data da publicação (o corte foi de 2010 a 2020), o periódico ou revista acadêmica, o fator de impacto (uma medida da influência de artigos e revistas baseada em quantas vezes são citados na literatura científica) e o país de origem do autor. Além disso, Sabel e colaboradores tinham à sua disposição uma lista de 400 artigos falsos já conhecidos como tal e 400 verdadeiros, para comparação.

Eles propuseram que suas regras baseadas nos três indicadores principais acertam em diagnosticar um artigo como falso em 9 a cada 10 tentativas. O e-mail, por exemplo, seria útil porque autores de artigos falsos tendem a usar endereços privados de e-mail, em vez de institucionais, ligados a universidades e centros de pesquisa. A proporção de artigos falsos de 2010, com base na amostra, seria de 16%, o que teria subido para 28% em 2020 — o valor pode chegar a 34%, mais de um terço das publicações na área. Os autores comentam que “a escala e proliferação de publicações falsas na biomedicina pode prejudicar a confiança na ciência, colocar em risco a saúde pública e impactar o gasto e segurança na economia”.

Método fácil demais?

O problema da produção em massa de artigos para avançar a carreira de acadêmicos, médicos e cientistas não é novo, especialmente em países como a China. “Fábricas de artigos fizeram fortuna basicamente atacando um sistema que não tinha ideia de como lidar com esse tipo de coisa”, disse à revista Science a psicóloga Dorothy Bishop, da Universidade de Oxford, em matéria que cobriu o estudo de Sabel. A empresa de edições acadêmicas Hindawi chegou a fechar quatro revistas após descobrir que estavam “muito comprometidas” por artigos produzidos pelas “fábricas”.

Para a Science, a solução de Sabel “não é perfeita, por causa de uma taxa alta de falsos positivos”. Contudo, ao menos é uma solução transparente. Outros autores de métodos de detecção de publicações falsas costumam manter sob sigilo o que fizeram, com interesse em patentes e propriedade intelectual.

As fábricas de artigos produzem manuscritos com texto plagiado ou fabricado por autores fantasmas, algo tornado mais fácil agora com robôs de texto como o ChatGPT, e forjam dados e até imagens. A revisão por pares muitas vezes não detecta esses artigos porque as fábricas escolhem revisores corruptos aceitos pelas editoras. Instituições como a Associação Internacional de Editoras Científicas, Técnicas e Médicas (STM), com 120 membros institucionais, estão pedindo inovação no desenvolvimento de novas ferramentas de detecção de fraude.

“O primeiro problema (que os autores admitem) é obviamente a baixa especificidade de seu método”, tuitou Stuart Ritchie, psicólogo britânico autor do livro “Science Fictions”, sem edição no Brasil, que trata da crise da falta de reprodutibilidade de resultados científicos especialmente em sua área. Os sinais de fraude usados são de fato comuns em artigos falsos, mas “o motivo de terem uma taxa tão alta de falsos positivos [alarmes falsos] é que muitos artigos verdadeiros também têm” esses sinais, explica. Outro problema é que o banco de fakes usado pode não ser representativo dos artigos falsos.

Apesar de a Science ter comemorado maior transparência no grupo de Sabel, Ritchie discorda. “Na verdade, um dos maiores problemas é uma falta de transparência e o desleixo geral nos métodos e resultados do artigo”, diz o cientista. “Há muitas perguntas sem resposta e pontos em que muitos mais detalhes eram necessários” — detalhes como o nome das revistas em que os artigos “falsos” foram publicados. Ele também reclama da baixa quantidade de artigos incluídos de alguns países: foram 15 artigos ou menos do Egito, Sérvia, Argentina, Grécia e Portugal.

Do Brasil, foram incluídos 99 artigos. Sabel e colegas alegam que 23,2% deles poderiam ser falsos. O Brasil seria responsável por 3,9% dos artigos falsos do mundo, enquanto a China contribuiria com 55,8%.

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