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EUA voltam a executar presos por crimes federais. Entenda por que pena de morte não funciona
EUA voltam a executar presos por crimes federais. Entenda por que pena de morte não funciona| Foto: Pixabay

Em 18 de março de 2003, o veterano da Guerra do Golfo Louis Jones Jr., de 44 anos, recebeu a injeção letal enquanto rezava e entoava hinos religiosos. Ele havia sequestrado, estuprado e assassinado uma recruta de 19 anos, Tracie Joy McBride, em 1995. Desde então, por 17 anos, a justiça federal americana nunca mais havia executado nenhum condenado à morte.

Até as 8h07 do dia 14 de julho, quando Daniel Lewis Lee foi submetido à injeção letal em Indiana. Lee torturou e assassinou um casal e uma garota de 8 anos, em 1996. Logo no dia 16, Wesley Purkey foi executado, também em Indiana – ele foi condenado à morte por raptar e matar uma adolescente de 16 anos em 1998. Na sequência, no dia 18, chegou a vez de Dustin Lee Honken, condenado por assassinar cinco pessoas entre julho e novembro de 1993.

Mais um condenado à morte por cometer crime federal deverá ser executado até o fim do mês. Serão, portanto, quatro execuções apenas em julho. É o mesmo que o governo federal americano realizou em todo o período entre 1964 e 2003.

Mudança de atitude

Essa mudança de atitude representa uma vitória para o presidente americano Donald Trump, que repete com frequência sua posição a favor das execuções, desde muito tempo antes de ser eleito. Em 1989, por exemplo, ele bancou pessoalmente a publicação de um anúncio de página inteira nos quatro maiores jornais de Nova York, ao custo de US$ 85 mil, pedindo a pena de morte para os cinco adolescentes acusado de estuprar e espancar Trisha Meili no Central Park.

Os jovens cumpriram pena, mas em 2002 as acusações seriam retiradas com base em evidências de DNA que levaram ao verdadeiro culpado, Matías Reyes. A prefeitura de Nova York fechou um acordo para pagar US$ 40 milhões em indenizações para os cinco, que cumpriram entre 6 e 13 anos de pena.

Problemas com a injeção

A agenda política de Trump foi bem-sucedida em junho de 2019, quando a Suprema Corte autorizou o governo a retomar as execuções. Dois meses depois, o Procurador-Geral dos Estados Unidos, Bill Barr, determinou a retomada da prática por parte dos órgãos federais, o Departamento de Justiça e o Escritório de Prisões. Logo em dezembro, já estava pronta uma lista dos primeiros condenados à morte que seriam executados.

As famílias de Daniel Lewis Lee, Wesley Purkey e Dustin Lee Honken chegaram a conseguir a suspensão das execuções, alegando que poderiam se expor ao novo coronavírus ao viajar para acompanhar os momentos finais dos condenados. Nos três casos, a Suprema Corte derrubou as alegações.

As defesas também relembraram um debate recorrente no país: as acusações de que a combinação de medicamentos que forma a injeção letal não garante que o detento morra sem sofrer. Em 2014, por exemplo, um condenado à morte pela justiça estadual de Oklahoma, Clayton Lockett, convulsionou e se debateu antes de falecer, o que levou à interrupção de outras execuções.

O problema com a injeção letal é que, diante da recusa das indústrias farmacêuticas em produzir alguns dos componentes utilizados, em especial o anestésico tiopental de sódio, os estados se viram obrigados a testar novas combinações, que nem sempre funcionam com eficácia. Em alguns locais, a saída encontrada pelos estados foi comprar pentobarbital, um produto mais utilizado para realizar a eutanásia em animais.

“O governo americano tem se envolvido em constante litígio a respeito da legalidade e da constitucionalidade de seus protocolos de execução, e diferentes administrações, tanto republicanas quanto democratas, tem respeitado esse debate”, afirma Robert Dunham, diretor executivo da organização The Death Penalty Information Center. “A pressa do atual governo em enviar presos para a morte desrespeita essa discussão”.

Apoio em baixa

A retomada das execuções em nível federal pode estimular um aumento no número de casos nas cortes estaduais. Atualmente, 28 estados americanos praticam a pena de morte. Entre os 22 que não praticam, alguns aboliram a pena de morte recentemente, caso de Colorado, em 2020, New Hampshire em 2019 e Washington em 2018.

Entre 1972 e 1976, os estados ficaram proibidos pela Suprema Corte de conceder ou executar esse tipo de punição. Das 1.520 execuções realizadas em nível estadual desde a retomada, em 1976, o Texas responde por 569. Seguem-se Virginia, Oklahoma e Flórida, com respectivamente 113, 112 e 99 mortes. A região sul dos Estados Unidos executou 1243 pessoas, ou 81,77% do total do período.

Nos Estados Unidos, o apoio popular à pena de morte está em baixa. O Instituto Gallup, que monitora a opinião dos cidadãos americanos sobre o assunto desde 1937, aponta que 56% das pessoas, em 2019, eram favoráveis à aplicação da pena de morte para homicidas condenados. Em 2003, eram 70%. Em 1995, alcançaram o pico histórico de 80%.

Já no Brasil, onde a pena de morte existe, em tese, para crimes militares em período de guerra, ainda que a medida não seja executada desde o século 19, o Instituto Datafolha identificou, em janeiro de 2018, um pico de aprovação de 57%, o maior da série histórica iniciada em 1991.

Medida sem eficácia

Individualmente, pode parecer natural desejar a morte de um homicida como Daniel Lewis Lee, que não só matou a família como jogou os corpos em um lago, onde eles permaneceram por cinco meses até serem encontrados. Mas, em termos mais amplos, para sociedades inteiras e no longo prazo, a pena de morte não funciona para deter a criminalidade.

Ao contrário, em locais dos Estados Unidos onde a pena de morte é aplicada, as taxas de homicídios são maiores – de acordo com o FBI, estados que não adotam a pena têm 4,01 assassinatos por 100 mil habitantes, contra 5 homicídios por 100 mil nos locais que executam condenados. É precisamente o sul do país, onde se aplicam mais penas de morte, que a violência é mais elevada.

Em 2017, os países que mais executaram presos foram, pela ordem, China, Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão.

Mesmo em países onde os procedimentos são em geral mais respeitados, trata-se de uma pena que não pode ser desfeita. Caso o desejo de Trump em 1989 tivesse se realizado, cinco inocentes teriam morrido. Desde 1973, 151 pessoas sentenciadas à morte foram posteriormente liberadas nos Estados Unidos porque não havia a convicção necessária de culpa.

Ato violento

“O júri nem sempre tem razão”, alega o escritor Rory Margraf, em artigo sobre o tema. “Um estudo recente descobriu que aproximadamente 4,1% das condenações que resultaram em pena de morte foram incorretas e que o Estado realmente tem executado pessoas inocentes. Isso é uma condenação errada para cada 25. Se um castigo é tão grave, irreversível, como podemos permitir erros?”.

Ou seja, trata-se de uma prática que não funciona para conter a criminalidade e ainda iguala o Estado aos assassinos que ele se propõe a punir.

“A intervenção do Estado, suprimindo a vida do criminoso é inaceitável, levando-se em conta que é dever do Estado garantir a vida e não eliminá-la”, afirma a advogada especialista em direito civil Susana Bruno, em artigo sobre o assunto. “A vida deve ser direito assegurado a todos os brasileiros”.

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