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Jonas Baptista e a sua Kombi, reformada com a ajuda de voluntários que organizaram uma vaquinha | Divulgação
Jonas Baptista e a sua Kombi, reformada com a ajuda de voluntários que organizaram uma vaquinha| Foto:

Os dias de Jonas Manuel Baptista, 55 anos, estão cheios de trabalho. Ele acorda às 4 horas da madrugada e sai com sua Kombi para recolher e vender papelão, latinhas e outros materiais recicláveis. Também presta serviços de carreto e transporte, às vezes até tarde da noite. Volta para casa, dorme e, às 4 horas, começa tudo de novo.

Nem sempre a rotina de Baptista foi tão produtiva. Nascido e crescido em uma família bem estruturada, viu seu mundo desabar quando o pai faleceu. Se envolveu com álcool e drogas, entrou para o crime, foi preso e perdeu tudo o que tinha. Teve de recomeçar literalmente do zero, mas conseguiu se reerguer graças ao trabalho duro e à solidariedade de outras pessoas.

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Baptista nasceu em São Caetano (SP), em 1963, e cresceu no bairro paulistano da Moóca, em uma família de classe média. O pai era dono de um bar e restaurante e a mãe, dona de casa. Filho único, acostumou-se a acordar muito cedo para ajudar no bar e, depois, ir para a escola. Aos 16 anos teve sua primeira filha, que foi seguida de outras duas meninas. Mas, mesmo com a paternidade precoce, estudou até o ensino médio completo e teve uma juventude tranquila e sem privações.

Quando Baptista estava prestes a completar 18 anos, o pai morreu, vítima de uma doença cardíaca. “A morte dele me desestabilizou, comecei a beber e usar drogas”, diz. A família estava bem financeiramente, mesmo após a morte do pai provedor, mas o vício acabou levando Baptista a realizar assaltos. Foi preso em 1981 e ficou encarcerado até 1992. Durante esse período sua mãe também morreu e sua esposa mudou-se com as filhas para o interior.

Ao sair da prisão, Baptista se viu sem família e sem recurso nenhum. Seu pai havia deixado uma herança considerável: 12 casinhas geminadas para aluguel na Zona Leste de São Paulo. Mas, durante o período em que Baptista esteve preso, as propriedades foram invadidas. “Tentei reaver na justiça, mas perdi tudo por usucapião”, afirma.

Baptista então teve que encarar a rua para começar a reconstruir sua vida. Foi morar nos arredores da Avenida 9 de Julho, próximo da “Cracolândia”, conhecido reduto de usuários e traficantes em São Paulo, e começou a catar papelão para vender para depósitos. Até 2008, porém, Baptista ainda teve outras passagens pela prisão, até decidir não praticar mais assaltos e levar uma vida honesta, mesmo com as dificuldades de quem vive sem um teto.

O primeiro carro

O ponto de virada na sua vida foi quando, durante uma noite quatro anos atrás, um grupo de outros moradores tentou roubar um carrinho que usava para recolher os recicláveis. “Me bateram no ouvido, fiquei sangrando”, diz. Baptista percebeu então que precisava se afastar daquela região. “Decidi no mesmo dia parar de beber e usar crack”, conta.

Para se afastar do bairro violento, das drogas e do álcool, voltou à Moóca da infância. “Deixei o vício sozinho, parei de vez. Só não consegui largar o cigarro”, diz. No antigo bairro, primeiro foi morar na calçada de uma padaria desativada. “O dono me deixava ficar lá em troca de tomar conta do prédio”, diz. Baptista continuou seu trabalho com a reciclagem e juntava todo o dinheiro que podia.

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Foi nessa época em que conheceu Bruno Saraiva, empresário e coordenador do movimento Entrega por SP, que promove distribuição de alimentos, água e itens de vestuário e higiene a moradores de rua. “Quando conheci o Jonas ele não tinha nada. Ele pegava os recicláveis com a mão e levava no depósito”, diz. Saraiva também conta que o amigo preferia dormir na calçada da padaria, pois o interior do imóvel era infestado de ratos.

Depois de um tempo, Baptista arranjou um carrinho de mercado e, posteriormente, comprou uma carroça para aumentar a coleta dos recicláveis. “Um dia ele me falou que queria comprar um carro. Eu disse ‘Jonas, você está doido’, mas em menos de um ano ele me chamou no trabalho para contar que tinha comprado uma picape Fiorino 147”, diz Saraiva.

Com o carro, negociado por R$ 2 mil em suaves prestações, Baptista conseguiu trabalhar mais. Comprou um celular para se comunicar com clientes de carreto e, alguns meses depois, juntou dinheiro suficiente para comprar outro veículo, uma Kombi 1986 no valor de R$ 3 mil. Com a renda de seu trabalho, em 2015 conseguiu alugar um quarto na casa de uma conhecida e finalmente sair da rua.

Os serviços prestados com a Kombi foram rendendo até que, em abril deste ano, Baptista conseguiu alugar uma casa. Porém, poucos dias após a mudança, sua Kombi foi roubada. “Ele ficou mal, nunca o tinha visto daquele jeito”, diz Bruno Saraiva. “Ele me ligou e não falava nada com nada, achei que tinha tido uma recaída nas drogas ou bebida, pensei que ele ia ter um piripaque.”

“Passei mal mesmo”, diz Baptista. “Fiquei com medo de não conseguir trabalhar e voltar para as ruas”, afirma. Então Saraiva organizou uma vaquinha para comprar um carro novo, que divulgou entre os colegas do Entrega por SP. Poucos dias depois, a polícia encontrou o veículo roubado, mas todo pelado. Os ladrões haviam levado diversas peças, acessórios e os pneus.

Mas, como a arrecadação para ajudar Baptista estava em andamento e já tinha arrecadado cerca de R$ 4 mil, o dinheiro foi suficiente para recompor a Kombi. “Reformamos tudo, compramos os acessórios, bateria, extintores, ferramentas, tampa de tanque, colocamos trava de segurança e suporte na parte de cima para transporte”, diz Saraiva. A Kombi ficou pronta em julho.

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A Kombi também foi toda adesivada para anunciar os serviços de carreto e conseguir mais clientes. “Ele está super ocupado, com a agenda cheia”, diz Saraiva. Hoje Baptista tem até página no Instagram para divulgar seu trabalho: @kombidojonas. Os colaboradores da vaquinha também doaram móveis e utensílios para equipar a nova casa de Baptista. Outra medida foi renovar sua carteira de motorista, que era de 1998. “Quando fomos renovar descobrimos que a habilitação era falsa, ele havia sido vítima de uma fraude”, diz Saraiva.

Reencontro

Com tudo regularizado, o empresário também levou Baptista para trabalhar em um projeto de sua empresa de distribuição de água. Saraiva montou uma plataforma no site da companhia que permite que doadores comprem garrafas de água para doar para projetos sociais cadastrados no sistema. É Baptista quem faz as entregas das garrafas doadas.

Agora, Baptista pensa em trabalhar cada vez mais. “Não consigo ficar parado”, diz. Seu plano é se reestruturar financeiramente e, futuramente, ir reencontrar as filhas no interior. “Durante esses anos só falei com elas algumas vezes por telefone. Uma vez elas vieram me procurar na Cracolândia e pediram para eu ir morar com elas.”

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Para o amigo Bruno Saraiva, que acompanhou a trajetória de Baptista nos últimos quatro anos, é importante diminuir a distância entre quem tem onde morar e quem vive nas ruas. “E a melhor forma de fazer isso é na conversa. Sem julgar, sem apontar o dedo e mandar a pessoa procurar um emprego ou sair daquela situação. É preciso ouvir e entender a realidade do lado de lá”, diz. Para o empresário, é na conversa que se consegue encontrar uma maneira de ajudar quem está em uma situação vulnerável. “Às vezes só um sorriso ou dar atenção já vale, temos relatos de moradores de rua que dizem ficar semanas sem falar com ninguém. Imagina você ver que as pessoas passam por você sem te notar.”

Baptista atribui sua reerguida também à sua força de vontade, além da bondade alheia. “Tem que levantar a cabeça e não desistir nunca, e também é preciso querer mudar de vida, não adianta só os outros ajudarem”, diz. “Catar papelão e latinha não é vergonha, tem que trabalhar e fazer por onde até conseguir coisa melhor”.

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