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Protagonizado por um grupo de super-heroínas marcado pela “diversidade étnica", 'As Marvels' fracassou nas bilheterias.
Protagonizado por um grupo de super-heroínas marcado pela “diversidade étnica”, ‘As Marvels’ fracassou nas bilheterias.| Foto: Divulgação/Laura Radford/Walt Disney Company

O primeiro dia de 2024 marcou a entrada em domínio público da primeira versão conhecida do Mickey Mouse. Não o personagem de luvas brancas, calção vermelho e sapatos amarelos, onipresente na cultura popular. Mas, sim, o camundongo representado em preto e branco nos curtas-metragens ‘Plane Crazy’ (‘O Maluco do Avião’) e ‘Steamboat Willie (‘O Vapor Willie’), ambos lançados em 1928 e que também contam com a ratinha Minnie no “elenco”.

Ou seja: a partir de agora, a imagem do ícone máximo da Disney, em sua aparição inaugural, está liberada para o uso sem a necessidade de permissão ou pagamento – como determina a lei norte-americana, que garante aos autores os direitos autorais de suas obras por 95 anos.

Em entrevista à rede de televisão CNN, Rebecca Tushnet, professora da Faculdade de Direito de Harvard e uma das maiores especialistas norte-americanas em patentes e marcas registradas, explica que qualquer pessoa pode reinventar o Mickey de 1928 como quiser, porém é preciso ter cautela para não confundir o público.  “Você realmente precisa criar coisas novas e ter certeza de que está se baseando em ‘Steamboat Willie’”, afirma.

Já existem, inclusive, dois projetos protagonizados pelo “velho Mickey” e produzidos fora da Disney prestes a chegar ao mercado. ‘Infestation: Origins’ é um videogame em que o jogador deve exterminar pragas criadas por personagens clássicos em versões bizarras. Já o longa-metragem Mickey Mouse’s Trap, definido como uma “comédia de terror”, traz um serial killer cujo método consiste em se fantasiar como o camundongo antes de matar suas vítimas.

Mas a expiração dos direitos autorais do Mickey é o menor dos problemas enfrentados pela Walt Disney Company no momento. Em 2023, ano das comemorações de seu centenário, a companhia viu seu domínio nos cinemas ser encerrado depois de oito anos consecutivos. Graças a filmes como ‘Super Mario Bros’, ‘Oppenheimer’ e ‘M3GAN’, a Universal Pictures liderou as bilheterias na temporada, com uma arrecadação global da ordem de US$ 4,907 bilhões (R$ 23,9 bilhões, na cotação atual).

Não que a Disney tenha amargado um fracasso. O estúdio chegou bem perto do rival, faturando US$ 4,827 bilhões (R$ 23,51 bilhões) e emplacando quatro títulos na lista dos dez mais vistos do ano. A perda do reinado, no entanto, é bastante simbólica para uma empresa que há anos vem sendo acusada de reciclar fórmulas batidas e, principalmente, fazer concessões às políticas identitárias.

Seus dois maiores fiascos de 2023 dão razão aos críticos. A animação ‘Wish’, um conto de fadas recheado com todos os clichês imagináveis do gênero, estreou com a expectativa de arrecadar US$ 50 milhões (cerca de R$ 234 milhões) durante o feriado americano de Ação de Graças – contudo, não passou de R$ 31,7 milhões (R$ 154, 39 milhões).

‘As Marvels’, por sua vez, bateu um recorde negativo: é a pior bilheteria da história do Universo Marvel. Protagonizado por um grupo de super-heroínas marcado pela “diversidade étnica”, o longa-metragem vendeu US$ 197 milhões (R$ 959 milhões) em ingressos no mundo todo. Um valor ridículo se comparado aos US$ 264 milhões (R$ 1286 bilhões) arrecadados por ‘O Incrível Hulk’ (2008), até então o maior fracasso da Marvel (que ainda dava seus primeiros passos no segmento audiovisual e não havia sido comprada pela Disney).

Outro lançamento decepcionante da empresa em 2023, a versão live action (com atores reais) de ‘A Pequena Sereia’, combina o pior de dois mundos. Recauchuta uma história para lá de conhecida e cede ao politicamente correto. O resultado? Desempenho comercial razoável nos EUA e abaixo do esperado nos mercados internacionais.

No fim das contas, o filme ficou entre as dez maiores bilheterias globais, com uma arrecadação de US$ 570 milhões (R$ 2,8 bilhões) – no entanto, esperava-se quase o dobro disso, pois custou US$ 400 milhões (R$ 1,9 bilhão). Para se ter uma ideia, ‘Barbie’, da Warner, o longa campeão da temporada, fez US$ 1,4 bilhão (R$ 6,82 bilhões).

Além do excesso de lacração – responsável, há mais de uma década, pela crise nos quadrinhos da Marvel –, outra crítica recorrente aos produtos da companhia é a “obrigação” de assistir a todos os filmes e séries para entender o que se passa nas tramas. Uma tendência também observada nos títulos do universo de Star Wars, franquia igualmente adquirida pela Disney.

Sai Bob, entra Bob, volta Bob 

Para os especialistas, os resultados da Walt Disney Company no ano de seu centenário poderiam ser bem piores. E só não foram por causa de uma troca no comando da empresa, efetuada em novembro de 2022. Em um movimento polêmico, comunicado aos acionistas e funcionários por e-mail, o conselho de administração substituiu o CEO Bob Chapek por seu antecessor, Bob Iger.

Considerado o responsável pela chamada “reinvenção da Disney” no final da década de 1990 (quando o estúdio voltou a produzir animações de sucesso, como ‘A Pequena Sereia’ e ‘O Rei Leão’), Iger também conduziu as operações de compra da Marvel e da LucasFilm (produtora da saga Star Wars). Passou o bastão em 2020 e chegou a anunciar sua aposentadoria, mas foi chamado de volta após Chapek se mostrar incapaz de administrar uma série de problemas.

Entre eles a indecisão quanto à reabertura dos parques após o período mais agudo da pandemia e a queda de receita do serviço de streaming Disney+. E, acima de tudo, sua participação, avaliada como desnecessária, no debate público sobre uma lei da Flórida referente ao ensino de questões ligadas à orientação sexual e identidade de gênero para crianças.

Atendendo a pedidos de um grupo de funcionários da empresa, Chapek defendeu o projeto e acabou comprando uma briga com o governador republicano Ron DeSantis – que, como forma de retaliação, passou a lutar pela dissolução do distrito tributário especial independente da Disney no Estado, conhecido como Reedy Creek (uma espécie de “autogoverno” da companhia na região de Orlando).

Com Iger de volta ao comando, os ânimos se acalmaram. Mais do que isso: a empresa até fez um “mea culpa” pela guinada woke da última década. Em um comunicado recente à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a Walt Disney Company admitiu que “enfrenta riscos relacionados ao desalinhamento com os gostos e preferências do público em termos de entretenimento, viagens e produtos de consumo”.

“As percepções dos consumidores sobre a nossa posição em questões de interesse público, incluindo os esforços para alcançar alguns dos nossos objetivos ambientais e sociais, muitas vezes diferem amplamente e apresentam riscos para a nossa reputação e marcas”, também diz o documento.

Para o advogado e cientista político Will Hild, diretor do Consumers' Research (tradicional entidade americana de proteção ao consumidor), esse reconhecimento por parte da Disney certamente terá impacto no ambiente de negócios do país.

“Isso causará um efeito em cascata por toda a América corporativa. Se é um problema para uma empresa tão grande e poderosa como a Disney, então que desculpas terão os outros estúdios que lutam para fazer com que as pessoas vejam seus filmes woke?”, disse Hild, em entrevista à emissora de televisão Fox News.

No início de dezembro, o próprio Bob Iger sinalizou para o fim da era politicamente correta na companhia. Durante a última edição do DealBook Summit, evento anual promovido pelo jornal The New York Times com CEOS e líderes globais, ele fez questão de colocar a diversão acima das “mensagens”.

“Nosso principal objetivo na criação e conteúdo é entreter. E a boa notícia é que existe um mercado que exige entretenimento. O que aconteceu durante um período, e foi crescendo até atingir um pico enquanto eu estava fora, é que os criadores perderam de vista qual deveria ser o seu objetivo número um”, afirmou.

Investidor octogenário luta para “recuperar a mágica” da Disney 

Mas Bob Iger não é uma unanimidade em sua segunda passagem à frente da Walt Disney Company. Ele está no centro de uma disputa acionária puxada pelo lendário investidor Nelson Peltz, de 84 anos, dono da Trian Fund Management.

Conhecido pela postura anti-woke e por promover mudanças de gestão em empresas como Unilever, Heinz, DuPont e P&G, ele tenta, desde o ano passado, garantir um assento no conselho de administração da Disney. Para Peltz, detentor de cerca de US$ 3 bilhões (R$ 14,6 bilhões) em ações, a companhia está em crise desde 2019 – e somente a busca pelo sucessor de Iger poderá “recuperar sua mágica”.

Apesar de ser assumidamente conservador e frequentemente fazer doações ao Partido Republicano, o investidor octogenário sempre reforça que prefere os lucros à política. “Qualquer coisa de centro-direita e centro-esquerda serve para mim. Isso funcionou desde sempre neste país, até termos esses políticos que tentam nos empurrar para os extremos, que são desconfortáveis”, disse, certa vez, em um perfil publicado pelo jornal Financial Times.

Na última quarta-feira (3), Peltz sofreu um revés em sua campanha por mais participação na Disney. Segundo a agência de notícias Reuters, os fundos ValueAct Capital e BlackWells Capital anunciaram seu apoio ao grupo de Bob Iger, e vão colaborar com ele na elaboração de estratégias e votando a favor de conselheiros de sua confiança.

A julgar por sua fama, Nelson Peltz já deve estar calculando sua nova jogada contra Iger. Como disse um de seus amigos de infância, na já citada matéria do Financial Times: “Nelson sempre prefere conquistar você com seu entusiasmo e otimismo. Mas, como todo verdadeiro garoto do East New York [bairro pobre onde Peltz cresceu], ele não fugirá de uma briga se for o único caminho possível”.

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