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Conjunto em Diadema (SP)

Imagem do Google Street View gera debate sobre a favelização das cidades brasileiras

Favela Diadema
À esquerda, o Conjunto Habitacional Novo Habitat, em 2019, menos de um ano depois de ser entregue aos moradores. À direita, a situação atual das casas em 2025. (Foto: Google Maps / Google)

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Um conjunto habitacional no município de Diadema, região metropolitana de São Paulo, ganhou destaque nas redes sociais por ser mais um exemplo bem documentado de “favelização” no país. O empreendimento Novo Habitat foi entregue em janeiro de 2018 com pintura e paisagismo, mas poucos anos depois os imóveis estavam irreconhecíveis. 

Sobre as pinturas coloridas aplicadas sobre as paredes dos sobrados, os moradores ergueram novas fileiras de tijolos. Os “puxadinhos” se estenderam sobre as calçadas, e a estreita faixa de área verde que havia no local foi tomada pelas novas construções que eliminaram a calçada e agora vão até o limite da rua.

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) escreveu em seu perfil no X que o caso seria exemplo de que o Brasil não “é pobre, mas desordenado”. “Você dá casa pronta, pintada, alinhada. Em poucos anos vira tijolo cru, gambiarras e caos. Não é economia: é caráter, cultura e espírito”, disse. 

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Ideia do projeto era substituir moradias precárias 

Por cerca de 20 anos antes da revitalização, a rua Novo Habitat abrigou um punhado de barracos erguidos de forma precária. Na avaliação da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Diadema, o núcleo habitacional era considerado estável. Por isso, foi escolhido para receber as 24 novas moradias em 2018. 

A prefeitura construiu sobrados com dois tamanhos diferentes: 11 deles com 48,5 m² e 12 com 67,6 m². Uma única casa térrea, com 48 m², foi destinada a um beneficiário com necessidades especiais. Todos os imóveis contavam com cozinha, sala, lavanderia, sanitário e dois dormitórios. 

Favela DiademaEm 2010, a situação de moradia era precária no Novo Habitat, em Diadema. (Foto: Reprodução/Google Maps )

De acordo com a prefeitura de Diadema, à época as unidades foram entregues com cobertura de laje e telhado e medidores separados de água e luz para cada casa. Cada proprietário recebeu uma cartilha com orientações sobre o uso e conservação dos novos imóveis, além de regras de convivência com a vizinhança. No total, foram investidos mais de R$ 3,7 milhões na reforma, em valores corrigidos. 

“Quando cheguei a este núcleo, tinha filhas de 5 e 10 anos. Considero isso aqui, hoje, um paraíso. Essas melhorias valorizam nossos imóveis, nos deixam mais felizes e proporcionam mais limpeza e organização”, disse à prefeitura de Diadema Marta Helena Rocha de Souza Lucas, uma das beneficiárias do empreendimento.

“Somos seis pessoas. Eu, minha filha, três netos e meu genro. Todos estamos muito felizes com a casa nova. Está tudo perfeito. Chovia muito dentro daquele nosso barraco que era bem precário”, relembrou Edilene Firmino de Lima, uma das primeiras moradoras do conjunto. 

Pelas imagens disponíveis no serviço Google Maps é possível perceber que cerca de quatro anos depois da entrega, apenas um dos imóveis ainda mantinha algumas características externas originais. Nas fotos de junho de 2025, o colorido do conjunto foi quase que totalmente substituído pelo tom dos tijolos expostos. Já não há sinais das áreas verdes, tampouco das calçadas.

Favela DiademaEm 2019 o conjunto habitacional recém-entregue ainda mantinha suas características originais. (Foto: Reprodução/Google Maps)

Líder do MBL engrossa coro de críticas à favelização em Diadema 

Além de Nikolas Ferreira, uma voz crítica à favelização do conjunto habitacional Novo Habitat é a de uma das lideranças do MBL e possível candidato à presidência em 2026, Renan Santos. Em seu perfil no X, ele afirmou que em casos como o ocorrido em Diadema os beneficiários deveriam perder o direito à moradia por falta de zelo pela manutenção da casa.

Para Santos, acreditar que as pessoas farão um bom uso desses espaços e exercerão sua urbanidade de maneira voluntária é “uma ideia otimista, apenas um exercício imaginativo”. O ativista político ainda chamou de absurdas as ações propostas pelo poder público com base em inspirações em outros países “quando nossa população está bestializada”. 

"O Estado deve impor severas multas e pena de reclusão para a atividade favelizadora, que deve ser tipificada como crime. É o tipo de coisa que assusta, por demonstrar objetivamente que a transformação das cidades em espaços horrorosos é uma decisão deliberada não apenas pelos agentes públicos, mas pela população em si. 

Favelização é consequência da autogestão dos moradores, aponta arquiteto 

Já André Turbay, arquiteto urbanista e doutor em Gestão Urbana, aponta que o problema da favelização não é exclusivo da periferia paulista, muito menos do Brasil. O fenômeno, explicou em entrevista à Gazeta do Povo, atinge todo o sul global, com casos frequentes em países da Ásia, África e em toda a América do Sul.

Favela DiademaEm 2025 o conjunto estava totalmente descaracterizado pelas construções irregulares. (Foto: Google Maps / Google)

As origens da favelização, avalia o especialista, estão intimamente ligadas à segregação espacial verificada nas cidades. Segundo Turbay, o Estado até busca resolver a questão habitacional, mas frequentemente o faz através de planos específicos de habitação social em vez de promover mudanças estruturais profundas na sociedade, interligadas à saúde, educação e economia. 

De acordo com o arquiteto, o caso de Diadema – e o de favelas espalhadas pelo país – é característico da chamada autogestão dos moradores. Nesse caso, os residentes ignoram quaisquer orientações estruturais previstas no manual de uso do empreendimento em favor de atender uma demanda emergencial ou outro tipo de interesse. 

“Às vezes, é preciso colocar mais pessoas para morar na casa. E qual é a saída? Se fosse uma população de mais alta renda, a solução seria contratar uma equipe com arquiteto e engenheiro para formalizar a reforma. Nesse caso, forma-se um mutirão com os vizinhos e em poucos dias está pronto um novo cômodo. Pode haver riscos na estrutura? Sim, mas é o que foi possível fazer naquele momento”, avaliou. 

Sugestão para resolver a favelização brasileira pode vir do Chile 

Um exemplo que vai na contramão das saídas comumente apresentadas pelo poder público para as moradias sociais é o do arquiteto chileno Alejandro Aravena e sua Quinta Monroy, erguida em Iquique. Em vez de procurar por terrenos afastados para dividir a área em lotes mínimos, o que geraria um amontoamento de casas, o arquiteto buscou uma região mais próxima do centro.

Sem ocupar todo o lote com uma casa pequena, o projeto foi entregue com o mínimo necessário para a habitação e potencial para que os novos moradores pudessem fazer as ampliações necessárias de forma ordenada. Isso evita a deterioração do entorno urbano e facilita o máximo possível a customização das moradias. 

“O que demanda a padronização, como hidráulica e elétrica, foi padronizado. Mas o restante ficou a cargo de cada família, que de acordo com os recursos disponíveis foi ampliando essa casa de forma ordenada e sem que parecesse uma favela”, ilustrou Turbay. 

Para ele, projetos como o implantado no Chile deveriam ser a regra, e não a exceção. O Quinta Monroy inverteu a lógica de afastar as habitações sociais para as periferias, e permitiu que esse empreendimento abrigasse o triplo de famílias no mesmo espaço. 

Para especialista, Estado deve intervir em casos de favelização consolidada 

Mas, uma vez instalada a favelização, o que o poder público pode fazer para mitigar os problemas? Para Turbay, uma das saídas é oferecer aos moradores uma estrutura oficial para adequar as moradias nos pontos onde pode haver risco real para os moradores. 

“Isso pode ser feito por meio de mutirões gratuitos capitaneados pelos conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura, com foco nas questões mais urgentes. Atitudes rápidas e efetivas contra os potenciais riscos de infiltração ou desabamento, seguidas por outras para o conforto ambiental e a estética externa, por fim”, comentou. 

Em nota, a atual gestão municipal de Diadema disse que assumiu o cargo com o processo de descaracterização do Conjunto Habitacional Novo Habitat já em andamento. “Independentemente dessa questão, está sendo elaborado pela prefeitura um levantamento sobre o déficit habitacional no município, com ênfase no atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade social, especialmente aquelas residentes em áreas de risco”, afirma a nota.

O texto ainda aponta o compromisso da gestão “com a transparência, o diálogo e a construção de soluções responsáveis, voltadas à promoção da dignidade e do bem-estar da população”. Por fim, a nota da prefeitura de Diadema “lamenta que um tema de tamanha relevância e complexidade, como as políticas públicas de habitação, esteja sendo tratado de forma superficial nas redes sociais, o que pode gerar desinformação e exposição indevida de moradores da região”. 

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