Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Tecnologia

O que é a IA Geral — e por que a corrida por essa tecnologia preocupa especialistas

Centros de dados estão no centro da corrida global pela inteligência artificial geral, que levanta alertas sobre controle e segurança
Centros de dados estão no centro da corrida global pela inteligência artificial geral, que levanta alertas sobre controle e segurança (Foto: Wikimedia Commons/Robert Scoble)

Ouça este conteúdo

O que aconteceria se a Inteligência Artificial (IA) passasse a atuar de forma autônoma e flexível e começasse a aprender sozinha e a desenvolver conhecimento próprio, sem precisar de treinamento? Ela alcançaria um novo grau evolutivo e se tornaria a IA Geral, ou AGI, na sigla em inglês.

Como tudo o que cerca as ferramentas de automação, esta possibilidade parece pertencer mais ao terreno da ficção científica do que à realidade palpável. Com uma diferença importante: está acontecendo, neste momento, uma verdadeira corrida pelo desenvolvimento da AGI.

Ela envolve países e as big techs e, no limite, pode dar origem a um novo tipo de padrão para as máquinas inteligentes — com graves desdobramentos para a segurança da humanidade.

Todas as principais companhias de tecnologia do mundo desenvolvem, neste momento, experimentos com o objetivo de proporcionar este salto à IA. De acordo com um relatório recente da empresa de análise de dados StartUs Insights, o mercado de AGI conta com mais de 520 empresas e 370 startups. Subiu 29% no último ano e tende a superar os US$ 116 bilhões até 2035, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 36,25%.

Mais de 45 mil pessoas atuam no setor, que se desenvolve em polos bem distribuídos entre as nações desenvolvidas, com destaque para Estados Unidos, China, Reino Unido, Canadá e Índia. Os principais investidores são Greenoaks, Google, Nvidia e Khosla Ventures.

Juntos, eles investiram mais de US$ 9,28 bilhões em diversas empresas que desenvolvem tecnologias capazes de habilitar a Inteligência Artificial Geral. Google e Nvidia investiram, respectivamente, US$ 1,1 bilhão e US$ 1 bilhão. A Microsoft, por sua vez, investiu US$ 768,2 milhões.

Produtos em desenvolvimento

O relatório da StartUs Insights destaca casos de empresas de diferentes pontos do mundo que vêm desenvolvendo soluções que podem contribuir para o desenvolvimento da AGI. Entre elas, a startup espanhola Quanta of Meaning, que trabalha em uma plataforma de IA que permite que máquinas interpretem significados além de padrões de linguagem e modelos estatísticos, que reduzem — e, no limite, poderiam eliminar — a necessidade de treinamento contínuo.

Em seu canal oficial no LinkedIn, a empresa detalha seu objetivo: introduzir um novo paradigma de compreensão semelhante à humana na IA, de forma a viabilizar a era da AGI.

O processamento de linguagem natural, que utiliza aprendizado de máquina para permitir que computadores entendam, interpretem e gerem linguagem humana, está na base do desenvolvimento da empresa — e da italiana Eureko, que também declara com todas as letras que tem como objetivo alcançar a AGI e combina modelos de linguagem neural.

Enquanto isso, a indiana JSA LAABS alega ter criado o primeiro chip de processamento cognitivo, 20 vezes mais rápido e que consome 90 vezes menos eletricidade, e a japonesa AGIRobots oferece robôs humanoides que já utilizariam soluções próximas da AGI — o que daria um corpo mecânico à inteligência artificial autônoma.

Implicações geopolíticas

À parte o uso comercial do conceito em produtos em desenvolvimento ou lançados recentemente, há um debate intenso a respeito do momento exato em que a Inteligência Artificial Geral será alcançada.

“Um dos principais desafios para alcançar a AGI está na capacidade de generalização — uma habilidade essencialmente humana, mas ainda fora do alcance dos sistemas atuais de IA. Apesar de avanços expressivos em tarefas específicas, como vencer campeões humanos em jogos complexos, os modelos atuais frequentemente demonstram fragilidade significativa ao enfrentar situações que se desviam, mesmo que ligeiramente, das condições previstas em seu treinamento”, detalha Silvio Meira, fundador e cientista-chefe da TDS Company, em artigo sobre o tema.

Por outro lado, há muito dinheiro e esforço envolvidos, o que pode reduzir o tempo de desenvolvimento, como aponta, em entrevista à Gazeta do Povo, José Villalobos, líder de governança multilateral do instituto Future of Life.

“Os principais especialistas em IA da área e os chefes das maiores corporações de IA acreditam que, no ritmo atual de desenvolvimento, provavelmente será nesta década, senão antes”, diz.

Empresas sediadas nos Estados Unidos e na China são as que estão mais próximas de criar este tipo de IA, afirma Villalobos.

“Seus objetivos nem sempre são os mesmos, mas incluem a criação de sistemas capazes de executar praticamente todo o trabalho economicamente valioso. Ambas as nações também estão cientes de que tal sistema garantiria uma vantagem econômica e militar sobre o resto do mundo. O problema é que as empresas admitem não possuir meios confiáveis para assegurar um controle humano significativo sobre os sistemas que estão criando.”

Villalobos lista os principais riscos: “uso malicioso (por exemplo, auxiliar organizações terroristas ou outros grupos criminosos organizados a criar armas biológicas), mau funcionamento (por exemplo, a humanidade perder o controle sobre os modelos de IA mais avançados) e outros riscos sistêmicos (por exemplo, o deslocamento em massa de pessoas de seus empregos devido à automação por IA)”.

Atenção aos riscos

O Future of Life vem produzindo campanhas constantes em prol da atenção às consequências do desenvolvimento da IA, e especificamente da Geral.

Em uma carta aberta, publicada ainda em 2023, o instituto declara: “Sistemas de IA com inteligência competitiva em relação aos humanos podem representar riscos profundos para a sociedade e a humanidade. A IA avançada pode representar uma mudança profunda na história da vida na Terra e deve ser planejada e gerenciada com o cuidado e os recursos correspondentes”.

Na época, a organização solicitou que as pesquisas com IA de capacidade acima do GPT-4 fossem interrompidas por seis meses. Mais de mil lideranças de renome no setor, como o cofundador da Apple Steve Wozniak e o empreendedor Elon Musk, assinaram a carta. A iniciativa não alcançou o menor sucesso. Ao contrário, o desenvolvimento da Inteligência Artificial Geral segue a passos largos.

Como informa uma reportagem da revista Time, há grande preocupação, no governo americano, a respeito dos avanços da China em Inteligência Artificial Generativa (GenIA) e com a AGI, que poderiam, no limite, facilitar invasões a sistemas internos, de usinas de energia e depósitos de mísseis nucleares.

“Assim como os cientistas nucleares não tinham certeza se a primeira explosão atômica incendiaria a atmosfera da Terra, os pesquisadores de IA de hoje não podem afirmar se computadores mais inteligentes que os humanos seriam aliados ou inimigos. Há uma possibilidade, acreditam alguns, de que a inteligência sobre-humana escape completamente ao controle humano”, informa a revista.

Paradoxo perigoso

“A busca pela AGI transcende o domínio técnico e científico, transformando-se em uma exploração filosófica, ética e até existencial sobre o que significa ser humano”, afirma Silvio Meira em seu artigo.

“Sistemas AGI não serão apenas máquinas; eles serão artefatos filosóficos, reflexos ampliados de nossas próprias limitações, ambições e dilemas morais. Ao projetar uma inteligência artificial geral, estamos, na verdade, projetando uma versão de nós mesmos — filtrada por nossas escolhas, valores e preconceitos.”

Daí o paradoxo, ele argumenta: “Se construirmos AGIs apenas para responder às nossas perguntas, estaremos condenados a replicar as mesmas limitações que buscamos ultrapassar. Esses sistemas, por mais avançados que sejam, permaneceriam como meros ‘espelhos’ estáticos de nossa ignorância. Por outro lado, se projetarmos AGIs para formular suas próprias perguntas — para questionar, explorar e desafiar o desconhecido — talvez possamos abrir portas que nunca imaginamos”.

Em suma, diz Meira, “a busca pela AGI não é apenas sobre tecnologia, mas sobre humanidade. Ela nos desafia a pensar sobre o tipo de futuro que queremos construir. Um futuro em que a inteligência artificial é usada para resolver crises globais, reduzir desigualdades e expandir o conhecimento, ou um futuro em que ela agrava divisões, concentra poder em poucas mãos e nos afasta ainda mais de nossas conexões comuns. O caminho que escolhermos dependerá não apenas de nossas inovações técnicas, mas de nossas escolhas éticas e coletivas”.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.