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O padre Belchior Pinheiro de Oliveira foi uma das testemunhas oculares do dia em que o Brasil se tornou independente, em 7 de setembro de 1822.
Nascido em Diamantina, região central de Minas, em 8 de dezembro de 1778, primo de José Bonifácio de Andrada e Silva, o sacerdote estudou em Diamantina, em Mariana e em São Paulo, onde se ordenou em 1798. Em 1809, tornou-se bacharel em Direito em Coimbra, Portugal. Na volta ao Brasil, conciliou atividades religiosas e políticas. Em março de 1822, havia acompanhado o herdeiro do trono de Portugal em viagem a Vila Rica, atual Ouro Preto (MG). Era respeitado pelo futuro primeiro imperador do Brasil, com quem mantinha convívio sempre que se deslocava ao Rio de Janeiro.
Na tarde que ficou marcada como o momento histórico da separação entre Brasil e Portugal, foi o padre que leu em voz alta as recém-chegadas cartas, entregues ao futuro primeiro imperador do país. Havia correspondências de sua esposa, Leopoldina; de José Bonifácio, e do cônsul britânico, Henry Chamberlain. Mas foram as duas correspondências de Lisboa que o deixaram mais agitado. Uma era de seu pai D. João VI, e outra registrava uma ordem das cortes portuguesas, que determinavam que ele retornasse imediatamente a Lisboa.
O sacerdote fez questão de produzir um relato escrito de tudo o que viveu naquele dia – detalhou, inclusive, que Dom Pedro havia subido a serra de Santos a São Paulo sobre o lombo de uma mula, do qual apeava com frequência por conta de uma indisposição intestinal. O texto do padre Belchior, cujo conteúdo é atestado por outros relatos da época, permanece respeitado como um documento histórico importante para entender os acontecimentos que levaram o Brasil à independência, há exatos 203 anos.
Depois da Independência, o padre presidiu a comissão que elegeu dois deputados de Minas Gerais para a Assembleia Constituinte. Quando o esforço de elaborar uma Constituição foi dissolvido por Dom Pedro I, em 1823, Belchior foi deportado. Viveu em Bordeaux, na França, até 1829, quando retomou seu posto de vigário em Pitangui (MG), que ele havia assumido pela primeira vez em 1814. Deixou uma filha, Júlia Angélica de Oliveira, nascida durante o período de degredo e que ele fez questão de reconhecer em seu testamento.
Leia a íntegra do relato do padre Belchior, com a ortografia atualizada
O príncipe mandou-me ler alto as cartas trazidas pelos emissários. Eram elas: uma instrução das cortes, uma carta de Dom João VI, outra da Princesa Leopoldina, uma de José Bonifácio e outra ainda de Chamberlain, agente secreto do príncipe. As notas exigiam o regresso imediato do príncipe, a prisão e processo de José Bonifácio; a princesa recomendava prudência e pedia que o príncipe ouvisse os conselhos de seu ministro; José Bonifácio dizia ao príncipe que só havia dois caminhos a seguir: partir para Portugal imediatamente e entregar-se prisioneiro das cortes, como estava Dom João VI, ou proclamar a Independência do Brasil, ficando como seu imperador ou rei; Chamberlain informava que o partido de Dom Miguel em Portugal estava vitorioso e que se falava abertamente na deserdação de Dom Pedro em favor de Dom Miguel; e Dom João aconselhava o filho a obedecer à lei portuguesa. Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os, deixando-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, abotoando-se e compondo a fardeta (pois vinha de quebrar o corpo à margem do riacho Ipiranga, agoniado por uma disenteria apanhada em Santos), virou-se para mim e disse:
- E agora, padre Belchior?
Respondi prontamente:
- Se vossa alteza não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das cortes e talvez deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação.
Dom Pedro caminhou alguns passos, em silêncio, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro e outro, em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada. De repente, estacou, dizendo-me:
- Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de “rapazinho” e de “brasileiro”. Pois bem, verão quanto vale o "rapazinho". De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada quero do governo português, e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal.
Respondemos imediatamente, com entusiasmo:
- Viva a liberdade! Viva o Brasil separadol Viva Dom Pedro!
O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e disse:
- Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência completa do Brasil. Estamos separados de Portugal.
O tenente Canto e Mello cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões da guarda e com eles veio ao encontro do príncipe, dando vivas ao Brasil independente e separado, a Dom Pedro e à religião. Diante de sua guarda, disse o príncipe:
- Amigos, as cortes portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais.
E, arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas cortes como símbolo da nação portuguesa, atirou-o. ao chão, dizendo:
- Laço fora, soldados! Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil!
Respondemos com um viva ao Brasil independente e separado e um viva a Dom Pedro. O príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares; os paisanos tiraram o chapéu e Dom Pedro disse:
- Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil!
Juramos, respondemos todos. Depois, disse:
- Brasileiros, a nossa divisa que hoje em diante será Independência ou Morte!
Em seguida, firmou-se nos arreios, esporeou a sua bela besta baia e galopou, seguido do seu séquito em direção a São Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão Antonio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o príncipe.
Fonte: O Fico: Minas e os mineiros na independência.




