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Documento histórico

Leia a íntegra da carta-testamento de Getúlio Vargas, cuja morte completou 71 anos

Suicídio de Getúlio Vargas deixou o país em choque.
Suicídio de Getúlio Vargas deixou o país em choque (Foto: IREE/Prefeitura de São Borja)

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Na madrugada de 5 de agosto de 1954, o jornalista e político Carlos Lacerda foi alvejado por uma série de tiros quando saía de um táxi diante de sua casa, na rua Tonelero, em Copacabana, no Rio de Janeiro, então capital do país. Ele e o filho sobreviveram, mas os disparos ceifaram a vida do major-aviador Rubens Vaz, que acompanhava os dois. Rapidamente ficou claro que o atentado havia sido encomendado por pessoas próximas ao presidente da República, Getúlio Vargas. 

Depois de governar entre 1930 e 1945, e de ter conduzido o regime ditatorial do Estado Novo a partir de 1937, Getúlio havia retornado à presidência em 1951. A crise institucional acelerada ao longo de seu segundo período no governo foi marcada por um pedido de impeachment, recusado pela Câmara dos Deputados em junho de 1954, e agravada pelo atentado, que levou lideranças militares a exigir que ele se licenciasse do cargo.  

Como resposta, o presidente escreveu uma carta-testamento e, por volta das 8h30, disparou contra o próprio peito um tiro de revólver Colt. Estava em seu quarto no Palácio do Catete, a sede do governo federal. Foi encontrado agonizante, sobre sua cama, com um buraco de bala localizado pouco acima do bolso do pijama, que tinha um monograma gravado com a sigla GV. 

Manuscrito em um bloco de anotações, o texto termina com frases que se tornariam célebres: “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” 

Carta Testamento

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.  

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.  

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.  

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.  

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” 

Fontes: Câmara dos Deputados e CPDOC

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