Nesta terça-feira (4), viralizaram publicações nas redes sociais com vídeos e imagens associando o presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição e garantiu vaga no segundo turno, à maçonaria e ao satanismo. Os vídeos utilizados são de uma visita feita por Bolsonaro, em 2017, a uma loja maçônica ainda não identificada. Além disso, diversas fotos manipuladas foram divulgadas com Bolsonaro ao lado de uma imagem ao fundo de uma criatura da mitologia satanista.
Embora sejam associações e acusações falsas, algo atestado até por agências de checagem, o conteúdo viralizou e chegou aos Trending Topics do Twitter, sendo um dos mais procurados no Google Trends na terça-feira (4). A viralização ocorreu, principalmente, através de publicações de blogs chapa-branca suspeitos, jornalistas militantes e até de grandes jornais, que publicaram o conteúdo sem critério. Para disseminar ainda mais o conteúdo, perfis falsos de bolsonaristas arrependidos foram criados.
A iniciativa petista — que pode ser um tiro no pé, pois o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, afirmou, em 1º de junho, que políticos que espalhassem notícias fraudulentas intencionalmente para influenciar o processo eleitoral teriam o seu registro cassado — ocorre em um momento eleitoral decisivo para Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Embora tenha ficado em primeiro lugar no primeiro turno, com cerca de 5,2% de votos a mais que Bolsonaro, a forte adesão do eleitorado evangélico a Bolsonaro, que se apresenta como católico e defensor dos valores cristãos, e tem forte ligação com líderes protestantes, é uma grande ameaça à campanha petista.
Segundo pesquisa realizada pelo Poder Data, entre 31 de julho a 2 de agosto de 2022, Bolsonaro tinha 62% das intenções de voto entre os evangélicos no 1º turno, contra 22% de Lula. (O levantamento do PoderData, contratado pelo site Poder360, realizou 3.500 entrevistas em 322 municípios nas 27 unidades da Federação. Os dados foram coletados de 31 de julho a 2 de agosto de 2022, por meio de ligações para celulares e telefones fixos. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. O intervalo de confiança é de 95%. O registro no TSE é BR-08398/2022).
Blogs Pop engajados
Um dos primeiros veículos a publicar sobre a associação de Bolsonaro com a maçonaria é o PopTime, portal dedicado ao mundo dos “artistas pop”, mas que repentinamente, nos últimos meses, passou a militar em favor de Lula. Em seu site e redes sociais, o Pop Time publicou que Lula criou “Lei da Liberdade Religiosa, o Dia do Evangélico e a Lei da Marcha por Jesus. Enquanto Bolsonaro, que se diz cristão, pedia votos na maçonaria e tirava fotos ao lado do Baphomet”. A publicação no Twitter chegou a mais de 8 mil curtidas e 2 mil compartilhamentos.
Embora não haja no site o nome do proprietário ou dos autores nos textos, na declaração de propriedade de sua página no Facebook é revelado o nome do pernambucano José Luiz Santos Guimaraes, 21, que se apresenta nas redes sociais como designer e jornalista sob o nome “Hey Lugui”. Nas horas que sucederam a publicação, Guimarães -- que no Facebook declarou apoio a Haddad na última eleição e hoje tem seu perfil pessoal suspenso no Twitter devido a violações das regras da rede social -- publicou em seu instagram um story comemorando o recorde quebrado por sua página no Twitter, que teria obtido mais de 10 milhões de visitas em seu perfil, um aumento de 192% desde o último mês, segundo resultado do Twitter Analytics, ferramenta que analisa métricas da rede social. “Bacana demais saber que somos uma das maiores ponte para o eleitor, principalmente jovem, nessas eleições”, escreveu na legenda.
Em uma publicação no Facebook, no dia anterior à votação do primeiro turno, a página PopTime conclamou a trazer votos para Lula: “Datafolha e Ipec afirmam que Lula ganhará as eleições no primeiro turno e se tornará amanhã o novo Presidente da República! É hora de virar seu voto, não podemos deixar Bolsonaro passar mais um mês fazendo campanha suja”.
Outra publicação no Twitter que viralizou, chegando a cerca de 200 mil curtidas e mais de 77 mil retuítes, sobre a ligação de Bolsonaro com a maçonaria, é a do portal Pop Onze, que compartilhou um vídeo, originalmente publicado por um perfil criado há apenas três meses, afirmando que este era um “vazamento”.
Pop Onze lembrou no texto que o envolvimento com maçonaria é proibido pelo Código de Direito Canônico da Igreja Católica e afirmou que diversos apoiadores de Bolsonaro -- como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e o senador Jorginho Mello (PL-SC) -- seriam membros da instituição. Horas depois precisaram se corrigir explicando que Zambelli não participa, porque mulheres não são aceitas na maçonaria. Publicações idênticas também viralizaram nos blogs Choquei, que é verificado pelo Twitter, e QG do POP, ambos com temática semelhante a dos anteriores.
Estratégia de viralização
Uma publicação ainda anterior, feita às 8 da manhã, e idêntica às feitas pelos blogs que viralizaram, até mesmo com a mesma legenda, foi divulgada em uma comunidade no Telegram chamada Boca de Lobo. O canal, que possui quase seis mil inscritos, se apresenta como um “movimento de ativistas que geram contra-narrativas e transformam o veneno das fake news em antídotos a favor da democracia”.
Neste terça-feira (04), a Boca de Lobo fez uma série de publicações de imagens e vídeos, para a divulgação em massa no WhatsApp e grupos de Facebook, que ironizavam a participação de Bolsonaro na maçonaria e sua ligação com o satanismo. As imagens traziam diversos memes e piadas com o termo “maçonaro”, junção dos termos Bolsonaro e Maçonaria, e imagens de Bolsonaro com símbolos satânicos.
Uma das publicações feitas pelo canal foi a de um vídeo de uma palestra de Lula, em que ele se comparava a Bolsonaro no quesito religiosidade e utilizava os mesmos argumentos publicados pelo site Pop Time. Na descrição do vídeo, o canal Boca de Lobo confessou que este era o "antídoto contra boa parte das fake news que estão viralizando por parte dos bolsonaristas. E o vídeo da maçonaria também! Ambos diminuem a capacidade de atração bolsonarista nesta pauta”. Em outra publicação no canal, feita às 12h47, o Boca de Lobo comemorava que o termo maçonaria teria se tornado, nesta terça-feira, a quarta maior busca feita no Google, segundo a ferramenta Google Trends, e que os termos "bolsonaro satanista", "baixar vídeo twitter" e "vídeo do bolsonaro na maçonaria" também estariam no topo.
A Boca de Lobo publicou ainda vídeos de campanha de Lula e André Janones (deputado federal eleito por Minas Gerais), segundo o canal, a pedido dos mesmos, para que fossem espalhados. O primeiro vídeo era uma peça de campanha de Lula com diversos depoimentos de supostos eleitores cristãos elogiando o petista e criticando Bolsonaro, chamando-o de não cristão. O segundo vídeo era uma gravação feita por Janones, que trazia o templo de Salomão da Igreja Universal ao fundo, afirmando que nos vídeos “vazados” Bolsonaro participaria de rituais satânicos.
“Não dá pra caminhar com a maçonaria, lamento o presidente Bolsonaro ter feito esse pacto, cedido a estas práticas de bode, de sangue, negociado em nome de seus próprios eleitores para fazer esse pacto pela vitória”, afirma Janones no vídeo.
O canal possui conta no Twitter, onde os vídeos também foram publicados, e é seguido por diversos políticos e ativistas de esquerda, incluindo Lula e o deputado federal Bohn Gass (PT-RS). Além disso, diversos jornalistas de veículos como Globo News, UOL e Folha também marcam presença.
Outra personalidade que compartilhou efusivamente esta fake news foi a blogueira e roteirista Bic Müller, que em uma das publicações trazia as imagens de Bolsonaro na maçonaria e Lula recebendo a benção do papa, com fundo escrito “muito grave”, imagem idêntica à divulgada pela também blogueira Babi Magalhães. Na legenda da publicação, que alcançou mais de 120 mil curtidas e quase 24 mil compartilhamentos, Bic escreveu: “essa é pra sentar à mão no zap”.
A intenção de viralização das acusações como arma política, a despeito da falsidade do conteúdo, para que o eleitor evangélico seja atraído para Lula, também fica explícita em outros comentários de ativistas de esquerda, como Thiago dos Reis, proprietário do site Plantão Brasil, que conta com mais de um milhão de seguidores no Facebook e é destinado a atacar Bolsonaro e defender Lula. Além de publicar a imagem manipulada de Bolsonaro ao lado de figuras associadas ao satanismo, também instigou seus seguidores a compartilharem e “subirem” as hashtags: “Bolsonaro é satanista” e “Ciro é Lula”. Thiago é um conhecido militante petista, disseminador de notícias falsas, como a de que Bolsonaro era investigado pelo Ministério Público Federal por utilizar dinheiro sujo na sua campanha eleitoral, afirmação refutada por agências de checagem.
Outro que disseminou o conteúdo no Twitter, o arquiteto Alexandre Costa afirmou em tuíte que, mesmo que maçonaria nada tenha a ver com satanás, não seria isso que ele diria para a sua família. “Vou falar que eles estão votando em um homem que tem ligação direta com o capeta e o que Jesus deve estar pensando disso”, escreveu.
Bolsonaristas "arrependidos"
Além da viralização, foi noticiado por veículos jornalísticos, incluindo a Folha de S. Paulo, que eleitores de Bolsonaro teriam “entrado em parafuso” com a revelação de que ele é maçom e satanista. A prova seriam comentários de bolsonaristas arrependidos, que teriam apoiado o presidente até aqui e votado nele nestas eleições, mas estariam migrando os seus votos para Lula.
Um dos comentários mais divulgados é o de Viviane Loiseau, uma suposta ex-bolsonarista que em um tuíte se disse traída por Bolsonaro após ter descoberto os seus laços com a maçonaria e que, por isso, votaria no “nove dedos” no segundo turno. Até o início desta tarde, a publicação já tinha alcançado 27 mil compartilhamentos e quase 90 mil curtidas.
O perfil de Viviane, no entanto, é falso. Além de uma pessoa com este nome não existir no Brasil -- na conta ela informava que morava na cidade de Penha (SC) -- segundo análise realizada por Ricardo Caires, profissional especializado em perícia judicial audiovisual, feita a pedido da Gazeta do Povo, na imagem utilizada como foto de perfil, há diversos “pontos de edições manipulação” em vários locais do rosto e sinais de que foi criada por uma Inteligência Artificial.
Embora o perfil de Viviane tenha sido apagado posteriormente das redes sociais, diversos outros comentários de supostos bolsonaristas arrependidos continuam circulando. Alguns nem ao menos precisam de perícia, pois trazem uma manipulação grosseira das imagens de perfil com as cantoras pop “Anitta” e "Lana Del Rey”.
Outros perfis são de pessoas reais, mas que apenas alteraram suas fotos e a sua “bio” para parecerem bolsonaristas, como o perfil @lidiannemaria, que, fingindo ser eleitora arrependida, fez mais de uma dezena de publicações relacionadas à maçonaria nesta terça-feira, e em uma delas disse: “estou me sentindo traída, isso é contra nossos valores cristãos, ele quer se aproveitar dos cristão (sic) quando ele é do capeta, vou colocar no grupo da minha igreja infelizmente”. Mas Lidianne, desde o início das eleições, fez diversas publicações com militância pró-Lula e contra Bolsonaro.
Publicações feitas no Fórum Pandlr, comunidade dedicada ao público LGBT que já recebeu diversas acusações de racismo, indicam que este foi um dos primeiros e um dos maiores disseminadores destes boatos e, principalmente, da criação de perfis fakes de bolsonaristas arrependidos. Em diversas publicações feitas no fórum seus membros planejam como fazer as fake news serem mais verossímeis. Em uma delas, o usuário “Scotty” afirma: “tenho contatos no PT, irei contratar as guerrilheiras da PAN”.
Reação
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, divulgou nesta terça-feira um vídeo, endereçado a evangélicos, em defesa à reeleição de Jair Bolsonaro. O pastor, que é um dos maiores apoiadores do presidente no meio protestante, afirmou no vídeo que os petistas, ao divulgarem conteúdos do passado, estavam tentando manipular os evangélicos.
Em sua conta no Twitter, o deputado Eduardo Bolsonaro, que é filho do presidente, repudiou os boatos e afirmou: “se esta mentira, que a esquerda está disparando na internet, fosse verdade, eles colocariam isso em sua propaganda eleitoral na TV”, e a fala de Lula a favor do aborto, a sua declaração chamando pastores de farofeiros e a amizade de Lula com Daniel Ortega, ditador que tem mandado prender padres na Nicarágua.
“Ainda que Bolsonaro fosse maçom, não tem nada a ver essa relação da maçonaria com o diabo. D. Pedro I era maçom. José Bonifácio era maçom. Se alguma coisa existe de certo sobre a maçonaria é que é preciso ser muito honesto para ser aceito”, escreveu o músico Roger Moreira, do Ultraje a Rigor.
Já André Janones comemorou em suas redes sociais o sucesso da campanha. Segundo ele, cinco horas depois de sua live comentando o suposto “pacto” de Bolsonaro com a maçonaria, sua página no Facebook bateu a marca de 1 milhão de visualizações. “Continuem esparramando! É guerra!”, escreveu.
Nesta terça-feira, em meio a estas publicações, Lula comemorou o dia de São Francisco de Assis ao lado de Frei David, fundador e diretor da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), instituição que processou, no final do ano passado, a financeira XP em R$ 10 milhões por “danos morais e coletivos” por causa de “falta de diversidade”. O Frei David também é conhecido por ter ameaçado multar e tirar a bolsa de estudantes da Educafro que não coletassem assinaturas para um projeto do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2014, que buscava uma reforma política através de uma Constituinte Exclusiva, algo que muitos consideram ter sido uma tentativa de golpe do PT.
O candidato do PT aproveitou para alfinetar em seu Facebook, afirmando que é cristão e que não tem pacto nem jamais conversou com o diabo. Em seu Twitter, publicou: “para mim, a fé é algo muito sagrado. Levo minha espiritualidade muito a sério. Gosto de fazer as coisas com muita verdade dentro de mim”.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a deputada Carla Zambelli (PL), afirmou que já imaginava que guerras de narrativas aconteceriam em caso de segundo turno, mas que se surpreendeu ao utilizarem fotos de seu casamento; embora a deputada seja católica, este ocorreu em um templo maçom e teve as suas fotos divulgadas, para atacar o presidente.
Além disso, Zambelli destaca que, a despeito de as imagens compartilhadas nos ataques serem “toscas”, a imprensa, que teria passado quatro anos acusando a direita de manter um suposto "gabinete do ódio'', teria entrado na onda, produzindo reportagens com títulos sensacionalistas, fazendo pairar dúvida na “cabeça de poucos ingênuos que apenas leem o título das matérias”.
“Há uma lógica petista que é a cumplicidade nas falcatruas que confere aos jornalistas e 'especialistas' a autoridade política de acusar sem provas. Muitos são agentes que trabalham para exercer o poder da esquerda através de um funil de notícias. Eles controlam e manipulam as informações até produzir uma tirania mental. A vitória de centenas de aliados de Bolsonaro mostra que a estratégia não está funcionando”, afirma.
Até o momento desta publicação não obtivemos resposta das assessorias de Lula ou Bolsonaro.
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