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Jordan Peterson | Jesse Dittmar/
Washington Post
Jordan Peterson| Foto: Jesse Dittmar/ Washington Post

O mundo está mal, repleto de homens fracos. Homens indolentes, à toa, estúpidos, sujeitos de baixo status que acumularam uma pilha de hábitos inferiores e fizeram do mundo um lugar mais caótico. 

Ou, pelo menos, é isso o que Jordan Peterson lhe dirá. Mas não se apavore, o doutor está aqui para ajudar, pregando seu cuidadosamente explicado evangelho de ordem e disciplina, uma regra por vez – em um livro popular, em leituras distantes da torre de marfim do autor, e no YouTube, onde sua influência é ainda maior. 

O homem do momento, o autoproclamado “professor universitário que combate a correção política”, está em seu “ninho de águia” em um hotel de Manhattan, antes de mais uma palestra com ingressos esgotados que será baseada sobre seu best-seller “12 Regras para a Vida: um Antídoto para o Caos”. Também estavam esgotados os ingressos para a palestra desse psicólogo clínico da Universidade de Toronto que teve lugar em Washington, no Warner Theatre, na sexta-feira, de modo que ele voltará no próximo mês para fazer nova palestra no local. Muitos homens o estão ouvindo. Até mesmo Kanye West que, em meio à sua crise existencial ainda em curso no Twitter, compartilhou uma imagem de sua tela de computador, na qual se vê um link para um vídeo de Jordan Peterson. 

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Para um profeta tão multimídia, Peterson tem um jeito inesperadamente estranho e brusco. Ele enfatiza palavras fortemente no meio de suas sentenças, a ponto de quase gritá-las. Ele demora a fazer contato direto olho a olho, tendendo a olhar para baixo — quer esteja sobre um palco, diante de quase 3.000 acólitos, ou em uma conversa direta com um só interlocutor. A impressão que isso produz é que Peterson, 55 anos, parece estar demasiado imerso em pensamentos profundos para prestar muita atenção ao que está à sua frente. 

“Realmente não me vejo como figura política”, diz Peterson, mas, cada vez mais, é o que ele é, ganhando a adesão de conservadores e da alt-right e sendo visto com desconfiança pela esquerda. Foi a política que o elevou à fama no ano passado, quando manifestou publicamente sua oposição a uma lei canadense que impõe o uso de pronomes transgêneros, algo que ele considera que constitui um entrave à liberdade de expressão. 

Dois anos atrás, Peterson era um acadêmico respeitado, mas longe de famoso, quando começou a postar suas longas palestras online. Hoje há horas e mais horas de suas palestras e entrevistas no YouTube, uma verdadeira “Enciclopédia Jordânica” viral com mais de 1 milhão de assinantes. Algumas de suas palestras em vídeo têm mais de 180 minutos de duração e incluem doses generosas de relatos bíblicos (apenas por seus ensinamentos morais; Peterson abandonou a religião organizada ainda na adolescência), além de Nietzsche, Dostoiévski, Solzhenitsyn e seu herói, Carl Jung. Mesmo suas palestras menos populares dos últimos meses foram vistas por mais de 100 mil pessoas

Ele argumenta que compartilhar vídeos de palestras “é uma revolução cujas dimensões é impossível subestimar. É algo tão poderoso quanto a revolução de Gutenberg. Talvez seja ainda maior.” 

Poucas pessoas leem livros complexos, diz ele, “mas as pessoas conseguem ouvir coisas que não se dispõem a ler”. 

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Peterson suscita quase todas as opiniões, menos indiferença. Ele é “o intelectual público mais influente no mundo ocidental hoje”, escreveu David Brooks no “New York Times”, descrevendo-o como “um William F. Buckley jovem”. Os críticos, e há muitos deles, levantam dúvidas sérias quanto a isso. 

“Sua abordagem em relação à desigualdade de gênero é realmente simplista”, disse Gary Barker, psicólogo do desenvolvimento que estuda maneiras de promover a igualdade de gênero e a prevenção de violência. “A impressão é que se trata de uma versão mais bem apresentada de misoginia. O que é assustador é que ela não incentiva os homens a serem melhores, mas a conviver com essa desigualdade e aproveitá-la como podem.” 

Peterson critica o vitimismo e a “política de identidade da esquerda radical”. Ele é contra a igualdade regulada por lei e encara com ceticismo a noção de “privilégio” masculino ou branco. Como muitos pensadores que flertaram com o socialismo na juventude, Peterson lança uma cruzada contra qualquer coisa que ele considera que cheire a tendências marxistas e pensamento de grupo, o que significa muito invectivar contra acadêmicos que ele considera “pós-modernistas”, que provavelmente são um incômodo maior em reuniões de docentes que na vida de seus fãs. 

Sua natureza combativa e seu domínio do vídeo mostraram ser atrativos imbatíveis para homens jovens e que vivem online. Uma entrevista que Peterson deu à apresentadora de TV britânica Cathy Newman, em que os dois discordaram sobre temas como a disparidade salarial entre homens e mulheres, já foi vista mais de 9 milhões de vezes. Depois de Newman ter sido alvo de uma tempestade de xingamentos misóginos nas redes sociais, Peterson recomendou a seus seguidores no Twitter (que já chegam a 642 mil): “Sejam civilizados em suas críticas. Foram palavras. Palavras, gente, palavras. Vocês se lembram disso?” 

Desde que foi lançado, em janeiro, “12 Regras” já vendeu mais de 700 mil exemplares. Seu único livro anterior, "Maps of Meaning: The Architecture of Belief", de 1999, vendeu apenas 500 exemplares em edição de capa dura. 

Peterson observa, levemente irritado, que “12 Regras” foi rejeitado sumariamente por editoras americanas. “Elas não estão muito felizes por isso agora”, ele supõe. 

Uma das coisas que atrai em Peterson é que ele nunca parece estar em dúvida. Seus pensamentos são expressos como se fossem leis. Ele ordena aos homens jovens que amadureçam e façam um autoexame. Regra número 1: “Fique em pé, reto, e endireite os ombros”. Peterson adverte: “Não seja dependente. Nem um pouco. Nunca. Ponto final.” 

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Intransigente e cheio de opiniões próprias, Peterson parece ser por temperamento incapaz de moderar seu tom. Em “12 Regras”, ele desanca o personagem Elmo, de “Vila Sésamo”: “Sempre odiei aquele boneco esquisito e que não para de reclamar”. Ele acha que ter a felicidade como meta é uma insensatez. Sua visão da vida é hobbesiana: ele a considera desagradável, bruta e curta, com ênfase sobre “bruta”. 

Ser simpático e gentil é “uma virtude de baixo valor”, ele afirma. “Na melhor das hipóteses, é a ausência de um defeito específico.” Seu objetivo é “fortalecer o indivíduo, e, quando fala em indivíduo, ele se refere a homens jovens que, para citar Arnold Schwarzenegger, viraram “homens menininhas”. 

As mulheres podem participar da parada — Peterson acredita que cerca de 40% do público de suas palestras seja feminino —, mas a atenção dele está voltada aos homens. Se “os homens forem excessivamente pressionados a se feminilizar”, ele escreve, “vão se interessar mais e mais por uma ideologia política fascista intransigente”. Ele argumenta que “a onda populista de apoio a Donald Trump nos EUA faz parte desse mesmo processo”. 

Mentalidade de vítima

Jordan Peterson opera longe do mundo da autoajuda paliativa contemporânea própria de Oprah Winfrey, mas ajuda é exatamente o que ele oferece. 

“Sempre me surpreendo quando as pessoas reagem positivamente ao que eu digo, em vista da seriedade e da natureza estranha de minhas ideias”, ele escreve. Peterson recomenda que se evite a “mentalidade de vítima”. Ele odeia qualquer desculpa usada para justificar fraqueza, mesmo da parte de pessoas que enfrentaram câncer, violência ou horrores. Em sua prática clínica, escreve, ele observou pacientes com problemas monumentais superarem esses problemas. 

Mas, quando se raspa a superfície filosófica, suas palavras começam a soar como um discurso motivacional à moda antiga. Um discurso de louvor às virtudes da iniciativa própria. 

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Para pensadores conservadores com grandes aspirações, como Peterson, a era Trump oferece tanto potenciais quanto riscos. Representantes da mídia têm se derretido em elogios a intelectuais de direita que trazem um pouco de erudição e uma postura do contra. Mas os estudiosos que se posicionam com muita bravata podem se descobrir na mira de progressistas loucos para travar uma guerra indireta através das redes sociais. Tome-se o caso do comentarista conservador Kevin Williamson, demitido pela “Atlantic” dias após ser contratado, depois de críticos terem apontado para uma vez em que ele sugeriu que mulheres que se submetem a abortos sejam enforcadas. 

Status de celebridade

Peterson tem aparência condizente com sua fama. Magro e com jeito de personagem de western, mesmo usando terno cinza e gravata da Universidade McGill, esse natural do norte de Alberta, no Canadá, lembra o protótipo do pioneiro que se assentava nas pradarias dos EUA no século 19. 

Aos 8 anos, vivendo em Fairview (cidade de 3.000 habitantes), ele disse a seu pai, professor, que quando ficasse adulto se casaria com Tammy, a garota que vivia do outro lado da rua. E o fez. Os Peterson têm dois filhos adultos e uma neta bebê. Tammy e Mikhaila, a filha deles, acompanham Peterson em suas viagens e ajudam a administrar algo que rapidamente virou a “empresa Jordan Peterson”. 

Apesar de ter chegado tarde ao status de celebridade, Peterson parece gostar da atenção. Embora ele e Tammy ainda se ressintam do contratempo vivido na entrevista com Cathy Newman – que o bombardeou de observações tipo “você é como a alt-right com a qual odeia ser comparado! Você quer provocar agitação!” —, esse incidente apenas fez crescer sua fama entre seus fãs online. 

Como qualquer guerreiro que combate a correção política, Peterson direciona boa parte de seu desprezo ao mundo acadêmico, seu lar profissional por mais de três décadas. Ele considera que as universidades estão encharcadas de dogmatismo de esquerda, com um excesso de progressismo inundando as artes liberais (ciências humanas). 

O sentimento parece ser mútuo. Peterson não pode mais dar palestras em universidades sem atrair protestos. Para ele, isso não é problema algum. Recentemente, ele firmou contrato com a agência de talentos de Hollywood CAA e a promotora de eventos Live Nation para cuidarem de seus eventos como orador. Peterson vai passar o restante deste ano dando palestras e conferências na América do Norte e Europa. Os ingressos custam até US$200 para um pacote VIP, que inclui encontro pessoal com Peterson. Ele é procurado para entrevistas na televisão e vem promovendo suas ideias na Fox, no programa “Real Time with Bill Maher" – na realidade, parece que em praticamente qualquer programa de entrevistas que o convide. 

Peterson lecionou em Harvard nos anos 1999, quando se conhecem casos de estudantes que choravam quando seus cursos chegavam ao fim. Gregg Hurwitz, um aluno dele nessa época, acabou por escrever os thrillers best-sellers “Orphan X”, que incorporam as regras de Peterson. “Ele fala às pessoas que elas têm a responsabilidade de se tornarem a melhor versão delas mesmas. É uma mensagem imensamente palatável para os homens”, falou Hurwitz. “Peterson apresenta argumentos evolutivos, biológicos e psicológicos diretos para encontrarmos sentido no mundo, para maximizar que a vida vale a pena. Onde é que se encontra essa mensagem no mundo?” 

Histórico de depressão

Apesar de todas as certezas de Peterson, ele ainda se espanta com sua popularidade global. Ele se recorda de um fã jovem em Los Angeles, “um rapaz latino de 21 ou 22 anos”, que desceu de um carro para falar com ele. “Venho assistindo suas palestras há 18 meses e já assisti a centenas e centenas de horas”, o rapaz teria dito. “Você me ajudou muito no meu relacionamento com meu pai.” E então, conta Peterson, o rapaz tirou seu pai do carro para também cumprimentá-lo. 

Quando relata essa história, Peterson começa a chorar, ficando tão comovido que não consegue falar (os fãs de seus vídeos adoram os momentos em que o estóico professor se emociona). “É espantoso”, ele fala, com o rosto molhado de lágrimas. “Não é brincadeira, sabe?” 

Ele é franco ao falar do histórico de depressão grave em sua família, incluindo seu próprio. Ele tem sensibilidade excessiva para alguns alimentos. Acredita que batatas doces o tenham impedido de dormir por três semanas nesta turnês. 

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“Ainda tenho um monte de problemas de saúde”, ele diz. “Eles não parecem atrapalhar minha habilidade intelectual.” 

Peterson agora está fazendo uma dieta “absurda” à base de carne, saladas e água, promovida online por sua filha, temperada apenas por sal e cúrcuma. “Cúrcuma e sal! Cúrcuma e sal!”, ele canta no meio do parque Bryant, em Manhattan, ironizando a coisa inteira com alguns passinhos de dança improvisados. Diz que o regime o ajudou a livrar-se dos antidepressivos, que em certa fase ele imaginou que teria que tomar pelo resto da vida, e a dar adeus a 23 quilos. 

Durante uma sessão de fotos no parque, sem usar sobretudo apesar do frio e do vento, Peterson em dado momento amolece sua postura, infringindo sua própria regra número 1. 

“Jordan”, Tammy pede, “endireite os ombros!” 

Coração perverso

Mais uma noite, mais um espaço com ingressos esgotados, desta vez no Upper West Side. Como Peterson é recebido neste Éden da política progressista? 

“Amamos você, Jordan!” alguém grita do balcão superior. Ele é ovacionado em pé. Várias vezes. Coisa de roqueiro famoso. 

“Vocês nova-iorquinos são um pessoal durão”, fala Peterson, abrindo um sorriso raro. 

Ele descreve suas apresentações como “uma conversa com a plateia”, uma conversa na qual apenas ele fala. Ele sobe ao palco do Beacon Theatre para falar por duas horas e 40 minutos sem levar sequer uma ficha para lembrar de tópicos. 

“A polarização política idiota ainda é uma catástrofe, porque a vida é uma catástrofe”, Peterson fala à plateia, com uma de suas mãos fechada em um punho. “Você tem coração perverso – assim como a pessoa ao seu lado.” Ele fala aos presentes: “As crianças não são inerentemente boas, e vocês, também não.” 

Peterson não tende a se exprimir em frases curtas feitas para a televisão. Quinze minutos, para ele, é apenas uma introdução a uma palestra. Hoje ele só chega até a regra número 6: “Ponha sua casa em ordem perfeita antes de criticar o mundo”. O que representa o progresso. Tammy lembra que em uma palestra, Peterson só chegou a tratar da regra número 1. Sua vídeopalestra de 158 minutos sobre o Gênese, vista quase 2 milhões de vezes, mal passa de “No início, Deus criou o céu e a terra”). 

Agora ele pretende converter “Maps of Meaning” – aquele seu primeiro livro, muito ignorado – em videopalestras. Ao mesmo tempo, vai produzir mais vídeos sobre “O Significado Psicológico dos Relatos Bíblicos”, que já podem ser obtidos através de um serviço por assinatura que arrecada US$60 mil por mês. 

A vida anterior de Peterson acabou. “Não quero voltar a dar aulas para 20 pessoas ou 50 pessoas, porque isso seria burrice”, ele fala. “Não se pode retroceder na vida.” 

Pode não ser uma regra, mas que soa como uma, soa. 

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