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Em 2024, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, recebeu mais de 9 milhões de visitantes, de acordo com a assessoria de comunicação local. Deste total, mais de 320 mil pessoas estiveram na cidade na primeira quinzena de outubro, período em que quase 37 mil devotos caminharam centenas de quilômetros a pé para chegar ao santuário. Em 2025, o fenômeno se repete.
Segundo a tradição, foi em 12 de outubro de 1717 que três pescadores, João Alves, Filipe Pedroso e Domingos Garcia, encontraram em suas redes uma estátua de terracota da Imaculada Conceição. A imagem estava quebrada em duas partes, o corpo e a cabeça. A partir daquele momento, eles encontraram uma enorme quantidade de peixes no Rio Paraíba do Sul.
“A pesca foi infrutífera nos seis quilômetros entre os portos de José Corrêa Leite e de Itaguaçu, apesar da sinuosidade do rio naquele trecho com pontos alagadiços que favoreciam a proliferação de peixes”, relata o padre Júlio Brustoloni no livro “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, publicado em 1998.
Ele descreve a estátua encontrada: “Pequena e singela, a imagem mede apenas 36 centímetros de altura, sem o pedestal, e 2,550 quilos de peso”. O autor prossegue: “Como foi comprovado por peritos, era originalmente policromada: tez branca do rosto e das mãos, com manto azul escuro e forro vermelho granada. Pelo fato de ficar muitos anos submersa no lodo das águas, e posteriormente exposta ao lume e à fumaça dos candeeiros, velas e tochas, quando ainda se encontrava em oratório particular dos pescadores e na capelinha do Itaguaçu, adquiriu a cor que hoje conserva: castanho brilhante”.
Desde este episódio, surgiu um movimento popular de devoção, que ganhou escala e levou à fundação, em 1928, da cidade de Aparecida, onde hoje fica um dos principais centros de peregrinação católica do mundo. Em 16 de julho de 1930, o papa Pio XI proclamou Nossa Senhora da Conceição Aparecida como padroeira do Brasil. Desde 1980, a data é definida, por decreto, como feriado nacional.
O Primeiro Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá registra o encontro da imagem, escrito em 1743 pelo padre José Alves Villela – e disponível abaixo. O texto documenta o fenômeno de fé popular que a imagem da Aparecida mobilizou. Além de marcar o registro histórico do acontecimento, o padre Villela ainda liderou a construção da primeira capela dedicada a reunir fiéis dedicados à padroeira do país.
O relato é o mais antigo registro conhecido do milagre de Aparecida.
Leia a Notícia da Aparição da Imagem da Senhora, com ortografia ajustada
“No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta vila para as Minas, o governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida e Portugal, foram notificados pela Câmara os pescadores para apresentarem todo o peixe que pudesse haver para o dito governador.
Entre muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso com suas canoas. E principiando a lançar suas redes no Porto de José Corrêa Leite, continuaram até o Porto de Itaguassu, distância bastante, sem tirar peixe algum. E, lançando nesse porto, João Alves a sua rede de rasto, tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeça da mesma Senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse.
Guardou o inventor esta imagem em um tal ou qual pano, e continuando a pescaria, não tendo até então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos laços, que, receoso, e os companheiros de naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso.
Filipe Pedroso conservou essa imagem seis anos pouco mais ou menos em sua casa junto a Lourenço de Sá; e passando para a Ponte Alta, ali a conservou em sua casa nove anos pouco mais ou menos. Daqui se passou a morar em Itaguassu, onde deu a imagem a seu filho Atanásio Pedroso, o qual lhe fez um oratório tal e qual, e, em um altar de paus, colocou a Senhora, onde todos os sábados se ajuntava a vizinhança a cantar o terço e mais devoções. Em uma dessas ocasiões se apagaram duas luzes de cera da terra repentinamente, que aluminavam a Senhora, estando a noite serena, e querendo logo Silvana da Rocha acender as luzes apagadas também se viram logo de repente acessas sem intervir diligência alguma: foi este o primeiro prodígio, e depois, em outra semelhante ocasião, viram muitos tremores no nicho e no altar da Senhora, que parecia cair a Senhora, e as luzes trêmulas, estando a noite serena.
Em outra semelhante ocasião, em uma sexta-feira para o sábado (o que sucedeu várias vezes), juntando-se algumas pessoas para cantarem o terço, estando a Senhora em poder da mãe Silvana da Rocha, guardada em uma caixa ou baú velho, ouviram dentro da caixa muito estrondo, muitas pessoas, das quais se foi dilatando a fama até que, patenteando-se muitos prodígios que a Senhora fazia, foi crescendo a fé e dilatando-se a notícia, e, chegando ao vigário José Alves Vilella, este e outros devotos lhe edificaram uma capelinha e depois, demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em que de presente está.
Os prodígios desta imagem foram autenticados por testemunhas que se acham no sumário sem sentença, e ainda continua a senhora com seus prodígios, acudindo à sua santa casa romeiros de partes muito distantes a gratificar os benefícios recebidos desta senhora.”
Fonte: “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”




