• Carregando...
 | /AFP PHOTO/OWEN HUMPHREYS
| Foto: /AFP PHOTO/OWEN HUMPHREYS

Dada a importância do homem – e da lenda –, Nelson Mandela é um gigante da História recente. Pode até não ser uma unanimidade – não que unanimidades sejam importantes –, mas ele tem um poder inegável, que é também um dos aspectos mais relevantes do seu legado: o poder de inspirar.

"O personagem se agigantou de tal forma que dificulta a análise objetiva da obra do homem", diz o historiador Reginaldo Dias, da Universidade de Maringá. "Talvez a lenda supere a história realmente vivida, mas o símbolo é inspirador."

A reportagem ouviu de analistas uma lista extensa de adjetivos e pensamentos que destacam a singularidade de Mandela, o fato de ser insubstituível.

Moisés Marques, coordenador do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, também se refere a Mandela como um ícone, um "grande símbolo" para um continente marcado pela oralidade e pelo misticismo, com Estados nacionais ainda em processo de formação. Um homem que liderou com humildade e sobriedade.

Leia também: Este médico dedicou a vida para erradicar uma doença na África, e está perto de conseguir

"Mandela deixou um legado de liderança inconteste, de uma certa estabilização, ainda carente de maior institucionalização, do Congresso Nacional Africano, na África do Sul, mas, principalmente, demonstrou que é possível sair de uma situação de barbárie, como era o regime do Apartheid, com dignidade", diz Marques.

Herói, não

Ele aprendeu na luta, no cotidiano de muitas batalhas pela sobrevivência e pela dignidade humana", afirma Rodrigo Teixeira, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Teixeira não concorda com a percepção de Mandela como um herói ("no sentido que o patriotismo ocidental, geralmente, atribui ao termo") ou santo. Para ele, o legado principal de Madiba – como o líder sul-africano era chamado – está na coerência que manteve consigo mesmo, "abrindo mão da tranquilidade pessoal pelos interesses da coletividade".

Para Teixeira, Mandela conduziu uma "microfísica do poder". "Ao invés de pensar o poder como coerção, concebeu o poder como ação conjunta para transformação social", diz o professor.

Quando Mandela ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993, e a decisão da Academia Sueca – responsável pela escolha – foi criticada por muitos, como bem lembra o escritor nigeriano Chinedu Okafor. O argumento dos que eram contra a premiação usava o passado de Mandela na revolta armada que tentou reagir à violência do Apartheid. Se ele havia pegado em armas, como pôde receber o Nobel da Paz? A visão de Mandela mudaria nas quase três décadas que passou na prisão.

Respeito

"Ele lutou contra a dominação branca e também contra a dominação negra. Foi o primeiro presidente negro da África do Sul, conquistando o respeito da comunidade internacional por sua política de reconciliação tanto no âmbito nacional quanto no âmbito internacional", diz Larissa Ramina, professora de Direito Internacional da Unibrasil.

Quando ouve falar de Mandela, Larissa conta que pensa no homem político, no humanista, influenciado ao mesmo tempo pelas ideologias do anticolonialismo, do pan-africanismo, do comunismo e dos direitos humanos. "Creio que foi o prisioneiro político mais célebre do mundo e que consagrou sua existência à luta pela liberdade: antes contra o Apartheid e pela reconciliação dos povos da África do Sul, e depois contra a aids", diz Larissa.

"Em termos de proteção dos direitos humanos, Nelson Mandela sempre deve ser lembrado como um dos ícones mundiais", afirma o professor de Direito da Unibrasil Eduardo Gomes.

Algozes

Perguntada sobre o legado de Madiba, a professora Luciana Worms, do Grupo Dom Bosco, deu um testemunho pessoal que reflete o seu envolvimento com as lutas empreendidas pelo sul-africano. "Eu, jovem, achava uma traição buscar acordos de paz com os algozes", diz Luciana em referência às fotografias que mostravam Mandela saído da prisão apertando a mão do inimigo, no caso, o presidente Frederick de Klerk, do Partido Nacional, criador do Apartheid.

"[Eu] queria ver o povo negro sul-africano chegar ao poder pela revolução armada. Queria vingança!", diz Luciana. "Mandela não. Ele caminhou, caminhou e fez a maioria do povo caminhar com ele até as urnas, em paz, em 1994. Eu estava errada. Às vezes, oferecer a outra face é a maior revolução!"

O escritor nigeriano Chinedu Okafor diz que a herança deixada por Mandela deveria ser encarada "mais como um legado de amor e perdão do que de nacionalismo". "Ele é um homem que escolheu amar mesmo quando tinha todos os motivos para odiar", afirma Okafor. "Eu vejo Mandela mais como uma personificação do perdão do que como um guerreiro da liberdade que muitos identificam nele."

Palavras de perdão

Em um depoimento bastante emocionado, o escritor nigeriano fala dos anos em que Mandela passou encarcerado, entrando na prisão jovem para sair só na velhice. "Quando ele saiu, suas palavras eram sobre perdão", diz.

"O que destaca Nelson Mandela de outros africanos que lideraram batalhas pela emancipação de seus povos é que Mandela passou mais anos na prisão do que qualquer outro e, quando se tornou presidente, tentou viver de acordo com suas convicções: liberdade, igualdade e honestidade", enumera Okafor.

Por fim, Mandela, simplesmente, "não era corrupto", argumenta o nigeriano, "uma qualidade rara na arena política da África". De acordo com o escritor, além de Mandela, há somente mais um presidente africano que não foi acusado de ou indiciado por corrupção: Julius Nyerere (1922-1999), da Tanzânia.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]