• Carregando...
Caminhão de bombeiros carrega uma pessoa ferida depois que dois prédios desabaram em Muzema, Rio de Janeiro, Brasil, em 12 de abril de 2019. (Foto de CARL DE SOUZA / AFP)
Caminhão de bombeiros carrega uma pessoa ferida depois que dois prédios desabaram em Muzema, Rio de Janeiro, Brasil, em 12 de abril de 2019. (Foto de CARL DE SOUZA / AFP)| Foto:

Vista isoladamente, a queda de dois prédios nesta sexta-feira (12), no Rio de Janeiro, é mais uma tragédia para o vasto rol que vem atingindo a cidade neste início de 2019. Porém, o desabamento, que levou à morte ao menos três pessoas, carrega elementos em comum com todos os outros desastres cariocas: omissão do poder público, falta de planejamento urbano, altas taxas de criminalidade e o esgarçamento do tecido social.

Na construção desta tragédia em particular, estão a falta de fiscalização da prefeitura, que deixou os prédios irregulares serem construídos, a presença cada vez maior da milícia, que domina o mercado imobiliário da região, e a falta de estrutura urbana: os bombeiros tiveram dificuldade em fazer o resgaste por conta dos estragos causados pelas enchentes do início da semana.

Pressionado, na quinta-feira (11) o prefeito Marcelo Crivella criticou a cobertura da Rede Globo após perguntas de jornalista da emissora. Ele afirmou que “a emissora faz oposição ao Rio”, em uma tentativa de desviar o foco do debate público das críticas direcionadas a seu mandato — que atualmente responde a um processo de impeachment na Câmara dos Vereadores.

No entanto, um histórico de desastres como o do Rio de Janeiro não se cria da noite para o dia. Parafraseando Nelson Rodrigues, as tragédias do Rio não são improvisadas, mas obras de décadas e décadas.

Nesse sentido, entender como a “Cidade Maravilhosa” — antiga residência da Família Real e, por quase dois séculos, capital federal — se tornou marcada por consecutivas crises exige uma revisão acerca de diversos problemas, como a irresponsabilidade fiscal do Estado, a corrupção e a negligência por parte do poder público.

Todos os ex-governadores eleitos presos

Nos últimos três anos, 5 ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos. Todos os ex-governadores eleitos vivos ou estão presos ou chegaram a ir para a cadeia e respondem ao processo em liberdade.

Moreira Franco já foi preso preventivamente em processo que apura suposto recebimento de propina da Engevix, ao qual também responde o ex-presidente da República Michel Temer.

Pezão foi condenado por improbidade administrativa ao não investir o mínimo constitucional na área da Saúde, fixado em 12%.

Cabral foi preso em 2016 por suposto recebimento de propina para concessão de obras públicas. Ele é condenado na Lava Jato e réu em 28 processos. Suas condenações já somam quase 2 séculos de prisão.

Rosinha já foi presa em processo que apura cometimento de crimes eleitorais em 2017. Ela também já foi condenada por improbidade administrativa em razão de fraudes na saúde na época em que governou o estado. Já Garotinho foi preso em três ocasiões, em ações cujo objeto são a compra de votos, fraudes eleitorais e em processo que apura o cometimento de crimes de corrupção, concussão e participação de organização criminosa.

Todas as digitais apontam para irresponsabilidade fiscal

O déficit nas contas do Rio de Janeiro em 2018 foi superior a R$ 17 bilhões. Em 2017, a cifra foi de 22 bilhões. Desde 2016, a situação do estado foi decretada como sendo de calamidade pública.

Faltam recursos para serviços básicos, como o pagamento de salários dos servidores, distribuição de remédios na rede pública de saúde e combustível para as viaturas da polícia. Programas como Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) estão à beira do colapso. Nesse cenário, não é possível pensar em novos investimentos.

Como explica o economista com pós-doutorado em finanças públicas pela Universidade de Stanford (EUA) e especialista em finanças públicas, Jucá Maciel, “o Rio de Janeiro quebrou por excesso de gastos obrigatórios, aumento de gastos com pessoal acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e não por endividamento. O governo fluminense também contou com receitas temporárias, como os royalties do petróleo, para expandir gastos permanentes, inchando a máquina".

Entre os fatores que agravaram as contas públicas constam recessão econômica, retração nas atividades da indústria do petróleo, queda da arrecadação e déficit previdenciário.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) prevê que, mesmo com plano de recuperação fiscal o governo voltará a arrecadar mais do que gasta somente em 2029. Ademais, apenas em 2038 o Rio será capaz de pagar integralmente os juros e a amortização de sua dívida com a União.

Mesmo assim, todas as contas aprovadas no “Tribunal do Faz de Conta”

Os Tribunais de Contas possuem por escopo examinar despesas dos agentes públicos, apontar irregularidades e superfaturamentos em obras e serviços. Em suma, eles buscam evitar que recursos governamentais sejam desperdiçados.

O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro custa 77% da Assembleia Legislativa do estado

Embora haja uma cota constitucional para indicações técnicas, 80% dos conselheiros são ex-políticos. Ademais, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, 44 dos 189 conselheiros dos tribunais de contas estaduais respondem ações na Justiça. Entre eles há acusados de corrupção, falsidade ideológica, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, além de 1 condenado por homicídio, inclusive.

Em suma, quase um quarto dos conselheiros respondem a crimes que eles são pagos para evitar. E no Rio de Janeiro, em especial, há investigação em andamento que apura denúncia de que 5 dos 7 conselheiros teriam recebido propina para “fechar os olhos” e aprovarem contas irregulares de obras públicas. O Tribunal funcionou sem 6 conselheiros ao longo de 2017 por afastamento em virtude de suposto envolvimento em corrupção.

Todas as contas, tanto do Estado, quanto da “Cidade Maravilhosa”, foram aprovadas pelo Tribunal de Contas, mesmo com flagrantes evidências de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sem dinheiro, sem combate à criminalidade

As crises do governo do estado e dos municípios contribuem diretamente para o agravamento da criminalidade. Com a redução da presença das forças de segurança pública nas ruas e das ações de investigação, além do atraso de salários de servidores da segurança pública e contingenciamento de investimentos em setores essenciais para a área, há maior espaço para facções criminosas atuarem: elas implementam um poder paralelo que compete com o Estado.

Não são raros os casos em que a criminalidade decide quando a sociedade pode funcionar, determinando o fechamento de escolas e estabelecimentos de saúde, além do acesso a alguns locais se darem tão somente com autorização dos líderes das facções.

Em meio a esse processo, segundo estudo da Firjan “Quanto custa o roubo e o furto de cargas no Brasil”, o estado se tornou o local mais perigoso para o transporte de cargas no país, segundo estudo da Firjan, com 9.862 ocorrências de roubo de cargas em 2016, equivalente a 43,7% das 22.551 ocorrências nacionais. Como atesta o levantamento, “o roubo de cargas tem um efeito dominó sobre a economia. Além dos prejuízos para os transportadores, donos das cargas e clientes, ainda provoca desabastecimento formal e alimenta o comércio ilegal.” Ademais, segundo apontam as autoridades, o crescimento do roubo de cargas se tornou financiamento das organizações criminosas, eventualmente a atividade principal delas.

Salienta-se ainda que com 58.534 agentes, as polícias civil e militar têm enfrentado constantes reduções de orçamento e contingenciamentos nos últimos anos. Em 2015 as despesas com policiamento registraram queda de 54,6% em relação ao ano anterior, ficando em R$ 232,4 milhões. Já as despesas diretas com investigação e inteligência foram de apenas R$ 21,6 mil, queda de 45,7% em relação ao ano anterior.

Ademais, agentes relatam dificuldades para abastecimento de viaturas, além de outros problemas de estrutura, como sucateamento de equipamentos há muitos anos.

Diante de tantos problemas, pede-se socorro à União, que aciona as Forças Armadas para tentar contribuir com a situação fluminense. Desde Itamar Franco, todos os ex-presidentes da República delegaram missões ao Exército na cidade e no estado. Contudo, os resultados sempre se mostraram questionáveis, com as operações sendo movidas mais por interesses políticos do que bem organizadas e com estratégias e metas bem definidas. O coronel da reserva da Polícia Militar do Rio, Robson Rodrigues da Silva, é uma das vozes críticas à ausência de um Plano Nacional de Segurança Pública efetivo.

Com a atuação das forças armadas, cuja estrutura e treinamento é primordialmente necessária para ações específicas, não de longo prazo. Quando anunciada, a medida foi muito criticada na imprensa internacional justamente por isso. Entre os principais argumentos, constou o de que o Exército não é especializado no envolvimento com a comunidade, na investigação de crimes, no fornecimento de proteção no longo prazo e no trabalho para prevenir os possíveis crimes — justamente os maiores problemas da segurança no Rio de Janeiro.

Diante das próprias características do Exército, acaba por haver maiores abusos de autoridade a partir de suas ações, como na ação dos militares em Guadalupe, no Rio de Janeiro, ocorrida na tarde do último domingo (07) e responsável por vitimar o músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos.

Sem dinheiro, sem Infraestrutura

Já dizia Milton Friedman: não existe almoço grátis. Assim, não é surpreendente que a crise econômica tenha impactado também a infraestrutura da cidade. Na chuvas da última semana do Rio de Janeiro, o trecho da ciclovia Tim Maia, localizada na zona Sul do Rio de Janeiro, desabou. É a quarta vez que um trecho da construção não resiste a um temporal e cai.

Ao todo, 10 pessoas morreram com as chuvas que atingiram a cidade na última semana. Segundo reportagem do The Intercept, em 2017, já na gestão de Marcelo Crivella, houve remanejamento de R$ 22,2 milhões da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma) para ser alocado em publicidade.

Se poderia ter sido feito mais para evitar a tragédia das chuvas, apenas a prefeitura do Rio possui, segundo levantamento da secretaria de Obras do município de outubro de 2018, 68 obras atrasadas e inacabadas. Para concluir todas as obras, estima-se serem necessários R$ 550 milhões. Há dezenas de reformas de escolas em andamento, além do corredor Transbrasil, que é um corredor expresso para ônibus e ligará o bairro de Deodoro, na Zona Oeste, ao Terminal Américo Fontenelle. Ele possui extensão de 39 quilômetros e sua construção — vital para melhorar a mobilidade de transporte coletivo na região — se arrasta desde 2013.

O acúmulo de obras se dá porque a prefeitura desrespeitou a lei de Responsabilidade Fiscal e deu início a novas obras sem acabar as que já tinham começado. Já que não consegue cumprir suas obrigações mínimas em dia, a cidade precisa de ajuda tanto do Estado quanto da União, mas ambos também estão com dificuldades financeiras.

Segundo levantamento de 2018 do Ministério das Cidades, há ao menos 1.300 obras paradas em todo o estado do Rio de Janeiro, a pior situação do país. O custo de todas as obras empenhadas é de R$ 15 bilhões. Boa parte delas se deu por causa da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, que ainda não foram concluídas.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]