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O ministro Lewandowski plantando um ipê amarelo ao fim do evento com o MST
O ministro Lewandowski plantando um ipê amarelo ao fim do evento com o MST| Foto: Reprodução/MST/Sara Sulamita

A participação do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um evento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), neste sábado (11), rompe o distanciamento necessário entre magistrados e atividades político-partidárias, preconizado pela Constituição Federal e pelos Códigos de Ética da Magistratura e do STF. Segundo juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, ao se aproximar publicamente do movimento, o ministro perde a isenção indispensável em julgamentos futuros ou passados envolvendo o MST.

No artigo 95, a Constituição Federal veda aos juízes a participação em “atividade político-partidária”. O artigo 4º do Código de Ética do STF preconiza, entre os “princípios éticos que norteiam a conduta funcional dos servidores” do Supremo, “a impessoalidade e a imparcialidade”, além da “neutralidade político-partidária, religiosa e ideológica”.

Orientação semelhante aparece no Código de Ética da Magistratura, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No artigo 5º, o dispositivo afirma que “impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”. E completa no 7º que “a independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária”.

A relação do MST com o PT é histórica e amplamente conhecida. Nas últimas eleições, o Movimento elegeu seis de seus 15 candidatos (dois deputados federais e quatro estaduais), todos filiados ao Partido dos Trabalhadores. “Uma vez que o MST é uma organização notadamente política vinculada ao PT, poderíamos considerar a participação do ministro, ainda mais pela sua fala clara de apoio ao movimento, uma inadequação”, analisa o advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo Alessandro Chiarottino.

“Os juízes deveriam guardar um certo distanciamento de participar desse tipo de manifestação de hipotecar apoio público, para que isso não possa deslegitimar sua atuação quando forem instados a julgar causas em que esses grupos podem figurar como parte”, explica o advogado civilista Afonso Oliveira. “Mas infelizmente estamos falando de um STF que faz militância política, o ativismo judicial do STF é flagrante”, lamenta o jurista, reforçando que Lewandowski e outros pares “do mesmo viés” demonstram dar pouca importância “ao que diz o Estatuto da Magistratura, a ética e o bom senso”.

“A participação em um evento promovido pelo MST, para nós do Direito, é uma afronta à postura que o magistrado deveria guardar”, completa Olivera. Ele recorda que Lewandowski, que foi indicado por Lula, em 2006, já agiu “na direção contrária à Constituição", no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

“Lewandowski é aquele que, no processo de impeachment da Dilma, fatiou a Constituição Federal e, de uma forma arbitrária, preservou os direitos políticos depois que ela foi condenada. Ela deveria ser destituída imediatamente do cargo de presidente da República e perder os direitos políticos por oito anos, entretanto ele manteve esses direitos políticos, inovando, com uma interpretação totalmente absurda”, recorda.

Crítica ao Estado de Direito

Alessandro Chiarottino ressalta que, além da participação “questionável” do ministro no evento, merece atenção sua crítica ao que chamou de “democracia liberal” e “democracia burguesa”.

Durante o evento, Lewandowski afirmou que “a democracia está em crise, todos dizem isso. Mas o que está em crise, na verdade, é a democracia representativa, liberal burguesa, a democracia dos partidos, na qual, tenho certeza, nenhum de nós se sente representado adequadamente. Essas crises sucessivas têm uma raiz profunda, que é o sistema político que, de fato, não nos representa”.

Chiarottino lembra que, ao longo da história, o Estado de Direito só existiu em democracias liberais ou democracias que o ministro chama de burguesas. “As democracias populares, que tivemos diversos exemplos no século XX, foram sempre sistemas ditatoriais, que não poderíamos reconduzir de modo algum ao Estado de Direito. Parece uma crítica bastante estranha, porque, enquanto ministro do STF, ele deveria, ao contrário, se pautar pela defesa do Estado de Direito”, opina.

Liberdade de expressão tem preço

Para Chiarottino, um dos principais objetivos da imparcialidade preconizada aos magistrados é “que o público tenha a visão de uma magistratura imparcial”. “Isso é importante. A legitimidade das nossas instituições judiciais está muito ligada à questão da imparcialidade. Se o público começa a ter uma percepção de que tal juiz esposa apoio a uma determinada instituição ou partido político, isso evidentemente é ruim.” O jurista defende que, como ocorre na Suprema Corte americana, que serve de modelo à brasileira, os juízes “devem ter suas convicções do ponto de vista jurídico”. “Os juízes lá têm posições mais conservadoras ou mais progressistas, mas não existe esse envolvimento com determinados partidos e movimentos sociais. Há uma razão forte: isso mina a visão de imparcialidade que o público deve ter sobre nossos tribunais”, explica.

O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, entende que, ao proibir a vinculação de magistrados a partidos políticos e a manifestação deles sobre processos em julgamento, a Lei Orgânica da Magistratura não pretende violar o direito constitucional à liberdade de expressão dos juízes. Assim sendo, “um juiz pode ir a um evento do MST e se manifestar, pode ter ideologia. Não há impedimento legal”, defende.

“Não vejo nem impedimento ético, seria ótimo que os juízes dissessem o que pensam, em quem votam, qual visão possuem de mundo e parassem de ficar dando indiretas na televisão. O que entendo ser antiético e ilegal não é que manifestem suas preferências políticas, mas que, ao julgarem pessoas e partidos alinhados a seus gostos, não se declarem impedidos e suspeitos”, completa o jurista.

Nesse caso, entretanto, Marsiglia ressalta que, ao fazer uso de sua liberdade de manifestar preferências políticas, o juiz precisa “declarar-se suspeito e não julgar nenhum caso de pessoas e partidos alinhados com seus gostos”. “Se ele assume ser fã do MST e julga o MST, não apenas será antitético, mas ilegal”, assegura o advogado, acrescentando que o princípio vale para processos antigos e futuros. “Se já há processos com ele do MST é imperativo que ele se afaste já, ou passará a poder ser questionado eticamente e legalmente, por demonstrar preferência por esse movimento.”

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