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A visita surpresa do Papa Francisco à Basílica de São Pedro, no último dia 10 de abril, foi comentada principalmente pela vestimenta descuidada com que ele se apresentou. Mas é interessante notar também um objetivo dessa visita, além da observação dos resultados das recentes restaurações (em particular as dos monumentos funerários de Paulo III e Urbano VIII): a oração diante do túmulo de São Pio X.
Pode chamar a atenção, à primeira vista, a tempo especial que Francisco dedicou abertamente, em uma de suas últimas aparições públicas, a um passado pontífice como Pio X, bastião do antimodernismo e símbolo para muitos católicos tradicionalistas, com os quais Bergoglio se encontrou em dura oposição ao longo de todo o seu pontificado.
Na verdade, a devoção de Francisco por Pio X não é inédita e pode ser encontrada em várias ocasiões ao longo dos anos.
Em 21 de agosto de 2015, no dia da memória litúrgica de Pio X, Francisco já havia, de manhã cedo, se apresentado em São Pedro para rezar no túmulo do papa Giuseppe Sarto, e depois permaneceu para assistir à missa celebrada no altar em honra ao Santo por Mons. Lucio Bonora.
O próprio Mons. Bonora publicou em 2023 um ensaio dedicado à figura de São Pio X (Omaggio a Pio X, Ritratti coevi) com prefácio do Papa Francisco que, endereçando-se ao mesmo Bonora, relatava: “Tu sabes que eu amo muito Pio X e sempre o amei. Quando eu estava em Buenos Aires, no dia da sua festa, 21 de agosto, costumava reunir os catequistas da arquidiocese (...) era um encontro que eu desejava e procurava. Gostava de passar esse tempo com aqueles que se dedicam a instruir crianças e adultos nas verdades da fé, e Pio X sempre foi conhecido como o Papa da catequese”; ainda mais, Pio X é descrito por Francisco como “um Papa que fez toda a Igreja compreender que, sem a Eucaristia e sem a assimilação das verdades reveladas, a fé pessoal enfraquece e morre”.
Há ainda outro elemento que teria aproximado Francisco do papa do catecismo: a guerra. De fato, naquele prefácio, Francisco recorda Pio X como “um papa que chorou diante da guerra mundial, da qual foi considerado a primeira vítima, implorando aos poderosos que depusessem as armas” e continua: “como o sinto próximo neste momento trágico do mundo atual”.
É curioso notar como, sempre neste prefácio, Francisco promove a figura de São Pio X como um papa atual, modelo para a Igreja e os cristãos de hoje, não confinado a épocas passadas da história ou “monopolizado por grupos particulares” (nisto se pode reconhecer uma polêmica contra a própria Fraternidade Sacerdotal São Pio X, que leva o seu nome, ou contra outras realidades “tradicionalistas”).
Mais uma vez, a figura de Pio X assumiu destaque em vários outros momentos do pontificado e foi bem lembrada também na audiência geral realizada por ocasião de sua última memória litúrgica (21 de agosto de 2024); além disso, no ano anterior, Francisco havia concedido a peregrinação das relíquias de São Pio X em seus locais de origem, entre as dioceses de Treviso, Pádua e Veneza, reivindicando com orgulho essa decisão.
As declarações positivas de Francisco em relação a São Pio X e ao seu legado não parecem de forma alguma óbvias se voltarmos a observar de maneira geral como, por um lado, Pio X é considerado a plena expressão da tradição católica pré-conciliar e, por outro, como Francisco está associado a uma sensibilidade “sinodal” tipicamente pós-conciliar, com uma abordagem da doutrina que – eufemisticamente falando – parece menos “estruturada” e não isenta de elementos problemáticos, também à luz de várias declarações feitas de improviso.
As duas figuras foram, portanto, frequentemente percebidas idealmente como símbolos de visões do mundo ao menos distantes, quando não diametralmente opostas.
Obviamente, não podemos conhecer os pensamentos de Francisco ao dirigir sua última oração ao túmulo de Pio X. Não se pode excluir a afinidade declarada em razão da sensibilidade comum pelas tragédias da guerra, tema evidentemente caro a Francisco, lembrado também em seu discurso lido por Mons. Ravelli por ocasião de sua última aparição pública, na bênção pascal urbi et orbi, um dia antes de sua morte. Nesta perspectiva, também ganharia novo significado a parada anterior, realizada naquele 10 de abril, diante do monumento a Bento XV, o pontífice que denunciou a “matança inútil” da Primeira Guerra Mundial.
Há quem, porém, tenha entendido a oração no túmulo de Pio X como uma referência a um precedente histórico repleto de sugestivas analogias simbólicas, como observou com perspicácia o amigo jornalista Ciro Fusco.
Em 1º de agosto de 1978, cinco dias antes de morrer, Paulo VI – o Papa que concluiu o Concílio – fez uma visita surpresa ao túmulo do cardeal Giuseppe Pizzardo, partindo propositadamente de Castel Gandolfo à cidade vizinha de Frattocchie. O vaticanista Carlo Di Cicco relatou que não se percebia, aparentemente, o sentido daquela visita, visto que o mundo da informação considerava de pouco interesse a oração do pontífice sobre o túmulo de um cardeal falecido oito anos antes, cuja memória não permanecia particularmente viva na mente dos meios de comunicação.
No entanto, o cardeal representava aquele mundo católico pré-conciliar que tinha olhado com desconfiança para as aberturas do Concílio e, mesmo antes de Giovanni Montini subir ao trono pontifício, Pizzardo tinha-se oposto à sua orientação, sendo também um dos arquitetos do afastamento de Montini da Cúria Romana. Di Cicco relatou ter conseguido perguntar a Paulo VI o motivo da visita; este respondeu que a reconciliação é um valor cristão, mesmo para um papa.
Não sabemos, portanto, se, na última visita ao túmulo de Pio X, Francisco buscou conforto ou propriamente reconciliação. Qualquer que tenha sido a intenção do pontífice naquele gesto de oração, esperamos que tenha sido um sinal – ainda que simbólico, tênue e talvez não intencional – da necessidade de reafirmar, no futuro próximo da Igreja Católica, a centralidade da Eucaristia e da “assimilação das verdades reveladas”, sem as quais “a fé pessoal enfraquece e morre”, para usar as palavras escolhidas pelo próprio Francisco ao destacar o precioso legado de São Pio X à Igreja de hoje e ao seu povo.
Giacomo Guarini é advogado com PhD na Sapienza Università di Roma e colaborador da Nuova Bussola Quotidiana.
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© 2025 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano: “Quel legame misterioso tra papa Bergoglio e San Pio X”.





