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Mulheres brasileiras perdem poder para homens em ano sombrio

Índice de desigualdade de gênero no mundo tem primeira queda em 11 anos

Segundo relatório, são necessários em média 100 anos para que a igualdade de gênero seja alcançada | Pixabay
Segundo relatório, são necessários em média 100 anos para que a igualdade de gênero seja alcançada (Foto: Pixabay)

Após uma década de retração lenta, mas contínua, a desigualdade entre homens e mulheres medida pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) aumentou em 2017 no Brasil e em todo o mundo. O índice da pesquisa Global Gender Gap Report 2017, criada pela entidade com base em quatro quesitos - saúde e sobrevivência, participação e oportunidade econômica, realização educacional, e empoderamento político - sofreu seu primeiro recuo desde que a medição começou, em 2006. 

Leia o posicionamento da Gazeta do Povo sobre o tema: “É preciso trabalhar por uma sociedade em que as mulheres possam ocupar, tanto quanto os homens, lugares sociais onde exerçam influência” 

O relatório é lançado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, sediado em Genebra, na Suíça. Pela primeira vez, a pesquisa aponta aumento na média de desigualdade entre homens e mulheres. No levantamento anterior, estimava-se que seriam necessários 83 anos para alcançar a paridade entre gêneros. Agora, são 100 anos, na média. Se considerarmos apenas o mercado de trabalho, a estimativa é ainda maior: de 217 anos. 

"Quando olhamos os resultados dessas quatro dimensões em termos globais, foi um ano sombrio para o progresso da paridade de gênero. Enquanto nos anteriores tinha havido certa evolução, neste o movimento não apenas estacionou como se recolheu", disse Till Leopold, do WEF. 

"Em 2017, não deveríamos estar vendo o progresso para a paridade de gênero caminhar no sentido inverso. Igualdade é um imperativo tanto moral quanto econômico", afirmou Saadia Zahidi, também do WEF. 

Fatores do recuo 

A piora foi puxada principalmente pela diminuição da igualdade na economia e na política. A Islândia é a campeã da equidade de gênero no mundo, seguida por Noruega, Finlândia, Ruanda e Suécia. Os EUA caíram quatro posições, aparecendo em 49º. Entre os países do G20, a França lidera, em 11º lugar, seguida da Alemanha (12º) e do Reino Unido (15º). 

Já o Brasil caiu nove posições, ficando em 90º. Em 2006, estava em 67º. O país faz feio na comparação com outros latino-americanos. A melhor performance é a da Nicarágua (pela sexta vez consecutiva); neste ano, o país figura entre os dez primeiros no ranking global pela primeira vez, no 6º lugar. A Bolívia aparece em 17º; Cuba, em 25º, e a Argentina, em 34º. 

Os cinco com mais desigualdade de gênero são Irã, Chade, Síria, Paquistão e Iêmen. Fazem parte do ranking 144 países. 

Cenário brasileiro 

No caso do Brasil, a baixa representatividade de mulheres em ministérios e no Legislativo jogou o índice para baixo. "Vemos uma representação muito menor da mulher na política hoje do que no ano passado. Hoje há menos mulheres em posições ministeriais e parlamentares, de forma que podemos dizer que há menos mulheres exercendo poder político. Portanto, houve um retrocesso", afirmou Leopold. 

"Apesar de ser verdade que o Brasil estava indo bem na economia nos últimos anos, isso estacionou, ao passo que os demais países da América Latina viram sua situação melhorar. Com a queda na representatividade política, é como se o Brasil tivesse ficado parado, enquanto os demais avançaram", analisou Leopold, explicando a posição ruim do país. 

Em uma nota positiva, no entanto, o Brasil foi o único país da América Latina (e aparece entre seis no mundo todo) que conseguiu diminuir a diferença de gêneros na saúde e na educação. 

Questionado sobre a eficácia da adoção de políticas para abordar a diferença de gênero - como cotas nas direções das empresas -, Leopold disse que "certamente não há uma receita única que funcione para todos os países". 

"Mas pesquisas mostram que medidas com alvo no gênero para ajudar mulheres a progredir no mercado de trabalho têm efeito multiplicador para a economia como um todo e, assim, podem ser bastante eficazes." 

Desigualdades em diversas áreas 

Para a jurista Silvia Pimentel, os dados representam o que ainda é visto no cotidiano: a mulher é associada e responsabilizada por tarefas domésticas e cuidados das crianças e ainda carece de representação nas altas esferas. O levantamento aponta, por exemplo, que são ocupados por mulheres 39,6% dos cargos mais altos em empresas e no poder público. Na média salarial, elas recebem 58% do que é pago a homens, embora sejam 53,9% da força de trabalho. 

"É muito importante a participação das mulheres em postos de comando, de participação: elas levam para esses lugares nova experiência de vida, um novo olhar. É algo que pode, em muito, colaborar para que tenhamos políticas mais sensíveis ao gênero", afirma Silvia, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ex-presidente do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. 

A baiana Juliana Ferraz, de 36 anos, viu as dificuldades disso na prática. Ela é diretora do departamento comercial de uma empresa do segmento cenográfico, que tem 240 funcionários. Antes de assumir a função, há dois anos, ela só havia tido experiência em coordenar mulheres.

Os meus primeiros seis meses na empresa foram sofridos. É um universo de trabalho manual e muito masculino. Foi muito difícil aprender a me impor. Até fizeram um bolão para saber quanto tempo eu ia ficar." 

Do ponto de vista político, a professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luciana Ramos diz que a cota de 30% das candidaturas para mulheres não surtiu efeito. Hoje o Congresso tem 55 deputadas (de um total de 513) e 13 senadoras (de 81), o que deixa o País em 110.º na lista. "Apesar de a Constituição dizer que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, isso não ocorre na prática." As mulheres, diz, têm menor financiamento e espaço midiático de campanha e, muitas vezes, são incluídas na lista apenas para cumprir a cota, sem haver a intenção partidária de elegê-las.

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