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Independência ou colonialismo

Não é só Trump: por que a Dinamarca pode perder a Groenlândia 

Moradores da Groenlândia fazem protesto contra a discriminação em fevereiro deste ano.
Moradores da Groenlândia fizeram protesto contra a discriminação em fevereiro deste ano. (Foto: EFE/EPA/Mads Schmidt Rasmussen, Arctic Creative)

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Dentre as muitas acusações feitas pela imprensa americana contra Donald Trump, está a de reunir moradores de rua na Groenlândia para criar a falsa impressão de que a população local apoia a ideia de romper os laços com a Dinamarca e se juntar, de alguma forma, aos Estados Unidos. 

O caso teria acontecido em janeiro deste ano, durante uma visita de Donald Trump Jr. à ilha. 

Mas, agora, o povo groenlandês deu um sinal de que a ideia de se emancipar da Dinamarca é de fato popular. 

O partido Demokraatit, que defende um processo gradual de independência, foi o mais votado nas eleições legislativas locais, na terça-feira (11). A sigla teve 29,9% dos votos. O segundo colocado, com 24,5%, foi o Naleraz, que quer um processo ainda mais acelerado de autonomia. Juntos, os dois partidos terão maioria no Parlamento. 

Hoje, a Groenlândia é governada por dois partidos de esquerda que não têm a independência como prioridade. 

Ainda não está claro se, nos planos de Trump, a Groenlândia se tornaria um território americano (como hoje é Porto Rico) ou se o arranjo criaria um estado autônomo sob a proteção dos Estados Unidos. 

Além disso, o líder do partido vencedor nas eleições já afirmou que não pretende ver a Groenlândia como parte do território americano, e sim como uma nação independente. 

Mas uma coisa é clara: a população groenlandesa tem bons motivos para querer se afastar da Dinamarca. 

População pequena, território vasto 

Se fosse um município do Brasil, a Groenlândia não estaria nem entre as 500 maiores cidades do país no quesito população. São cerca de 57 mil habitantes em uma ilha de 2,1 milhões de quilômetros quadrados. É a população de Penápolis (SP) vivendo em território maior que o México — a maior parte, desabitada devido à neve e ao frio.  

Cerca de 90% da população da ilha são de inuítes, também conhecidos como esquimós.

A Dinamarca controla a Groenlândia há três séculos. 

O território fica tão longe de Nova York quanto de Copenhague — cerca de 3 mil quilômetros. 

A população pequena e o ambiente inóspito não tiram a importância da Groenlândia como um ponto estratégico entre a Europa e os Estados Unidos. Além disso, o território abriga minerais valiosos ainda pouco explorados. 

As razões para autonomia da Groenlândia 

A Dinamarca, que se orgulha de ser um país tolerante, nem sempre tratou os moradores da Groenlândia de forma condizente com esses princípios. 

A população local se queixa da atitude das autoridades dinamarquesas para a ilha. 

Um episódio revelado recentemente agravou essa percepção.  

Entre os anos 60 e 70, o governo dinamarquês esterilizou 4.500 jovens (de um total de 9.000 em idade fértil) da Groenlândia. Em muitos casos, o procedimento de implantação do DIU (Dispositivo Intrauterino) foi feito sem o consentimento das pacientes. O caso foi revelado em 2023 pela rádio dinamarquesa DR. O objetivo do governo central era reduzir os gastos com programas de assistência social. Proporcionalmente, os moradores da Groenlândia dependem mais de programas estatais que os do território principal da Dinamarca. 

As revelações da imprensa dinamarquesa também incluem declarações de autoridades celebrando a redução da natalidade na Groenlândia. 

Antes disso, na década de 1990, outro escândalo veio à tona: nos anos 50, o governo dinamarquês removeu pelo menos 22 crianças de suas famílias na Groenlândia e as entregou a famílias dinamarquesas. A ideia era que, no futuro, elas voltassem à ilha e compartilhassem o que haviam aprendido na parte mais civilizada da Dinamarca. Mas isso nunca aconteceu, e metade do grupo morreu ainda na juventude. 

Caso a população da Groenlândia de fato decida buscar a independência, o governo dinamarquês se verá numa situação desconfortável. Renunciar a um território dessa dimensão seria uma perda significativa. Mantê-lo, especialmente em um país como a Dinamarca, onde o colonialismo não é uma ideia das mais populares, contraria os valores atuais da nação. Além disso, o país aprovou em 2019 um ato que reconhece à Groenlândia o direito de convocar um referendo sobre a independência. 

Ao mesmo tempo, a economia local é frágil, a população é pequena e o território é imenso A independência total pode ser uma aposta arriscada. 

É aí que os americanos entrariam. 

Interesse de Trump na Groenlândia não é de hoje

Já faz pelo menos seis anos que Donald Trump fala em “comprar” a Groenlândia. 

Desde a eleição do ano passado, ele voltou a falar do tema com mais frequência. 

Em 4 de março, no discurso do Estado da União no Congresso, o republicano se dirigiu diretamente aos groenlandeses. “Tenho uma mensagem esta noite para o incrível povo da Groenlândia. Apoiamos fortemente seu direito de determinar seu próprio futuro e, se vocês decidirem, vocês são bem-vindos nos Estados Unidos da América”.  

Depois, de improviso, Trump acrescentou que os americanos vão “conseguir” a Groenlândia “de um jeito ou de outro”. Ele citou a segurança nacional e internacional como razão para o interesse americano na ilha. 

Talvez Trump, célebre por seus blefes e suas declarações exageradas, não queira realmente comprar a Groenlândia. Mas, como mostram os resultados da eleição desta semana, as ameaças do presidente americano podem ter revigorado o movimento pela independência da ilha. 

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