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Instalada na Ladeira dos Guararapes, no Cosme Velho, zona sul do Rio de janeiro, a Casa Geyer é uma mansão do século 18 com vista privilegiada para o Morro do Corcovado e o Cristo Redentor
Instalada na Ladeira dos Guararapes, no Cosme Velho, zona sul do Rio de janeiro, a Casa Geyer é uma mansão do século 18 com vista privilegiada para o Morro do Corcovado e o Cristo Redentor| Foto: Divulgação

Ao longo de décadas, Maria Cecília e Paulo Geyer colecionaram pinturas de grandes artistas, principalmente do século 19, com foco em retratos e paisagens do Rio de Janeiro. Eram tantas obras que o casarão onde vivia o casal, na Ladeira dos Guararapes, no Cosme Velho, ficou pequeno. Foi preciso pendurar quadros no teto da sala. Em 1999, os Geyer doram o imóvel e a coleção - que inclui nomes do porte de Johann Moritz Rugendas, Jean-Baptiste Debret, Nicolas-Antoine Taunay, August Muller, Thomas Ender, Franz Keller e Emil Bauch - ao Museu Imperial de Petrópolis. O desejo de que o acervo fosse aberto ao público, deve, finalmente, se realizar em 2024.

Frank Geyer Abubakir fez parte da última leva de moradores da Casa Geyer. Nascido em 1972, ele passou ali a infância e a juventude, em um quarto instalado no torreão do edifício, um local que no século 18 havia sido utilizado como sede de um engenho de cana-de-açúcar. Hoje é presidente do Conselho de Administração da Unipar Carbocloro e vive na Suíça com a família, de onde trabalha para preservar duas conquistas de seus antepassados: o imóvel em si e a coleção de arte impressionante reunida por seus avós, Maria Cecília e Paulo Geyer.

“Eles doaram, em abril de 1999, a Coleção Geyer ao Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro, com o objetivo de disponibilizar acesso ao público a um espaço cultural e de memória na cidade do Rio de Janeiro”, ele lembra. “Para mim é um motivo de muita alegria saber que essa coleção é considerada a maior doação da história da arte brasileira.”

O imóvel foi adquirido pelo bisavô de Abubakir, Alberto Geyer Sampaio, que em meados do século 20 comprou um banco que era proprietário do local. Paulo Geyer ficou encantado com o imóvel, e resolveu viver ali com a esposa. Os dois seriam os últimos residentes do casarão: ele faleceu em 2004, aos 83 anos, e ela, em 2014, aos 91. Desde que fizeram o acordo de doação do acervo com o Museu Imperial, em 1999, deixaram expresso o desejo de que ficasse disponível ao público.

Reformas programadas

A partir de 2023, a residência, que está vazia desde a morte da matriarca, vai passar por uma reforma, resultado de uma doação de R$ 5 milhões de Abubakir. A tendência é que esteja aberta em 2024 e que o restante do aporte financeiro seja bancado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), totalizando um orçamento estimado em R$ 23 milhões. Os trabalhos incluem a construção de um novo prédio no terreno, que funcionará como recepção e apoio às atividades museológicas. A previsão é que o local tenha capacidade para receber 200 visitantes por dia.

O acervo colecionado pelo casal é composto de 4.255 obras, sendo 1.120 itens iconográficos e 466 peças de arte decorativa, incluindo quase 200 pinhas de cristal e vidro, móveis de madeira, em miniatura, trabalhados em marfim e a lanterna de prata que adornava a carruagem cerimonial de d. Pedro II. Há ainda dezenas de livros escritos por cientistas, naturalistas e artistas que viajaram pelo Brasil e deixaram suas memórias e seus registros como um legado definitivo do passado imperial do país.

“Toda a coleção é muito importante para mim”, afirma Abubakir. “É fruto da paixão por arte e da dedicação à preservação do patrimônio cultural brasileiro e da minha própria família por décadas. E conta com diversas obras de grandes artistas. E ainda contempla a Casa Geyer, um casarão do século 18, onde os meus avós viviam e eu passei momentos bastante felizes na minha infância”.

 Coleção Geyer - Museu Imperial/ Divulgação/Jaime Acioli
Coleção Geyer - Museu Imperial/ Divulgação/Jaime Acioli

Acervo expressivo

O acervo é tombado como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan). “O tombamento da Coleção Geyer mostra a importância histórica e artística desse acervo e, também, a dimensão pública do gesto do casal Geyer em doar ao povo brasileiro uma coleção particular de arte brasiliana do século XIX de significativo valor, não apenas cultural, mas também financeiro”, argumentou o órgão em 2014, quando decidiu preservar o imóvel.

Além disso, a própria residência da família era uma atração histórica e cultural à parte: instalada na Ladeira dos Guararapes, no Cosme Velho, zona sul do Rio de janeiro, a Casa Geyer é uma mansão do século 18 com vista privilegiada para o Morro do Corcovado e o Cristo Redentor. Tem 880 metros quadrados de área construída, num terreno de 12 mil metros quadrados, atravessado pelo rio Carioca.

“Acredito que, assim que for aberta, a Casa Geyer fortalecerá um corredor turístico destacado no Cosme Velho”, prevê o neto do casal. “A região já conta com pontos turísticos de grande relevância, como a Casa Roberto Marinho, a Bica da Rainha e a casa do jornalista e escritor Austregésilo de Athayde. Todos próximos ao Largo do Boticário, outro local de destaque, além do Trem do Corcovado, aos pés da Floresta da Tijuca, que leva ao Cristo Redentor.”

Coleção Geyer - Museu Imperial/ Divulgação/Jaime Acioli
Coleção Geyer - Museu Imperial/ Divulgação/Jaime Acioli

Histórico de peso

Empresário pioneiro na implantação da indústria petroquímica no Brasil desde a década de 40, que resultou na formação da empresa Unipar nos anos 60, Paulo Fontainha Geyer nasceu e viveu no Rio de Janeiro. Sua família já era conhecida pelo esforço em fortalecer as atividades industriais no Brasil, enquanto Maria Cecília descendia de empreendedores dedicados à abertura de estradas que melhorassem a dinâmica logística do país.

Antes mesmo da reforma a ser iniciada, o Museu Imperial de Petrópolis exibe parte das obras em sua sede, na forma da exposição “O olhar germânico na gênese do Brasil”, em cartaz até janeiro de 2023. “Ao contrário do que preconiza o senso comum, que costuma enfatizar a relação com a França, a participação de artistas de língua alemã foi intensa e constante ao longo do período, desde as missões científicas dos anos 1810 e 1820 até a influência mítica do pintor Georg Grimm na década de 1880, passando por empreendimentos litográficos e fotográficos importantes como a Casa Leuzinger”, explica a curadoria.

Os curadores apontam que a exposição é também uma homenagem ao casal Geyer. “Ao observarmos com consciência do olhar dos colecionadores, não somente prestamos uma justa homenagem, como também aprendemos a enxergar os objetos aqui expostos com a paixão e a inteligência de quem os recuperou do esquecimento. Essa educação do nosso olhar pelos olhares que nos antecederam é essencial para construirmos uma cultura em comum.”

A exposição foi montada com 200 obras. Há muito mais a ser disponibilizado. Como informa o Museu Imperial em seu site oficial, “a Coleção Geyer representa um fenômeno singular na história do colecionismo nacional, pois é o resultado de uma meticulosa atividade de identificação, localização e captura de objetos de arte conduzida pelo gosto privilegiado de apreciadores das Belas Artes. Assim, a coleção é, ao mesmo tempo, um registro visual de um longo período da história nacional e um importante capítulo da história cultural brasileira contemporânea”.

Da Suíça, o neto acompanha os trabalhos que deverão transformar a Casa Geyer em um anexo do Museu Imperial de Petrópolis, realizando, assim, o sonho dos avós. “A população carioca ganhará história, memória e arte, além da geração de empregos e entretenimento”, ele projeta. “Entendemos que os setores turístico e cultural do Rio ganham um reforço para alavancar a economia da cidade, que passa por uma grande revitalização.”

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