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O Brasil carrega há décadas o título de “país do futuro”. Abundância de recursos naturais, posição estratégica, população criativa e diversificada: todos os elementos parecem estar à disposição para que a nação ocupe uma posição de destaque definitivo no cenário mundial. Décima maior economia do planeta, oitava maior produtora de petróleo e responsável por cerca de 30% da produção global de alimentos, o país tem todas as condições para ser muito mais desenvolvido do que é.
Entretanto, esse potencial permanece mal aproveitado. Como lembra Samuel Hanan, autor dos livros Brasil, um país à deriva e Caminhos para um país sem rumo, em artigo publicado na Gazeta do Povo, o Brasil não voltou a experimentar, desde Juscelino Kubitschek, uma fase robusta de desenvolvimento. Passadas seis décadas, a promessa de prosperidade foi substituída pela frustração de uma nação que ainda patina no subdesenvolvimento. Na mesma linha, o economista José Pio Martins, colunista da Gazeta do Povo, evocou a célebre frase de Eugênio Gudin, que definia o Brasil como uma “amante infiel" – metáfora que ilustra a expectativa tantas vezes traída de que o Brasil se consolidaria como uma nação plenamente desenvolvida.
Pobreza moral e crise de confiança
Para compreender por que o país continua a desperdiçar oportunidades é preciso olhar além dos números da economia. O consultor da ONU Jonas Rabinovitch, no artigo Até quando o Brasil continuará sendo um pobre país rico?, afirma que o maior entrave brasileiro não é material, mas moral: “A crescente pobreza moral parece ser a mais preocupante, porque afeta a todos e deixa o país flutuando em incertezas, sem direção definida ou liderança palpável”, avalia.
O especialista lembra que a desconfiança interpessoal agrava esse quadro. Segundo um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2022, apenas um em cada 20 confia em outros brasileiros; a média mundial mostra que uma em cada quatro pessoas tende a confiar em estranhos. “É como se a desconfiança interpessoal fosse cinco vezes maior no Brasil do que no resto do mundo. Essa desconfiança entre as pessoas se reflete nos indicadores econômicos e sociais, afetando a segurança, a produtividade e a inovação”, ressalta Rabinovitch. Como resultado, o que impera no Brasil é uma sociedade marcada pelo ceticismo, pela fragmentação e pela descrença nas instituições. “Resumindo, o Brasil é um pobre país rico onde ninguém confia em ninguém”, lamenta.
Além da crise de valores, há obstáculos estruturais bem conhecidos – e nunca superados. O economista José Pio Martins resgata uma síntese de Roberto Campos, que elencava seis grandes males nacionais que permanecem até hoje acorrentando o país à pobreza e ao atraso: nível educacional muito baixo; sistema político fisiológico e corrupto; leis anticapitalistas e antiempresariais; Estado paquiderme e ineficiente, dominado por grupos arcaicos; baixo investimento em pesquisa, ciência e tecnologia; xenofobia infantil e improdutiva.
Privilégios e ineficiência
Esses fatores, segundo Martins, explicam por que o Brasil não consegue avançar na redução das desigualdades sociais e regionais. Em 2024, o país figurava como a nação mais desigual entre 56 analisadas pelo chamado coeficiente de Gini, usado para avaliar os níveis de desigualdade. Tal disparidade se reflete em todos os níveis.
Enquanto mais de um terço da população sobrevive com menos de um salário mínimo por mês, elites do setor público – como os do Judiciário – acumulam privilégios salariais e benefícios que rompem o teto constitucional. “O país mergulhou em um poço de privilégios e impunidade, onde verdadeiras castas [são] cada vez mais bem remuneradas graças a penduricalhos que furam o teto remuneratório constitucional”, resume Samuel Hanan.
Estado ineficiente
A máquina estatal é outro obstáculo. O gasto com funcionalismo equivale a 12,8% do PIB – 30% acima da média dos países da OCDE. A corrupção custa ao Brasil algo entre R$ 240 bilhões e R$ 273 bilhões por ano, enquanto o país caiu para a 107ª posição no Índice de Percepção da Corrupção em 2024.
A educação, por sua vez, permanece em estado crítico. O Brasil ocupa a 49ª posição entre 81 países da OCDE. Dois terços dos jovens brasileiros não atingem sequer o nível básico para o mercado de trabalho. Ainda que permaneça sendo um dos temas sempre evocados por políticos de todas as matizes ideológicas, os governos em geral têm se mostrado pouco hábeis em fazer da educação uma prioridade – e isso traz consequências brutais para o país. Hanan alerta que, infelizmente, “há pouca esperança para as próximas gerações porque o futuro está comprometido em razão de políticas que já se mostram desastrosas”.
Ele lembra os dados do estudo Atlas da Mobilidade Social, elaborado com base nos dados do IBGE, Receita Federal e Cadastro Único, que mostram que apenas 1,8% das crianças pertencentes às famílias incluídas entre as 50% mais pobres do país têm chance de obter ascensão social e, quando adultas, se colocarem entre os 10% mais ricos – ainda que, no Brasil, estar nesse patamar signifique ter renda de R$ 8.034,00/mês, pouco mais de cinco salários mínimos. A mesma pesquisa aponta que dois terços (66,6%) dessas crianças provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres na fase adulta.
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Ainda há esperança?
Apesar dos indicadores dramáticos – como os no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – a esperança para o futuro do Brasil reside na possibilidade de transformação e na consciência de seus cidadãos. O Brasil é um país plural, e os articulistas expressam um desejo profundo de que “as transformações necessárias vençam”. Para isso, ressaltam, o papel da sociedade é fundamental. Cabe à população, à maioria que defende a dignidade humana, a ética e a honestidade, exigir um governo focado em redução de privilégios, combate à corrupção e implementação de políticas públicas eficientes.
Diante de um modelo de governo personalista e de instituições capturadas por interesses, é preciso uma correção de rota urgente. Para Hanan, isso passa pelo combate implacável à corrupção, pelo fim dos privilégios, pela redução do gigantismo estatal e pela busca de maior produtividade.
Entre as propostas estruturais, destaca-se o fim da reeleição para cargos do Executivo – medida que, segundo ele, reduziria o vício do governante em administrar de olho apenas na perpetuação do poder. Outro ponto crucial é o planejamento de longo prazo, algo ausente na política brasileira. Para ele, é fundamental que o Brasil seja repensado, com os olhos voltados “para a realidade nua e crua dos brasileiros de todas as regiões”. Isso exige “capacidade para gerenciar, firmeza para a tomada de decisões, inteligência para definir um plano de ações a longo e médio prazo, e coragem para executá-lo”.
Rabinovitch acrescenta um fator essencial: a renovação ética e política. Para ele, somente uma população consciente poderá eleger líderes responsáveis, comprometidos com reformas em áreas-chave como educação, responsabilidade fiscal, liberdade econômica e dignidade humana. “A população se conscientiza, o Brasil elege políticos responsáveis e um presidente ético, transparente, avesso a escândalos de corrupção, humilde perante Deus, promotor de reformas que facilitem educação, responsabilidade fiscal, liberdade individual, um mercado livre vibrante e dignidade humana”, finaliza.



