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Até 2050, a população com mais de 60 anos quase dobrará em relação a 2015
Até 2050, a população com mais de 60 anos quase dobrará em relação a 2015| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/simonwijers-2132078/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=984031">Simon Wijers</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=984031">Pixabay</a>

Já não somos mais tão jovens. Não se trata de figura de linguagem, é um fato comprovado estatisticamente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 2015 e 2050 a população com mais de 60 anos em todo o mundo quase dobrará, passando de 12% para 22%. Mais do que isso: o ritmo de envelhecimento está aumentando drasticamente. A OMS considera um país envelhecido quando 14% de sua população tem mais de 65 anos. Na França, por exemplo, esse processo levou 115 anos. No Brasil, a previsão é de que isso aconteça em duas décadas. Devemos ser considerados um país velho em 2032, quando 32,5 milhões dos mais de 226 milhões de brasileiros terão 65 anos ou mais.

O envelhecimento populacional traz consigo uma conclusão positiva: estamos vivendo mais. A OMS calcula que em 2050 haverá 434 milhões de pessoas com 80 anos ou mais, contra 125 milhões atuais. Se para as pessoas o fato de viver mais indica uma melhoria na qualidade de vida, para os governos isso está se tornando um grande problema. É o que alerta o jornalista e professor Jorge Félix, um dos principais especialistas do país em envelhecimento e longevidade. Em seu livro mais recente, Economia da Longevidade – o envelhecimento populacional muito além da previdência, ele sustenta que o envelhecimento está redefinindo a geopolítica mundial.

“A economia capitalista demorou muito para aceitar a infância e, agora, se vê diante da velhice, que ela também nunca aceitou. A longevidade, portanto, é uma grande vitória da Modernidade, mas se tornou um fator perturbador do capitalismo”, afirma Jorge Félix. Para o pesquisador, os países têm atualmente o desafio de lidar com a economia da longevidade, ou seja, buscar soluções para conseguir sustentar uma população mais velha. É o que ele classifica como “corrida populacional”. “Em resumo, está em jogo quem vai pagar pelo envelhecimento de quem?”, explica em entrevista à Gazeta do Povo. Spoiler: a situação do Brasil nesse cenário não é nada confortável.

O sr. afirma que o envelhecimento populacional está construindo uma nova geopolítica. De que maneira isso acontece?

O envelhecimento populacional é um fenômeno que demanda mais da economia das sociedades. O mundo inteiro está envelhecendo a ritmos diferentes. No entanto, o que tento demonstrar no livro é que o ponto fundamental é o modelo econômico do século XXI, onde a dinâmica demográfica aparece como um fator inédito. Que modelo é esse? O modelo que eu denomino "capitalismo de desconstrução", uma vez que a política neoliberal adotada a partir dos anos 1970 em quase todo o planeta impõe uma austeridade fiscal fazendo reduzir o papel do Estado, reduzindo o patrimônio social dos trabalhadores, mercantilizando a saúde, a educação e desconstruindo, portanto, o Estado do Bem-Estar Social do pós-guerra. Porém, nos países onde o Estado do Bem-Estar Social prevaleceu, a população não aceita – como estamos vendo nas ruas da França, da Itália... – essa desconstrução pacificamente. O eleitor passa a exigir a continuação de um mínimo que seja dessa rede de proteção. Como ela foi muito ampla, como apresento no livro, os países ricos precisam ir em busca de novas fontes de seu financiamento e isso se dá impondo a suas ex-colônias – que no passado pagaram pela construção dessa rede de proteção – novas formas de exploração. Além dos recursos naturais, do petróleo, principalmente, entra em cena a fonte financeira, que se dá por meio de privatização de sistemas de previdência, por exemplo. Mas também vemos a repercussão da demografia na imigração, no comércio mundial e no meio ambiente. Em resumo, está em jogo quem vai pagar pelo envelhecimento de quem? É por isso que o envelhecimento populacional, como um fenômeno inédito na história, forja uma nova geopolítica.

O sr. fala também em uma “corrida populacional”, uma disputa sobre quem vai pagar pelo envelhecimento de quem. Quais países estão na frente nessa corrida?

Os países de sempre, os países ricos. Eles também estão pressionados, como disse anteriormente, mas têm mais condições de explorar outras partes do planeta. Seja pelos recursos naturais, seja na esfera financeira, por meio de mercado de títulos das dívidas, seja mesmo pelos produtos e serviços que serão demandados por uma sociedade envelhecida. Nela, as famílias têm menos filhos e mais idosos, portanto, mudam sua cesta de consumo. Como esses países ricos garantiram, por meio da construção de campeões nacionais, uma sofisticação produtiva, ou seja, produtos tecnológicos, eles venderão mais. Isso porque as famílias demandarão mais produtos tecnológicos para cuidar de seus velhos. A teleassistência, a robótica, a tecnologia aplicada a diversos setores são a base da nova política industrial suscitada pelo envelhecimento populacional. É a economia da longevidade.

Qual a situação do Brasil nesse cenário?

A situação do Brasil nesse cenário é terrível. Não tivemos propriamente um Estado do Bem-Estar Social, não temos um avanço tecnológico no estado da arte do mundo, não temos investimento em pesquisa e desenvolvimento e, agora, política industrial virou palavrão. Jogamos fora o bebê junto com a água suja. Mas os outros países não estão fazendo isso. Estão sendo pressionados, muito pressionados, mas paralelamente conseguem manter suas estratégias industriais e sua sofisticação produtiva. Portanto, se hoje a nossa balança comercial da saúde já é negativa, a nossa balança comercial de produtos relacionados aos cuidados será ainda mais negativa no futuro próximo. Nós iremos, mais uma vez, consumir produtos importados e assistir ao famoso vazamento do PIB.

O que poder público e iniciativa privada precisam fazer para enfrentar as consequências dessa corrida?

Precisa emular o que os países ricos estão fazendo com as adaptações de praxe para a nossa realidade. Os países que hoje estão mais à frente na economia da longevidade, como os escandinavos, o Japão, parte da Europa, Canadá e mesmo os Estados Unidos, investem em pesquisa e desenvolvimento na área da longevidade e estão já exportando esses bens, serviços e expertise para o mundo. Ou seja, estão vendo o envelhecimento também como uma fonte de geração de riqueza e não apenas como custo. Essa mudança de percepção é o ponto que eu procuro destacar no livro.

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Serviço

Economia da Longevidade – o envelhecimento populacional muito além da previdência, Jorge Félix, Editora 106, 190 páginas

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