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Javier Milei: “filosoficamente” anarco-capitalista mas, “na vida real”, um adepto do minarquismo
Javier Milei: “filosoficamente” anarco-capitalista mas, “na vida real”, um adepto do minarquismo| Foto: EFE/ Gala Abramovich

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, tem sido classificado por parte da imprensa como um político de “extrema-direita”. Mas ele costuma definir a si mesmo de outra forma: como um minarquista.

Dono de um penteado peculiar e de um vocabulário despudorado, Milei (líder da coalização A Liberdade Avança) obteve cerca de 55,7% dos votos e superou o esquerdista Sergio Massa na etapa final da eleição, no domingo (19).

Agora, ele tem três desafios diante de sim. O primeiro é se desvincular do rótulo de "extremista" atribuído a si pelos adversários e alguns jornalistas. O segundo é mostrar que as ideias minarquistas são viáveis. O terceiro é explicar o que é minarquismo.

Surpresa em três etapas

As regras da eleição presidencial argentina são tão confusas quanto a do campeonato argentino de futebol, mas o resumo é este: antes da eleição final, os postulantes à presidência devem passar por uma espécie de pré-eleição. Nessa etapa, a mesma coalização pode ter mais de um candidato. As coalizões que somarem mais de 1,5% dos votos enviam o seu candidato mais votado para a fase final (que, por sua vez, tem um sistema de primeiro e segundo turnos).

Na pré-eleição (as “primárias”) de 13 de agosto, Milei ficou em primeiro lugar entre 27 candidatos, com 30% dos votos. “Surpresa”, estampou o jornal Clarín, em sua edição do dia seguinte. “Mais do que uma eleição, foi um terremoto", lia-se na primeira página do La Nacion.

Outros quatro candidatos ultrapassaram a marca necessária para chegar às eleições gerais de 22 de outubro. Nelas, Milei e Massa obtiveram os maiores percentuais e se qualificaram para disputar a etapa final em 19 de novembro.

Acostumados aos movimentos pendulares entre a esquerda autoritária e a direita populista, alguns especialistas se apressaram em colocar o pouco conhecido Milei no mesmo balaio de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Mas Milei é minarquista — como ele mesmo costuma se definir sempre que é tachado de “conservador” ou algo que o valha.

O que é um minarquista

Um minarquista, é literalmente, alguém que quer o Estado mínimo. E, por mínimo entenda-se: o governo deve se encarregar apenas de prover policiais e juízes que retirem do convívio social quem quer que atente contra a vida ou a propriedade de outro indivíduo.

Fora isso, cada um toma conta da própria vida. Não há Ministério da Saúde, Ministério da Educação e muito menos Ministério do Desenvolvimento Social.

O minarquismo costuma ser definido como um sub-tipo do libertarianismo, uma corrente filosófica que defende a primazia do indivíduo sobre o Estado.

Os três tipos de libertários

Em uma entrevista dada dois anos atrás, Milei (que é mestre em Economia e professor universitário) explicou o que entende serem os três tipos de libertários: os libertários clássicos, os minarquistas e os anarco-capitalistas.

O primeiro grupo incluiria figuras que podem ser simplesmente descritas como liberais, como Milton Friedman e Adam Smith (e Paulo Guedes). Este grupo defende um Estado que respeite a propriedade privada e que se baseie na liberdade econômica — mas que, em algumas circunstâncias, possa oferecer mais do que apenas policiais e juízes.

No outro extremo, está o anarco-capitalismo de figuras como Murray Rothbard. Para esse grupo, o cenário ideal é aquele em que não há poder estatal e todas as relações humanas são regidas por trocas voluntárias de bens e serviços. Desde que haja consentimento entre dois indivíduos adultos, tudo vale. Para ele, os pais (ou quem quer que seja) não têm qualquer responsabilidade legal com outras pessoas a não ser a de não agredi-las e não roubá-las. “Os pais não devem ter uma obrigação legal de alimentar, vestir ou educar seus filhos, já que tais obrigações implicaram em atos positivos impostos aos pais, cerceando os direitos deles”, ele escreveu. Rothbard chegou a dizer que a venda de filhos pelos pais não deveria ser proibida.

Já o minarquismo está entre o primeiro grupo e o segundo. A ideia central é a de que o Estado deve apenas impedir que as pessoas violem a vida e a propriedade de outras pessoas. Isso significa manter a polícia e um sistema de Justiça em funcionamento. Todo o resto (construir estradas, cuidar da educação, oferecer serviços de saúde) ficaria nas mãos do mercado. Dentre os autores mais influentes dessa corrente, estão Ayn Rand e Robert Nozik — influentes no debate público americano na segunda metade do século 20.

"O Estado mínimo é o mais extenso que se pode justificar. Qualquer outro mais amplo viola direitos da pessoa", escreve Nozik em seu livro 'Anarquia, Estado e Utopia'. Assistência social com dinheiro público? Nem pensar. “O Estado não pode usar sua máquina coercitiva para obrigar certos cidadãos a ajudarem a outros", diz Nozik.

Sobre Rand, basta dizer que ela é autora de um livro intitulado 'A Virtude do Egoísmo' e que e que ela defendia, em vez de impostos, um sistema de financiamento voluntário do governo. "O princípio do financiamento voluntário do governo considera-o como um servo, não um soberano dos cidadãos — como um agente que deve ser pago por seus serviços, não como um benfeitor cujos serviços são gratuitos”, escreveu Rand.

Na entrevista de 2021, Milei afirmou ser “filosoficamente” anarco-capitalista mas, “na vida real”, um minarquista.

Minarquista contra o aborto

Como boa parte dos minarquistas, Milei jé um defensor do direito ao porte de armas. Ele também já se declarou a favor da legalização das drogas, com uma ressalva: que os usuários paguem plenamente pelas consequências financeiras de seus atos. “Se existe um estado de bem-estar social, você se droga e eu tenho que pagar a conta, a coisa muda", ele afirmou, também em 2021.

Católico com um interesse profundo pelo judaísmo, o novo presidente também é contra o aborto e tem dado declarações críticas à ideologia de gênero. Ele promete abolir o Ministério da Educação, o Banco Central e resumir o governo a oito ministérios (número que Nozik e Rand certamente classificariam como excessivo).

Por exigir mudanças profundas na estrutura do governo, o minarquismo raramente esteve perto de ser colocado em prática. E é pouco plausível que Milei consiga implementar o Estado mínimo defendido pelos minarquistas. Na Argentina, mergulhada em décadas de populismo econômico que destruíram a economia do país, o apoio massivo a Milei parece mais um sintoma de insatisfação popular do que uma adesão consciente às ideias de Robert Nozik e Ayn Rand.

A posse presidencial está marcada para 10 de dezembro. Só depois disso é que será possível saber, na prática, o que faz um presidente minarquista.

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