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A medicina deveria se manter afastada de ideologia
A medicina deveria se manter afastada de ideologia| Foto:

A CNN é progressista até o tutano, mas desta vez foi inocente. Despertou alguma fúria ao anunciar no Twitter que “Indivíduos com cérvix uterina têm recomendação para fazer exames preventivos dos 25 até os 65 anos, com testagem para HPV a cada cinco anos, de acordo com as novas diretrizes divulgadas pela Sociedade Americana de Cancerologia.” Cérvix uterina é o mesmo que colo do útero, câncer cervical é câncer do colo do útero, e indivíduos humanos com colo do útero são popularmente conhecidos como… mulheres!

Antes que queiramos discutir transexualidade, vale notar que a linguagem comum conta com um grau de sagacidade dos falantes, que não tomam tudo tintim por tintim ao pé da letra. Afinal, quando dizemos que o homem é bípede, não queremos dizer que o Capitão Gancho é uma cacatua. Outrossim, quando dizemos “as mulheres menstruam”, não entendemos que quem toma pílula deixou de ser mulher, nem que sexagenárias são homens.

Não significa sequer que tenhamos conhecimento, quanto mais opinião formada, acerca de gente cujo genótipo é XY, mas teve anomalias congênitas que causaram o desenvolvimento de fenótipos femininos, e só pôde descobrir que havia algo de errado na adolescência. Logo, interpretar afirmações relativas a útero, menstruação e quejandos como essencialmente transfóbicas é caçar pelo em casca de ovo.

O leitor que porventura acompanhe o Festival de Besteiras que Assolam o Mundo Anglófono (FEBEAMÁ) terá visto a curiosa celeuma que rondou J. K. Rowling. A mulher foi tachada de transfóbica por dizer que a expressão “pessoas com útero” poderia ser substituída por “mulheres”. Ou seja: a CNN teria aderido ao politicamente correto, e essa seria a razão de ela escrever “indivíduos com cérvix uterina” (o que há de incluir várias mamíferas, já que não se especificou a espécie do indivíduo) porque presumir que mulheres tenham cérvix uterina, ou que quem tem cérvix uterina é mulher, é transfóbico.

E nós com isso? O máximo que nos aconteceu foi o povo ficar batendo boca na internet por causa da propaganda da Natura, que envolve um transexual. Não obstante, a CNN é inocente nessa, porque a própria sociedade médica usa desse vocabulário, e faz a sua advertência aos “indivíduos com colo do útero”. Ou seja, a CNN seguiu a “Voz da Ciência” gringa. Como os sabichões do Brasil são mestres em importar bobagens e tomar conta de entidades de classe, é bom que os médicos brasileiros fiquem de olho!

Clareza é uma questão importante na medicina, e pode salvar vidas. Suponhamos que, em nome do combate à transfobia e do politicamente correto, paremos de falar “mulheres” e passemos a falar “pessoas com útero”. Qual seria o impacto disso?

Ora, existem muitas mulheres que fazem histerectomia por razões médicas. Não é uma cirurgia rara, e mulheres de qualquer grau de escolaridade fazem.

A médica Andrea Calmon Teixeira trabalhou por muitos anos no Ceparh, um hospital ginecológico filantrópico de Salvador. Ela esclarece que é possível ter câncer do colo do útero, mesmo que se tenha feito uma histerectomia. Basta que a histerectomia tenha sido “subtotal”, ou seja, que tenha retirado o corpo do útero e mantido o colo do útero. A paciente nem sempre entende que seu útero não foi totalmente retirado, e diz ao médico que não tem útero, porque acredita nisso.

Medicina deveria se manter afastada de ideologia. Não seria mais razoável dizer aos transexuais masculinos que eles sempre irão à ginecologista, e aos transexuais femininos que eles sempre irão ao urologista?

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