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Papa Francisco celebrou Missa do Domingo de Ramos na Basílica de São Pedro, no Vaticano
Papa Francisco celebrou Missa do Domingo de Ramos na Basílica de São Pedro, no Vaticano| Foto: EFE/EPA/CLAUDIO PERI

As recentes declarações do papa Francisco sobre Lula e Dilma, em uma entrevista à TV, expuseram uma verdade que em nada abala a Igreja Católica e os seus membros: o sumo pontífice erra, como qualquer outro homem. Embora o dogma da infalibilidade papal esteja sendo evocado pela esquerda para tentar elevar à categoria de verdade absoluta a opinião de Francisco (de que Lula foi condenado sem provas e de que Dilma é “uma mulher de mãos limpas”), o papa não é infalível em assuntos políticos. O que ele diz nessa seara, portanto, não tem caráter de “voz da Igreja” e não serve como diretriz para o povo católico.

O que é a infalibilidade papal? 

Em 1870, o papa Pio IX instituiu o dogma da infalibilidade papal, na constituição dogmática Pastor Aeternus, fruto do Concílio Vaticano I. De acordo com o documento, o papa goza de infalibilidade “quando fala ex cathedra, isto é, quando exerce o seu supremo ofício de Pastor e Doutor de todos os cristãos”. Para um pronunciamento ser infalível, portanto, o papa precisa falar sobre um ponto de fé e moral, destinar-se aos homens do mundo inteiro, em nome e com a autoridade dos apóstolos e com o propósito de vincular todos os membros da Igreja a acatar sua decisão.

Mestre em filosofia e colunista da Gazeta do Povo, o professor Francisco Razzo recorda que, para a fé católica, o papa é instituído pelo próprio Cristo e dele recebe uma graça para a condução da Igreja. Por isso, quando determina algo “não fala como uma pessoa de CPF, mas como vigário de Cristo”. Daí advém o caráter imutável das definições papais em situações de ordem magisterial, “que dizem respeito à doutrina da Igreja, como, por exemplo, não permitir que mulher seja sacerdote”.

O cardeal inglês Henry Newman, canonizado por Francisco em 2019, acentua em um texto sobre o tema que outra condição para a infalibilidade é “referir-se a coisas necessárias para a salvação”. “Seus preceitos, para serem dogmáticos, devem prescrever o que é necessário para a salvação e devem ser necessários para todos os homens. Consequentemente, as ordens que emanam dele [papa] para a observância de determinados países, ou classes políticas ou religiosas, não têm a pretensão de serem declarações de sua infalibilidade. Se ele impõe à hierarquia da Irlanda resistir à educação mista, isso não é exercício de sua infalibilidade”, exemplifica.

O papa erra? 

A infalibilidade não significa que o papa não pode mais errar, tanto que ele também peca e se confessa a um sacerdote, como os demais fiéis católicos. “Ele não pode enganar-se em questões de fé e de moral, mas pode enganar-se na sua própria vida moral. As fraquezas da natureza humana subsistem no papa, ele também pode cometer pecados e — ai! — a história narra tristes quedas morais relativamente a alguns”, recorda o bispo húngaro Tihamér Tóth, no livro A Igreja Católica (José Olympio, 1942). “Nós não fazemos, pois, do papa ‘um ente sobrenatural’; o papa não deixa de ser ‘um homem mortal, frágil e suscetível de cair’, apesar do que cremos e confessamos a seu respeito”, completa.

Uma vez que Deus não conferiu ao papa o carisma de “jamais se equivocar em seus juízos pessoais”, o colunista da Gazeta do Povo Marcio Antonio Campos conclui que o erro do papa acerca do impeachment de Dilma “não muda muita coisa”. “O papa é um líder religioso. O que ele diz sobre o Lula é uma opinião política, pessoal, dele, que não obriga nenhum católico a nada e tem tanto valor intrínseco quanto as opiniões políticas de um esportista ou de um artista”, explica. “Se Deus não protege o papa nem mesmo de decisões erradas no governo da Igreja (por exemplo, ele pode fazer nomeações equivocadas), muito menos vai impedi-lo de dizer alguma besteira sobre qualquer outro assunto”, acrescenta.

“Quando dá uma opinião equivocada sobre política, ele está dando uma mera opinião e pode obviamente errar, não há nenhum problema nisso”, pondera Francisco Razzo. Ele acentua, no entanto, que isso não afeta o “dom dado a ele para ser servo de Deus e defender o Magistério Sagrado”. “O papa não conduz a Igreja a erro, porque está amparado pelo Magistério. Não é uma questão de mérito humano, de papa Francisco, de papa Ratzinger, de papa João Paulo II. Claro que cada um tem sua personalidade, mas é preciso pensar nele como um vigário de Cristo.”

Consequências 

Além de liderar a Igreja Católica, o papa é o chefe de Estado da cidade do Vaticano. Como tal, suas opiniões sobre temas puramente seculares de outros países (e não sobre assuntos como defesa da vida, aborto e liberdade religiosa, por exemplo) podem estar baseadas no que lhe é dito por assessores ou em fontes de informações equivocadas e enviesadas.

Na opinião de Campos, entre as consequências desse tipo de fala está o risco de erosão da autoridade moral de Francisco. “Se o papa diz uma coisa dessas sobre pessoas cujos atos estão fartamente documentados, fechando os olhos para coisas tão evidentes, como garantir que ele não esteja falando bobagens quando se pronunciar sobre diversos outros assuntos semelhantes? Como ele vai pretender que os brasileiros – especialmente os não católicos – lhe deem ouvidos?”, exemplifica.

Para Razzo, como chefe de Estado o papa “está sujeito a se equivocar ideologicamente”, e “quem o corrigir tem que fazer isso dentro das expressões limitadas pelo bom senso e a maneira ética do debate democratico”. “As pessoas precisam respeitá-lo, porque ele é o papa e é merecedor de um respeito. Ele é um chefe de Estado e dá declarações sobre isso. O que não pode é transformar suas opiniões em um programa de doutrina da Igreja, isso não acontece. A Igreja é balizada por uma série de rituais e formalizações, e o papa as respeita”, diz.

Reação dos católicos 

Razzo defende que as pessoas que chamam o papa de comunista, uma ideologia incompatível com a fé católica, também “falam de uma perspectiva ideológica, para fazer uma correção sobre algo que não diz respeito a elas”. “Discordo de alguns posicionamentos, mas ele merece o respeito. O papa é católico. Talvez Bergoglio, que também não tem nada de comunista, possa ter algum tipo de afinidade, um perfil de uma compreensão mais ligada a uma fé cuja vida dos pobres, a questão social e ambiental é mais forte, mas ele é um papa católico por definição. Se houver algo que deponha contra sua própria sede, aquilo que o faz ser papa, quem tem que rever isso são os bispos que o acompanham. Os católicos devem respeitar o papa por ele ser papa, acima de tudo”, defende.

Marcio Campos concorda que, como figura paterna dos católicos, o papa merece deles respeito, amor e oração. “Você não deixa de amar seu pai porque ele ‘faz o L’, ou porque tenha ideias equivocadas sobre o que quer que seja, ou porque faça besteiras de vez em quando. Ama-se e respeita-se o papa pelo que ele é, não se condiciona esse amor e respeito ao que ele pensa ou ao que faz – e acreditem, a história da Igreja tem lá seu punhadinho de papas que pensaram e fizeram sua boa cota de horrores”, afirma.

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