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David Betz não fala em metáforas. O professor de Guerra no Mundo Moderno no Departamento de Estudos de Guerra do King’s College London lançou nos últimos anos uma série de artigos acadêmicos e entrevistas nos quais descreve, passo a passo, a sua tese: o Ocidente (especialmente países da Europa Ocidental e os Estados Unidos) reúne hoje condições reais para a eclosão de conflitos violentos. Esses conflitos, embora não se pareçam com guerras tradicionais do passado, atenderiam à definição prática de uma guerra civil.
Betz, que é doutor na área de relações civis-militares pela universidade de Glasgow, na Escócia, e leciona há mais de duas décadas sobre o assunto, está convencido de que as condições para um conflito aberto estão postas.
“Estou pessoalmente convencido da inevitabilidade de uma guerra civil declarada, ativa e em larga escala na América do Norte e na Europa Ocidental”, explicou Betz na Military Strategy Magazine. Em outro trecho, reforça: “não há nada que possa ser feito a respeito”. A convicção do professor baseia-se em indicadores reconhecidos por estudiosos de conflitos internos.
Condições estruturais que favorecem a instabilidade
De acordo com Betz, a literatura acadêmica mostra que guerras civis costumam emergir de sociedades que apresentam uma combinação específica de fatores. Ele identifica a fragmentação cultural e identitária, visível em divisões étnicas, religiosas e ideológicas cada vez mais profundas. Segundo ele, a perda de uma identidade comum, aliada à ascensão de políticas centradas em grupos específicos, intensifica essa fragmentação e torna as sociedades mais vulneráveis a conflitos internos.
Acrescenta-se a esse quadro o declínio econômico e a desigualdade social, expressos em crises de renda, altos custos de vida e precarização de serviços públicos. Outro elemento relevante, em sua avaliação, é a perda de legitimidade institucional, visível na crescente desconfiança em relação a elites políticas e partidos tradicionais.
Finalmente, ele destaca a percepção de exclusão social, em especial o sentimento de “rebaixamento” de grupos que antes ocupavam posições dominantes. No artigo O Futuro da Guerra é a Guerra Civil (MDPI), Betz sublinha que narrativas de identidade, quando associadas à percepção de perda de status, se transformam em combustível para mobilização violenta.
O colapso da confiança nas instituições
Um dos conceitos abordados por Betz em uma entrevista realizada em abril deste ano ao Podcast Brussels Signal, é a chamada "lacuna de expectativa" (expectation gap). Na sua visão, refere-se ao colapso de promessas fundamentais que sustentaram o projeto ocidental por gerações.
A mais básica delas era a crença de que os filhos seriam mais prósperos que os pais. Betz detalha que essa promessa foi revertida em quase todos os aspectos: os jovens ganham menos, têm menos poupanças, menor expectativa de aposentadoria e até mesmo saúde em declínio e menor esperança de vida do que a geração anterior.
Essa lacuna também é política. Havia uma expectativa de que votar importava. No entanto, segundo Betz, a crença mais comum no Ocidente hoje, transcendendo esquerda e direita, é que "votar não importa" porque não muda fundamentalmente as coisas. Ele sustenta que esta não é apenas uma percepção, mas um fato demonstrado por pesquisas: quando há um conflito entre os desejos da elite e as atitudes populares, "as elites sempre conseguem o que querem".
Esta realidade, segundo ele, é "extremamente perigosa", pois cria uma vasta reserva de energia política latente, composta por pessoas convencidas de que o sistema é corrupto e que aguardam alguém que as convença de que podem mudá-lo, não importando o custo.
Ataques à infraestrutura das cidades
Ainda durante a entrevista no Brussels Signal, ele prevê que a guerra civil não começará com exércitos em campo, mas com uma fase inicial de "guerra suja", semelhante aos "The Troubles" da Irlanda do Norte, marcada por ataques a figuras públicas e atentados.
A escalada, no entanto, viria de uma tática de ataques à infraestrutura crítica, mas vulnerável, localizada fora das cidades. Alvos como a rede elétrica, de comunicações, de transporte e de distribuição de gás seriam atacados para tornar a vida urbana insuportável.

Imagine, sugere Betz, tumultos urbanos dez ou vinte vezes maiores que os de Londres em 2011, mas ocorrendo a cada duas semanas durante o inverno, com o poder e o gás cortados. As pessoas estariam no escuro, com frio, com fome e sem trabalho.
Este cenário forçaria um êxodo em massa das cidades. As populações deslocadas, tendo perdido tudo, teriam "custos de oportunidade rebaixados" e um ressentimento específico, tornando-se muito mais fáceis de serem recrutadas para a violência.
É nesse ponto, segundo o académico, que o processo de colapso passaria do "ponto de inflexão", tornando-se uma espiral de violência que se autoalimenta e é quase impossível parar. Questionado no Brussels Signal diretamente se já passamos desse ponto, Betz respondeu afirmativamente: "Sim, eu acho que sim".
Probabilidade estatística de uma guerra civil
Baseando-se em modelos quantitativos consolidados na literatura sobre conflitos, Betz cita uma estimativa de 4% ao ano de chance de guerra civil em países que apresentam as condições de risco. Em cinco anos, esse percentual se traduz em aproximadamente 18,5% de probabilidade.
Ao considerar uma dezena de países ocidentais sob as mesmas circunstâncias, ele conclui que a chance de ao menos um deles enfrentar um conflito civil no período chega a 87%, conforme publicado em A Guerra Civil Chega ao Ocidente, Parte II: Realidades Estratégicas.
Como seria a guerra civil no Ocidente
Betz descreve um cenário de violência difusa, marcado por ataques a infraestruturas críticas, como sistemas de energia, transporte e comunicações, além de violência política localizada e confrontos comunitários.
Mas outros métodos também pode ser usados. Ele destaca uso híbrido de armas convencionais e improvisadas, a prática da sabotagem e a possibilidade de que cidades inteiras se transformem em zonas de instabilidade. Em A Guerra Civil Chega ao Ocidente, enfatiza que o conflito futuro no Ocidente se assemelharia muito mais a insurgências urbanas do que a guerras interestatais clássicas.
Embora reconheça que o risco seja generalizado, Betz identifica o Reino Unido e a França como os países mais propensos a vivenciar cenários de instabilidade em primeiro lugar. Essa vulnerabilidade decorre da combinação entre tensões urbanas mais intensas, crise econômica prolongada e erosão da confiança institucional. Entretanto, ele menciona que Estados Unidos, Alemanha e outros países europeus também exibem sinais semelhantes.
A crítica à falta de preparo institucional
Betz chama a atenção para o fato de que governos e forças armadas continuam a planejar cenários de guerra convencionais contra inimigos externos, negligenciando a ameaça mais palpável da desintegração social interna.
Em sua avaliação, as medidas políticas e econômicas atuais não são suficientes para mitigar esse risco. No artigo O Futuro da Guerra é a Guerra Civil, observa que a vulnerabilidade das infraestruturas urbanas e a ausência de mecanismos eficazes de resposta rápida aumentam o potencial de colapso funcional.
Em conclusão, David Betz alerta: a maior ameaça ao Ocidente não vem de inimigos externos, mas de sua própria instabilidade interna. Como afirmou na Military Strategy Magazine: “A maior ameaça à segurança e à prosperidade do Ocidente hoje emana de sua própria grave instabilidade social”.





