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Dados apontam que Rússia tem um milhão a menos de habitantes do que em 1999.
Dados apontam que Rússia tem um milhão a menos de habitantes do que em 1999.| Foto: Aaron Burden/Unsplash

O presidente russo, Vladimir Putin, tornou a questão demográfica uma de suas prioridades. Como ele afirmou em seu discurso à nação, em 2020: "O destino da Rússia e suas perspectivas históricas dependem de uma coisa: quantos somos e quantos seremos".

No entanto, nem mesmo as anexações conseguiram mitigar a queda da população, uma questão que preocupa tanto o Kremlin que muitas vezes o governo se mostrou relutante em fornecer dados oficiais.

Na verdade, especialistas questionam as estimativas oferecidas pelo Rosstat, o serviço estatal de estatísticas, que estima a população russa em 146,4 milhões de pessoas (incluindo os 2,5 milhões de habitantes da Crimeia). A imprensa ligada ao regime oferece estimativas ainda mais fantasiosas: de acordo com o jornal francês Le Monde, o Komsomólskaya Pravda, um dos jornais mais difundidos no país, calcula a população em 154 milhões, contando as regiões ucranianas ocupadas (Donets e Luganks) e atribuindo-lhes números exagerados de habitantes.

O suposto aumento populacional em um ano (quase um milhão a mais de pessoas, segundo o Rosstat) não pode ser atribuído à variação natural (nascimentos menos mortes), que foi negativa em 2022: menos 594 mil. No ano passado, os nascimentos diminuíram 6,7%, atingindo o nível mais baixo registrado desde 2001, em termos absolutos (1,3 milhão) e relativos (8,9 por mil habitantes). Os últimos dados provisórios estimam 3% a menos de nascimentos no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2022.

De qualquer forma, os dados oficiais apontam um milhão a menos de habitantes do que em 1999, quando Putin começou a governar como primeiro-ministro, antes de se tornar presidente no ano seguinte, após a renúncia de Boris Yeltsin.

O Rosstat tentou mascarar o declínio na taxa de natalidade destacando a melhora substancial na expectativa de vida, mas a queda se junta a outros fenômenos demográficos preocupantes.

Entre esses fatores, de acordo com os especialistas, está o impacto do conflito com a Ucrânia. Embora não haja dados oficiais publicados desde setembro de 2022 sobre o número de baixas, e os cálculos sejam incertos (variando entre 40 mil, com base em obituários publicados, e 120 mil, estimados pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos), é sabido que a guerra, na qual homens e mulheres em idade fértil participam, tem um impacto negativo nas taxas de natalidade.

Mais de 800 mil russos deixaram o país devido à guerra com a Ucrânia

Também é motivo de preocupação o número de russos que optam por deixar o país. De acordo com dados coletados pelo Re:Russia, um instituto de estudos e análises locais, entre 800 mil e 900 mil cidadãos deixaram o país devido ao conflito com a Ucrânia – em sua maioria, profissionais qualificados. Essa migração é tão intensa que tem sido comparada à que a Rússia experimentou após a ascensão ao poder dos bolcheviques, no início do século XX, e medidas têm sido estudadas para sancionar as pessoas que cruzaram as fronteiras.

Antes da guerra, as saídas eram amplamente compensadas pela entrada de estrangeiros. Para combater a queda na taxa de natalidade, o governo de Putin facilitou as leis de imigração: agora é suficiente ser contratado por uma empresa russa para obter um visto profissional indefinido, e a cidadania é concedida após cinco anos de trabalho legal e a aprovação em um exame de idioma.

Mas não se sabe ao certo se o saldo migratório continua positivo. De acordo com dados oficiais, na metade do ano passado existiam quase 6 milhões de residentes estrangeiros na Rússia, cerca de 330 mil a mais do que em 2021 (porém muito menos do que os 10,13 milhões registrados em 2019). Quase todos (91%) são originários das antigas repúblicas soviéticas. Um dos objetivos da atual aproximação política com a Coreia do Norte é justamente atrair mão de obra desse país.

França: menos crianças e pais mais velhos

A oeste da Rússia também se nota uma diminuição na taxa de natalidade, especialmente na Itália, Alemanha e Espanha. Na União Europeia como um todo, estima-se que o número de nascimentos diminuiu 4,9% no ano passado.

Após a queda de 2020, devido à pandemia, e o aumento no ano seguinte, a publicação de dados oficiais revela um novo declínio. O exemplo mais recente é o da França, onde a queda tem sido constante desde 2011, exceto por um único aumento em 2021, que não se manteve.

Segundo um relatório publicado recentemente pelo INSEE, o órgão de estatísticas francês, em 2022 nasceram 726 mil crianças, 2,2% a menos do que no ano anterior. É o número mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial e 20% menor do que a máxima histórica, registrada em 1971.

As estatísticas mostram que a diminuição ocorre principalmente entre as mulheres com menos de 40 anos. O número de partos de mães com idades entre 30 e 34 anos diminuiu 3,6% em relação ao ano anterior – na faixa etária de 25 a 29 anos, a queda foi de 2,7%. No entanto, houve um aumento de 3,3% na taxa de natalidade entre mulheres com mais de 40 anos. Assim, a idade média das mães ao dar à luz aumentou de 30,2 para 31,2 anos na última década.

Esses dados sobre a queda na taxa de natalidade na Europa e na Rússia coincidem com a publicação de uma pesquisa que mostra o apelo das famílias numerosas para os americanos. De acordo com um estudo da Universidade de Chicago, o percentual daqueles que afirmam que o ideal é ter três filhos aumentou nos últimos anos, chegando a 44%.

Por outro lado, a proporção daqueles que preferem dois filhos diminuiu, passando de 62% em 1998 para 51,7% no ano passado. Embora seja difícil, como aponta o colunista Josh Zumbrun no Wall Street Journal, determinar com certeza o que as pessoas têm em mente quando são questionadas sobre o número de filhos que preferem ter (não se sabe ao certo se estão expressando seus desejos pessoais ou o que consideram melhor para a sociedade), está claro que existe uma lacuna entre o tamanho da família que as pessoas preferem e a quantidade real de nascimentos.

Lyman Stone, diretor da Demographic Intelligence, uma consultoria que estuda questões demográficas, enfatiza a importância de considerar as preferências da população ao se discutir as taxas de natalidade. Independentemente de como se interpretem as respostas, é inegável que elas destacam a importância de saber se as políticas públicas estão ajudando as famílias a ter os filhos que desejam ou se estão prejudicando seus objetivos familiares.

Promover políticas que levem em conta essas preferências pode contribuir para aumentar as taxas de natalidade, que em muitas partes do mundo estão muito abaixo do necessário para garantir a reposição populacional.

A baixa taxa de natalidade também é um problema econômico

Quando se debate a questão da natalidade, costuma-se lembrar do que foi apontado por Thomas Malthus e, mais recentemente, por Paul Ehrlich, para quem o controle populacional, diante da escassez de recursos, era uma questão – literalmente – de vida ou morte. No entanto, a escassez de nascimentos pode ser prejudicial para o desenvolvimento. De acordo com o Prêmio Nobel Gary Becker, o crescimento da população promove a especialização, economias de escala e inovação.

No contexto atual, com taxas de natalidade em declínio, é importante considerar o impacto econômico da demografia. No entanto, a análise deve ser feita a longo prazo. Como afirma o economista italiano Matteo Rizzolli, o tamanho da população afeta a demanda interna – estimulando-a, quando há um número suficiente de nascimentos, ou enfraquecendo-a, no caso contrário.

Embora às vezes se argumente que a diminuição da demanda interna pode ser compensada pela externa, é improvável que o declínio na taxa de natalidade seja atenuado de forma significativa. Além disso, o crescimento demográfico representa um problema para o mercado de trabalho: uma população menor implica em menos mão de obra, maiores dificuldades para encontrar pessoal qualificado e, consequentemente, menores níveis de inovação.

Rizzolli também menciona os problemas que a queda na taxa de natalidade apresenta para as finanças públicas. Por um lado, um número menor de crianças reduz os gastos com áreas como educação e subsídios familiares. No entanto, o envelhecimento da população aumenta o custo com saúde e pensões.

Além disso, a infraestrutura (estradas, rede elétrica, sistemas de água) é dimensionada para uma população específica e exige custos fixos de manutenção. Se a população diminuir, será necessário distribuir esses custos entre um número menor de contribuintes, o que aumentará a carga fiscal ou a relação dívida/PIB para manter o mesmo nível de serviços públicos.

Esses fatores, segundo Rizzolli, justificam que o governo se preocupe com a natalidade – uma questão de política pública, independentemente da decisão de ter filhos ser uma questão pessoal.

© 2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: El invierno demográfico es más crudo en Rusia

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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