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“Quando eu não tenho mais pra onde ir / E no meu céu não tem mais estrelas / Aonde foi parar a coragem?”, diz a letra de “Só Rezo” — sucesso de 2009 do grupo NX Zero, expoente do gênero “emo” no país e um dos mais populares entre os adolescentes na década passada.
Apesar de já ser um adulto de 27 anos naquela época, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) revelou que tem ouvido a banda paulista para “manter a tranquilidade”. Desde a última quarta-feira (9), ele faz greve de fome na Câmara em protesto contra o processo de cassação de seu mandato, aprovado pelo Conselho de Ética por 13 votos a 5.
Em 16 de abril de 2024, Braga agrediu fisicamente o influenciador Gabriel Costenaro, à época integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), dentro e fora do Congresso Nacional. O registro em vídeo do episódio traz cenas fortes e não deixa dúvidas: irritado com uma abordagem do militante, o deputado tentou expulsá-lo do Parlamento “na base do pontapé”.
A exemplo de outros membros do MBL, Costenaro costuma fazer perguntas provocativas a políticos de esquerda para depois expor as contradições de seus posicionamentos na internet. No dia da confusão, ele visitou o Congresso com motoristas de aplicativo para debater com parlamentares um projeto de lei que regulamenta o trabalho da categoria.
Os dois se encontraram no Anexo 4, onde rapidamente iniciaram uma discussão. Interpelado em outras ocasiões por Gabriel Costenaro, Glauber Braga já tinha uma estratégia na manga para quando fosse novamente questionado pelo influenciador: jogar no ar que ele responde por violência doméstica contra uma ex-companheira.
Costenaro desmentiu a informação e afirmou ter vencido um processo por difamação relacionado a essa acusação. Em seguida, chamou a mãe do deputado de “corrupta” e “safada”.
Glauber é filho de Saudade Braga (1948-2024), ex-prefeita de Nova Friburgo que em 2012 chegou a ser condenada em primeira instância a dois anos de prisão por crimes de responsabilidade — porém foi absolvida no ano seguinte.
Descontrolado, o parlamentar começou a empurrar o militante para fora do prédio. Já no estacionamento, agrediu Costenaro com chutes, enquanto repetia, aos gritos: “Agora vai ser assim! Vai sair com o pé na b*!”.
No mesmo dia, Glauber Braga postou um vídeo comentando o corrido. Mas disse não ter se arrependido do ataque ao influenciador. “Não vou recuar para fascista do MBL”, afirmou o deputado — que, em meio ao acesso de raiva, também se referiu ao colega Kim Kataguiri (União-SP) como “defensor do nazismo”.
Ainda em abril, o Partido Novo (do qual Gabriel Costenaro é filiado) abriu uma representação contra Braga, por quebra do decoro. Caso não consiga reverter o quadro, e a cassação for aprovada em plenário, o psolista pode ficar inelegível por até oito anos. Sua suplente é a ex-senadora Heloísa Helena (Rede-RJ).
Histórico de confrontos
A despeito do gosto musical, Glauber Braga não tem nada de emo — subcultura cujos adeptos são conhecidos pela ingenuidade, tristeza, romantismo e, como indica o nome, emotividade.
Muito pelo contrário. No mundo político, o deputado federal é associado a adjetivos como “destemperado”, “agressivo”, “arrogante” e “desrespeitoso” (todos já proferidos contra ele por colegas em sessões da Câmara ou entrevistas à imprensa).
Personificação de um modelo de militância agressiva, Braga costuma trocar o debate pelo confronto, a ponto de causar incômodo até em setores da própria esquerda. Não à toa, foi alvo de cinco representações no Conselho de Ética desde sua chegada ao Congresso, em 2009.
Conhecido por criar tensão no plenário, ele tem como marca registrada os insultos que dirige aos opositores. Já chamou, por exemplo, Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara) de “gângster”, o senador Sergio Moro (União-PR) de “juiz ladrão” e o deputado Arthur Lira (PP-AL) de “bandido”.
Em 2023, acusou o parlamentar licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de “sentar no colinho do príncipe saudita”, durante uma discussão sobre as remessas de joias dadas pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente Jair Bolsonaro. No mesmo ano, deu empurrões em Abilio Brunini (PL-MT) para expulsá-lo de uma comissão que tratava da guerra na Faixa de Gaza.
Em outro de seus embates com Arthur Lira, talvez o de maior repercussão, o psolista o criticou por apoiar um projeto lei que permite ao governo vender ações da Petrobras e deixar de ser sócio majoritário da estatal. “É pecado perguntar se o senhor não tem vergonha?”, disse ao então presidente da Câmara.
E completou: “Lamentável não é a minha indignação. Lamentável é o senhor se sentir à vontade para utilizar do poder que tem para entregar um patrimônio brasileiro fingindo que está fazendo um bem para a população”.
Lira respondeu de forma dura. “Só falta o senhor chamar qualquer deputado para a briga neste plenário. O senhor está exagerando há muito tempo.”
Para Glauber Braga, Arthur Lira é o principal articulador de sua cassação. O motivo, segundo ele, é o seu insistente questionamento com relação ao chamado “orçamento secreto” e ao uso político de verbas públicas por parte do político alagoano.
“Foram mais de 20 vezes que subi à tribuna para falar sobre isso. Também fiz isso nas redes e na Polícia Federal”, afirmou ao site Agência Pública, referindo-se ao depoimento que prestou à PF durante a investigação sobre uma suposta manobra de Lira para liberar R$ 4,2 bilhões em emendas.

“Menino mimado”
Para os críticos, Glauber Braga é um “menino mimado” da política, cuja prepotência foi alimentada pela mãe — que o tornou, ainda muito jovem, uma espécie de “super assessor” da prefeitura de Nova Friburgo.
Apadrinhada pelo ex-governador Anthony Garotinho, a médica Saudade Braga governou o município fluminense em dois mandatos (2001-2008) cercados por controvérsias. Ela anulou um concurso público promovido pela administração anterior, realizou contratações temporárias consideradas ilegais e foi acusada de obstruir votações da Câmara de Vereadores, entre outras denúncias de irregularidades.
Candidato a deputado federal em 2006, pelo PSB (partido de Saudade), Glauber Braga acabou ficando com a primeira suplência. Três anos depois, assumiu o mandato de Jorge Bittar (PT), licenciado para integrar o secretariado de Eduardo Paes na capital do estado.
Desde então não saiu mais da Câmara, elegendo-se sucessivamente desde 2010. Em 2016, já transferido para o PSOL, deixou Brasília temporiamente para disputar a prefeitura de Nova Friburgo — porém ficou em segundo lugar, atrás de Renato Bravo (PP).
Mais tarde, em 2021, tentou um voo alto demais ao se lançar pré-candidato do PSOL à presidência da República. Segundo ele, sua intenção era apresentar “um programa não-sectário, mas com radicalidade política”.
O deputado, no entanto, acabou levando um puxão de orelha público do então presidente da legenda, Juliano Medeiros, que considerou aquele momento “inoportuno para esse debate”. “É hora de lutar pela unidade das esquerdas e por um programa antineoliberal para 2022. Essa é nossa prioridade”, disse o dirigente.
Nome de ditador
Nos bastidores, políticos do PSOL e de outros partidos de esquerda admitem ter dúvidas sobre as chances de Glauber Braga se safar da cassação. A opinião geral, no entanto, é de que o deputado “não está se ajudando”.
Afinal, sua estratégia de defesa tem se limitado ao ataque (contra os integrantes do Conselho de Ética) e a um discurso conspiratório (direcionado a Arthur Lira). Para piorar, a manobra midiática e vitimista da greve de fome acentuou sua já citada fama de “menino mimado”.
Há, ainda, quem diga que Braga é vítima da “psolização” da política, um expediente que ele mesmo ajudou a criar. Ou seja: de tanto defender a cassação de seus opositores, o PSOL acabou provando do próprio veneno.
E apesar de receber visitas de figuras do primeiro escalão do governo (Gleisi Hoffmann e Sidônio Palmeira conversaram com ele no último fim de semana), Braga só conta mesmo com um único apoio incondicional: o de sua companheira, a também deputada psolista Sâmia Bonfim.
Os dois se aproximaram durante a pandemia, iniciaram uma união estável e hoje têm um filho de três anos, Hugo — nome dado pelo pai em homenagem a seu grande ídolo, o ditador venezuelano Hugo Chavez (1954-2013).
Desde o dia 9, quando o pedido da cassação foi aprovado, Sâmia se converteu na maior porta-voz do marido. Seu principal argumento, repetido em todas as entrevistas, é o da “defesa da honra”.
Segundo ela, Braga passava por uma situação de estresse profundo, com a mãe internada em estado grave (em decorrência do Alzheimer), quando foi abordado por Gabriel Costenaro. “Ele agiu em legítima defesa. Conhecendo o Glauber como eu conheço, a mãe é uma das coisas mais importantes da vida dele”, afirmou à revista feminina Marie Claire.
Sâmia ainda disse que o PSOL está empenhado na defesa de seu companheiro, mas confessou: “O apoio talvez veio um pouco tarde”.
Até a conclusão deste texto, o deputado seguia em greve de fome na Câmara — dormindo no chão e ouvindo NX Zero. “Violento como o nascer do sol de agora / Perdido como a bala que vara a sala e piora tudo / Aí quem vive no inferno reza pra quem?”, diz outro trecho de “Só Rezo”. Mais apropriado para o momento, impossível.







