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Pedro Abramovay ao lado do atual ministro da Justiça, Flávio Dino
Pedro Abramovay ao lado do atual ministro da Justiça, Flávio Dino| Foto: Reprodução

Uma das figuras mais influentes do debate público brasileiro nos últimos anos circula entre autoridades e é amigo de famosos, mas continua desconhecido para a grande maioria do público. Pedro Abramovay, recentemente alçado ao posto de vice-presidente da poderosa Open Society Foundations, construiu sua carreira tentando tornar o Brasil um país mais próximo do que os progressistas dos Estados Unidos desejam para a própria nação. Em certa medida, ele tem conseguido.

Filho do sociólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) Ricardo Abramovay, Pedro nasceu na capital paulista em 1980. Ele estudou no tradicional colégio Santa Cruz e cursou Direito na mesma universidade em que o pai lecionava. Lá, foi coordenador do Centro Acadêmico 11 de Agosto. As conexões do pai e os vínculos políticos formados no movimento estudantil ajudaram: quando se formou, em 2002, ele já era assessor do gabinete da então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy.

Pedro Abramovay tem pesadelos até hoje com sua passagem pela Faculdade de Direito mais tradicional do Brasil o motivo: o machismo. “Uma parte significativa do meu machismo — e todos os dias eu tento me livrar dele — eu adquiri na Faculdade de Direito da USP. Sério. Difícil descrever o nível de machismo daquele lugar e ainda hoje me assombra pensar como eu era conivente com isso", ele escreveu, quase duas décadas depois de se formar.

A passagem pela prefeitura paulistana não durou muito. Pedro Abramovay chegou a Brasília junto com Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse pela primeira vez em 2003. Aos 23 anos, o jovem passou a ser assessor jurídico da liderança do governo no Senado. Seu chefe era Aloizio Mercadante (PT-SP).

Outro nome do PT paulista, José Eduardo Cardozo, foi quem o levou para o governo federal: Abramovay foi assessor especial do Ministério da Justiça, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Secretário Nacional de Justiça. Foi a sua indicação para este cargo que o trouxe mais perto dos holofotes. Também por isso ele foi obrigado a pedir demissão pela primeira vez. Abramovay declarou, em entrevista ao jornal O Globo, ser favorável à descriminalização das drogas não apenas para os usuários mas também os pequenos traficantes. A essa altura ele acabara de ser indicado por Cardozo para chefiar a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Acabou sem o novo cargo e sem o antigo também.

Em 2017, Abramovay concluiu um doutorado em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O tema da tese: o processo de aprovação do Marco Civil da Internet, do qual ele participou enquanto estava no governo. A passagem mais interessante da publicação é a dedicatória, em que Abramovay revela não conseguir deixar a militância de lado nem mesmo quando faz uma declaração de amor à esposa: “Essa aliança, forjada no amor, que a gente construiu, se consolida no desejo mútuo de lutar, juntos, por um mundo mais justo e solidário” anotou, logo após agradecer a companheira por cuidar da filha pequena para que ele se dedicasse ao doutorado.

Depois de deixar o governo, Abramovay ocupou um cargo de direção na Avaaz (organização que promove petições online a favor de causas de esquerda) e deu aula na Fundação Getúlio Vargas antes de ingressar na Open Society, em 2013. Na organização fundada pelo bilionário George Soros, ele chefiou o escritório para a América Latina e o Caribe.

Imagem de arquivo datada de 31 de janeiro de 2012 mostra Pedro Abramovay (à direita), então diretor de Campanhas da Avaaz, apresentando ao líder de Sani Isla, Patricio Jipa, os resultados da solicitação de apoio à comunidade, de cerca de 850.000 pessoas de todo o mundo que aderiram a uma campanha na internet que pedia ao então presidente do Equador, Rafael Correa, que não houvesse exploração de petróleo no território da comunidade indígena, na Amazônia equatoriana. EFE/José Jácome
Imagem de arquivo datada de 31 de janeiro de 2012 mostra Pedro Abramovay (à direita), então diretor de Campanhas da Avaaz, apresentando ao líder de Sani Isla, Patricio Jipa, os resultados da solicitação de apoio à comunidade, de cerca de 850.000 pessoas de todo o mundo que aderiram a uma campanha na internet que pedia ao então presidente do Equador, Rafael Correa, que não houvesse exploração de petróleo no território da comunidade indígena, na Amazônia equatoriana. EFE/José Jácome

Agora, dez anos depois, em meio a uma reestruturação no comando da Open Society, Pedro passou a ser um dos três vice-presidentes da entidade. Agora, ele vai ajudar a desenhar a estratégia global da entidade, que teve um orçamento de US$ 1,5 bilhão [R$ 7,4 bilhões na cotação atual] em 2021.

Pauta importada

A agenda progressista é, com frequência, confundida a causa socialista. Mas há diferenças importantes. Para os progressistas, o objetivo não é a expropriação dos meios de produção e a instalação de um regime que centralize a gestão da economia.

Na verdade, o próprio Soros, nascido na Hungria, fomentou a oposição aos soviéticos no leste europeu. Abramovay, por sua vez, já criticou o regime da Venezuela. “Um regime autoritário que deve ser condenado por quem preza pelo respeito aos direitos humanos”, ele escreveu, em 2018.

O progressismo de Soros e Abramovay concentra energias em outros temas: a agenda cultural (na concepção ampla do termo), especialmente no que diz respeito a raça, gênero, drogas e “direitos humanos.”

“Pedro Abromavay que jamais escreveu qualquer coisa realmente original em toda sua vida”, afirma Eduardo Matos de Alencar, doutor em Sociologia e autor do livro De quem é o Comando. Para ele, a agenda vendida (ou comprada) pela Open Society no Brasil destoa da tradição da esquerda brasileira — mesmo a esquerda acadêmica, que tende a ser mais aberta a novidades intelectuais.

“Há algo de artificial nisso. Temas tradicionalmente caros para a academia brasileira como desigualdade, pobreza, mundo do trabalho, cultura popular e mesmo participação democrática têm ficado cada vez mais esquecidos”, analisa.

Alencar enxerga o advento do "capitalismo woke" como um marco da aproximação entre a elite empresarial (da qual George Soros é parte) e grupos militantes à esquerda. Há não muito tempo, Soros seria visto como um vilão — o bilionário que fez fortunas com especulação financeira e agora tenta influenciar governos. Hoje, ele é tido como um aliado porque abre o cofre para financiar ONGs mundo afora.

Não há nada que possa parar uma ideia cujo tempo chegou, diz a frase atribuída (de forma imprecisa) ao francês Victor Hugo e citada por políticos de tempos em tempos. A função de Pedro Abramovay na Open Society Foundations é fazer esse tempo chegar. Como? Injetando dinheiro e mais dinheiro e organizações que as defendam.

Sob a supervisão de Abramovay, a Open Society aplicou centenas de milhões de reais no Brasil nos últimos anos (apenas em 2021, foram R$107 mihões). Grande parte dos recursos vai para organizações que promovem a liberação das drogas, o abrandamento das penas a criminosos, a legalização do aborto e a promoção da agenda LGBT e a “defesa dos direitos humanos.”

Os critérios, entretanto, não parecem se aplicar de maneira uniforme. Os mais de mil presos pelos atos de 8 de janeiro — muitos dos quais nem chegaram perto da Praça dos Três Poderes — não receberam apoio das entidades financiadas pela Open Society. Neste caso, a defesa do desencarceramento sumiu de cena.

“A diferença de tratamento é clara: se o grupo supostamente perseguido for alinhado ideologicamente com essas instituições, elas prestam total apoio. Se forem grupos com pensamentos diversos do progressismo financiado pela Open Society, não há qualquer apoio”, critica o advogado Ezequiel Silveira, que representa alguns dos presos no 8 de janeiro.

Conflitos de interesse

A participação ativa da fundação em território nacional aumentou a influência de Abramovay e gerou situações delicadas — embora, por não serem públicos, os recursos possam ser distribuídos como a Open Society bem entender.

Desde 2017, o Instituto Clima e Sociedade recebeu aproximadamente R$ 15,3 milhões da Open Society. Por sua vez, o Instituto repassou R$ 4,2 milhões ao Imaflora, uma ONG que tem Ricardo Abramovay — pai de Pedro — como presidente do seu conselho diretor.

Ricardo Abramovay também já participou de pelo menos um evento do Instituto Update, que recebeu R$ 2,7 milhões da Open Society desde 2017.

A Open Society também doou cerca de R$ 5 milhões ao governo do Maranhão em 2020, durante a pandemia. À época, o governador do Estado era Flávio Dino, atual ministro da Justiça. A organização de George Soros financiou ainda o Instituto Marielle Franco, comandado pela hoje ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. No ano passado, Dino e Anielle compareceram ao lançamento de um livro escrito por Abramovay (na ocasião, o homem forte da Open Society demonstrou ser uma pessoa ousada ao vestir uma espalhafatosa camiseta florida num evento noturno a 12 mil quilômetros do Havaí.)

A quarta capa do livro tem apresentações de Lula e Fernando Henrique Cardoso. Abramovay pode não ter ideias originais. Mas ele certamente sabe fazer amizades.

Metamorfose da esquerda

A trajetória de Abramovay é reveladora da mudança pela qual a esquerda brasileira passou nas últimas duas décadas. Tendo conseguido o seu primeiro emprego graças ao PT —- fundado por operários e com uma forte ligação com um braço Igreja Católica —, ele ajudou a mover foco de assuntos econômicos para outros temas, como a liberação das drogas e do aborto, o “desencarceramento”, a agenda LGBT e o combate ao "racismo estrutural." Uma cópia da esquerda americana.

Em 2008, por exemplo, Abramovay publicou um artigo defendendo que o STF legalizasse o aborto. O argumento é construído sobre referências dos Estados Unidos. Em 2012, em outro artigo, o alvo era a proibição das drogas. Na visão dele, proibir o consumo de entorpecentes como o crack fere a democracia. “O desenvolvimento e a implementação das atuais políticas de drogas produzem sérios danos à democracia, não apenas (...) pela falta de accountability possível em uma política pública que se constrói na lógica da guerra e não na busca dos objetivos realizados, mas, como se verá, pela supressão que se faz da possibilidade de debate público no tema”, ele afirmou. Sem explicar bem o porquê nem analisar os argumentos a favor da proibição, ele escreveu que "a insensatez da política de drogas atinge diretamente a garantia a direitos fundamentais.”

Credenciado pelo currículo e pelo diploma de doutor, Pedro Abramovay distribui opiniões todo o tempo, sempre com convicção. A mesma convicção de quem um dia sustentou que um assassino era um homem inocente. “Cesare Battisti não matou ninguém. Tenho essa convicção. Eu li o processo todo. De cabo a rabo. Várias vezes”, disse ele em 2017.

Abramovay não foi apenas um espectador nesse caso: ele foi um dos responsáveis diretos pela decisão em que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio a Battisti.

Em 2019, entretanto, o italiano confessou ter cometido quatro assassinatos quando atuava em um grupo terrorista de esquerda. Até Lula, que raramente faz mea culpas em púbico, disse estar arrependido. Pedro Abramovay se disse “decepcionado” por ter sido “enganado” por Battisti, mas em seguida insistiu que a Justiça da Itália — que já vivia sob um regime democrático — “era claramente carregada de perseguições políticas.”

Compositor amador

Enquanto desencarcerava terroristas e tenta assegurar o direito ao uso de entorpecentes, Pedro Abramovay achou tempo para dar vazão ao seu lado artístico. Ele escreveu e produziu um álbum em parceria com o irmão Juliano, que é músico profissional. O disco combina construções melódicas interessantes com letras carregadas de ideologia. Por exemplo: uma das músicas, gravadas pelo ex-titã Paulo Miklos, ensina que um homem pode ser mulher e vice-versa:

“Ela faz xixi em pé

Ele é dono de casa

Ele adora ir no balé

Ela conserta o que vaza”

(,,,)

"Somos mais que cromossomos

Cada um é o que quiser

Somos mais que cromossomos

Ela é homem, ele é mulher"

A música alcançou 67 visualizações em quatro anos no YouTube.

Aliás, Abramovay trabalhou com Manoela Miklos, filha do cantor, na Open Society. Amizades.

O insucesso musical não deve abalar Abramovay. Na sua ocupação principal, ele tem resultados a apresentar. Em 2011, foi demitido de um governo de esquerda por ser a favor da liberação das drogas. Em 2023, quando ele assume a vice-presidência da Open Society, o Supremo Tribunal Federal caminha para legalizar a maconha. Na lista de amicus curiae ouvidos na ação, aparecem sete entidades financiadas pela Open Society (Viva Rio, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Instituto Sou da Paz, Conectas Direitos Humanos, Iniciativa Pública por uma Nova Política sobre Drogas e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania).

O que não conseguiu no governo, Abramovay deve conseguir pela via judicial. E, se depender dele, é apenas o começo. “Restringir apenas a maconha é muito limitado. No caso de outras drogas, é fundamental que não se trate mais usuários como criminosos”, ele escreveu, logo após o voto do ministro Alexandre de Moraes.

A Gazeta do Povo procurou a Open Society com perguntas sobre a atuação de Pedro Abramovay. Em nota, o diretor global de Comunicação da Open Society, Mark Arena, afirmou que "a carreira profissional de Pedro Abramovay tem sido consistentemente marcada pela defesa da democracia e dos direitos humanos." Segundo Arena, o período em que ele esteve à frente do programa para a América Latina e o Caribe foi marcado pelo enfrentamento aos efeitos da pandemia e o combate às fake news, ao feminicídio e à violência policial contra os mais vulneráveis. "Temos orgulho de anunciar sua nomeação como nosso vice-presidente de programas".

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