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Francisco Gomes da Silva, o Chalaça
Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, retratado pelo pintor Simplício Rodrigues de Sá: uma vida bem sucedida na diplomacia, marcada por excessos e pela proximidade com figuras decisivas para os primeiros anos da história do Brasil independente| Foto: Reprodução

“As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal”.

Dom Pedro realizou esta proclamação às 16h30 de 7 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga, nos arredores de São Paulo. Minutos depois, após uma caminhada de aproximadamente 400 metros e encontrar a guarda que estava adiante, ele incrementou o discurso: “Amigos, as cortes portuguesas querem mesmo escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante, nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais”. Arrancou o laço azul e branco do chapéu, jogou-o no chão e completou: “Laço fora, soldados! Viva a Independência e a liberdade do Brasil”.

Apenas seis pessoas presenciaram toda a cena. Entre eles estava Francisco Gomes da Silva. Sete anos mais velho que o futuro imperador, amigo de todas as horas, ele também intermediou a aproximação de Dom Pedro com sua amante mais conhecida, Maria Domitila de Castro Canto e Melo, que receberia o título de Marquesa de Santos.

Silva também é signatário da Constituição de 1824, a primeira do país independente, que tem, em sua primeira versão, longos trechos com sua caligrafia cuidadosa. Também participou de um “gabinete secreto”, uma equipe de consultores do imperador, integrada por amigos de longa data, todos portugueses.

A proximidade com o príncipe regente de Portugal e depois primeiro imperador do Brasil foi resultado de um relacionamento pessoal de amizade, construído principalmente à noite. Silva era dono de vários prostíbulos no Rio de Janeiro, que rendiam contatos com mulheres que encantavam Dom Pedro.

A corte guardava poucos segredos, e o amigo ganhou, nas ruas e nos jornais locais, a alcunha de “O Chalaça”, expressão que significa zombeteiro, gozador ou piadista. Personagem marcante da história de Portugal e do Brasil das primeiras décadas do século 19, o Chalaça se tornou influente nos círculos de poder depois de quase perder a vida em 1807.

Ascensão e queda

Nascido em Lisboa, em 22 de setembro de 1791, filho de uma criada de 19 anos chamada Maria da Conceição Alves, que não registrou o nome do pai, Silva era provavelmente filho bastardo de José Rufino de Sousa Lobato, futuro Visconde de Vila Nova da Rainha. Ele manteve o filho por perto até que se casou. Por insistência da esposa, enviou o garoto para o seminário de Santarém, perto de Lisboa, e pagou para que um protegido, o joalheiro Antonio Gomes, assumisse a paternidade. Recebeu dinheiro em troca, além do posto de ourives da Casa Real.

O Chalaça aprendeu filosofia, latim, francês, inglês, italiano e espanhol até que, com 16 anos, fugiu do seminário ao saber que o exército de Napoleão Bonaparte avançava sobre Portugal. Chegou a ser preso por uma tropa francesa e condenado à morte por espionagem.

Mas escapou e conseguiu alcançar o cais de Lisboa a tempo de fugir para o Brasil junto com a corte de Dom João VI – as circunstâncias dessa aventura são pouco conhecidas, mas o fato é que ele conseguiu reencontrar o pai biológico, tanto quanto o adotivo. Os dois prestariam apoio em sua nova vida no Rio de Janeiro.

O Chalaça se tornou figura conhecida na corte de Dom João VI, para quem confeccionou uma nova coroa, segundo Paulo Rezzutti aponta no livro D. Pedro: A história não contada. Lobato era roupeiro do rei, um posto que proporcionava uma série de privilégios.

Até que, em 1817, o jovem entrou em ostracismo – os relatos variam, mas envolvem uma tentativa (em algumas versões, bem sucedida) de seduzir uma nobre da corte, casada. Mas a amizade com o jovem Dom Pedro vinha avançando, e ele, com ajuda de Lobato, acabou por conseguir a reabilitação do amigo – que chegou a defender o jovem regente em uma briga de bar.

Recuperação e nova queda

Dom Pedro era mulherengo, mas não bebia. Já Chalaça era conhecido por gostar de música e bebidas – além de mulheres. Também se mantinha constantemente fiel ao príncipe, que respeitava o quanto o amigo era culto e, na medida do possível, discreto. Em 1827, já era coronel comandante da Guarda de Honra do imperador.

Mas, na medida em que Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta, o marquês de Barbacena, se tornava influente no governo, passava a pressionar para que Dom Pedro I dispensasse a presença dos amigos nascidos em Portugal. Ele por fim cedeu e despachou o amigo para a Europa em 1830.

Mas a história estava longe de terminar. O Chalaça conseguiu produzir uma série de denúncias contra Barbacena, relativas ao suposto desvio de dinheiro durante as negociações em busca do primeiro empréstimo internacional da história do país. Apesar de atuar como agente público, o marquês teria cobrado comissão pelas negociações, assim como superfaturado suas despesas pessoais enquanto viajava pela Europa enquanto representava o Brasil.

Em 1831, Dom Pedro voltou a Portugal. Foi quando reencontrou o velho amigo, que acabaria por se tornar funcionário da segunda esposa, e depois viúva, do rei, dona Amélia de Leuchtenberg. Boatos recorrentes na corte, nunca confirmados, sugeriam que os dois haviam se tornado amantes.

O Chalaça morreria em Lisboa, rico, em 30 de dezembro de 1852. Havia conduzido uma vida bem sucedida na diplomacia, marcada por excessos e pela proximidade com figuras decisivas para os primeiros anos da história do Brasil independente.

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