Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Perfil - Marcia Barbosa

Tiktoker e de esquerda: quem é a reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Nomeada por Lula, Marcia Barbosa é acusada de usar seu cargo como reitora da UFGRS como plataforma de disputas identitárias
Nomeada por Lula, Marcia Barbosa é acusada de usar seu cargo como reitora da UFGRS como plataforma de disputas identitárias (Foto: Agência Brasil/Lula Marques)

Ouça este conteúdo

“Sejam bem-vindos, bem-vindas e bem-vindes.” Foi assim, usando o símbolo máximo da chamada linguagem neutra, que a reitora Marcia Barbosa saudou os alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em um vídeo institucional gravado para marcar o início deste ano letivo. 

A atitude rendeu aplausos dos militantes identitários, mas também uma onda de críticas vindas de professores de Português e setores conservadores da sociedade gaúcha — incluindo vereadores e deputados estaduais e federais de partidos da direita, que acusaram a reitora de promover “lacração” com o dinheiro público. 

Há um ano no cargo, Marcia parece fazer questão de “causar” e construir uma imagem de gestora disruptiva. Logo na posse, ela quebrou protocolos ao convidar para a cerimônia figuras históricas da esquerda local e uma bateria de escola de samba. Sua imagem dançando com os ritmistas rapidamente virou meme, acompanhada da legenda “Você que paga por isso”. 

A reitora, aliás, mantém uma presença ativa nas redes sociais, com direito até a uma conta no TikTok. Em um de seus vídeos mais compartilhados nessa plataforma, ela aparece vestindo um inusitado traje colorido de material reciclado, para divulgar a exposição de um artista visual sediada na universidade. “Ela não cansa de passar vergonha”, afirmou um comentarista constrangido. 

Em outro conteúdo, Marcia Barbosa pede doações em dinheiro para um autointitulado “coletivo transmasculino”. O objetivo da campanha era reunir recursos para que o grupo participasse de um evento em São Paulo. “Vamos fazer o Pix!”, diz Marcia, empolgada. A postagem, porém, causou indignação entre os críticos, pois a gestora não esclareceu a importância do grupo para a universidade, tampouco de sua atividade fora do estado. 

Contra a anistia 

Mas a atuação militante da reitora não se limita à celebração da cultura woke. Em outro episódio bastante repercutido, estudantes evangélicos acusaram a UFRGS de proibir um encontro de oração na universidade — enquanto eventos com forte viés ideológico, como atos pró-Palestina, continuam sendo autorizados. 

Marcia também se intromete em assuntos não acadêmicos em sua produção audiovisual. Como no vídeo em que aparece embaixo de um semáforo apagado e dá uma bronca no prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). Aqui, parece que a reitora não checou os fatos antes de reclamar: segundo a administração municipal, o equipamento havia acabado de ser desligado, após ter seus fios roubados por ladrões. 

Num registro feito durante uma formatura do curso de Letras, ela afirma que a UFGRS é a melhor universidade do Brasil por “não compactuar com o fascismo”. “Como aprendemos desde os eventos de 8 de janeiro de 2023, precisamos fazer as coisas de acordo com a lei. Porque, de acordo com a lei, hoje eu posso gritar: sem anistia!”, completa, exaltada. 

Aparelhamento ideológico 

É inegável que Márcia Barbosa, de 60 anos, tem um reconhecido peso acadêmico.

Formada em Física e especialista em matéria condensada, ela é uma referência global em pesquisas sobre a água — que lhe renderam prêmios e cargos em conselhos internacionais da área, além da inclusão entre as “sete cientistas que moldam o mundo”, de acordo com a ONU Mulheres (entidade das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero). 

É justamente esse currículo robusto que chama ainda mais a atenção para a guinada de Marcia rumo ao ativismo woke. No entanto, além de transformar sua imagem pública numa plataforma de disputas identitárias, a reitora vem sendo acusada de algo bem mais grave: tornar a UFRGS um espaço de aparelhamento político petista. 

Hegemonia esquerdista 

A ligação de Marcia com o PT é evidente, especialmente após ela ter ocupado o cargo de secretária de Políticas e Programas Estratégicos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de fevereiro de 2023 até meados de 2024. Além disso, a nomeação de Marcia como reitora da UFGRS, assinada por Lula em setembro do ano passado, foi considerada pela esquerda uma “retomada da democracia” na instituição.  

Explica-se: em 2020, a UFRGS foi alvo de uma intervenção por parte do governo de Jair Bolsonaro. Amparado pela lei, que lhe garantia a prerrogativa de escolha do reitor entre os nomes de uma lista tríplice, o ex-presidente decidiu não acatar o resultado da consulta interna — em que a maioria da comunidade acadêmica optou pela permanência do então reitor Rui Oppermann. 

Bolsonaro nomeou o último colocado na eleição, Carlos André Bulhões Mendes, para comandar a universidade. Segundo ele, a decisão era uma tentativa de romper com a hegemonia ideológica da esquerda na instituição. 

Negociação com o MST 

Esse alinhamento de Marcia Barbosa com o PT se reflete em episódios como o da negociação de terras da Estação Experimental Agronômica da URFGS com o MST. Trata-se de uma área com mais de 1,5 mil hectares e considerada referência nacional em pesquisas nos campos da agronomia, da zootecnia e das biociências. 

No último mês de maio, representantes do movimento e do Incra solicitaram a cessão de parte do terreno, para acomodar famílias de assentados atingidas por enchentes. O processo contou com o envolvimento do deputado federal petista Marcon, conhecido por sua ligação com invasores de terras. 

Marcia acabou negando a doação da área ao MST, sob a justificativa de que a estação é altamente produtiva e produz conhecimento. No entanto, a abertura para negociar um patrimônio científico com um grupo militante de esquerda já foi o suficiente para levantar questionamentos sobre o aparelhamento ideológico da universidade. 

“Manifestantes” evangélicos 

Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, Marcia Barbosa destaca que sua carreira acadêmica sempre foi marcada por “questões de natureza política”. “Ser estudante de escola pública, nascer na América Latina, ser mulher na área de exatas. Ser a ‘única mulher na sala’ foi uma constante na minha trajetória”, afirma. 

Quanto aos comentários de que sua chegada à reitoria se deve mais ao protagonismo político do que à excelência acadêmica, ela explica que a candidatura nasceu de uma “mobilização política interna da UFRGS” — mais especificamente, da união de dois “coletivos” de professores, técnicos e alunos. Segundo Marcia, a passagem pelo governo Lula na verdade “quase atrapalhou” esse caminho rumo ao comando da UFRGS, pois grupos adversários acreditavam que ela não retornaria à universidade. 

Questionada sobre as acusações de restringir práticas religiosas cristãs na UFRGS, Marcia Barbosa chama os estudantes evangélicos de “manifestantes” e afirma que eles não seguiram o protocolo exigido pela instituição para realizar esse tipo de encontro. “Nenhum movimento, especialmente os exógenos à universidade, deve ter privilégios.” 

“Física teórica, de minissaia, salto alto e batom” 

A reitora se descreve como “física teórica, de minissaia, salto alto e batom” e acredita que esse estilo informal não afeta a percepção sobre a seriedade de seu trabalho. 

“A mensagem que transmito é simples: não é a sobriedade que faz a ciência, mas a autoridade do conhecimento. Creio que, com isso, consigo mostrar que pessoas apaixonadas pelas ciências, mesmo que não sejam sóbrias, também podem se tornar cientistas”, diz. 

Sobre o tão comentado vídeo de abertura do ano letivo, ela diz que não usa a linguagem neutra no cotidiano, porém achou importante “dar este abraço institucional” nos jovens recém-chegados a um “ambiente novo, assustador e repleto de desafios”. 

“No mesmo vídeo, eu digo ‘bem-vindos’, ‘bem vindas’. Incluir quem se identifica com o ‘bem-vindes’ não exclui quem não se identifica”, afirma, enfatizando que sua reitoria “é do acolhimento”.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.