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Nos Estados Unidos, a escolha dos ministros da Suprema Corte se parece com a brasileira. Quando surge uma vaga, é o presidente da República que indica um candidato. O nome passa por sabatina no Comitê Judiciário do Senado e precisa do aval do plenário da Casa, assim como no Brasil.
Mas, diferentemente do que acontece aqui, o cargo de juiz da Suprema Corte americana é vitalício. No Brasil, os ministros se aposentam compulsoriamente quando completam 75 anos.
Inspirada no modelo dos Estados Unidos, a Gazeta do Povo foi atrás da História para identificar qual seria a composição do STF se os ministros ficassem no cargo até o fim da vida.
Resultado: a corte seria, provavelmente, mais conservadora e menos ativista.
Os critérios
O cálculo do STF alternativo começa de 1990, quando o primeiro presidente da República foi diretamente eleito sob a nova Constituição.
A regra hipotética é esta: a partir de 1990, ninguém se aposentou por idade e os ministros permaneceram no cargo até morrer.
Quando um ministro morre, quem escolhe o novo integrante é o presidente em exercício naquele momento. Para a escolha do substituto, consultamos a história real e consideramos que a ordem das indicações foi a mesma. Por exemplo: a primeira vaga aberta no governo Fernando Henrique foi para Nelson Jobim.
Embora o ministro Francisco Rezek tenha renunciado em março de 1990 e sido indicado novamente em 1992, para fins de simplificação a lista considera que ele permaneceu ininterruptamente na corte.
Os ministros da hipotética corte vitalícia
Seguindo essa lógica (e sem levar em conta o estado de saúde de cada ministro), sete nomes do STF atual seriam os mesmos de 1990: Néri da Silveira, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Destes, quatro foram indicados ainda no regime militar, pelo presidente João Batista Figueiredo.
Quatro ministros que estavam no tribunal em 1990 teriam sido substituídos se a vaga fosse vitalícia.
Aldir Passarinho, que morreu em 2014, teria o sucessor indicado pela então presidente Dilma Rousseff. Aplicado o critério cronológico, o escolhido seria Luiz Fux.
Célio Borja, que morreu em 2022, teria o sucessor escolhido por Jair Bolsonaro: Kássio Nunes Marques.
Sepúlveda Pertence, vivo até 2023, teria sua vaga preenchida por Flávio Dino, indicado por Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato.
Lula ainda indicaria outro nome em 2023, para a vaga do ministro Moreira Alves. Neste caso, Cristiano Zanin estaria na lista.
Para resumir, os ministros seriam:
- Néri da Silveira (indicado por João Figueiredo)
- Francisco Rezek (indicado por João Figueiredo)
- Octavio Gallotti (indicado por João Figueiredo)
- Sydney Sanches (indicado por João Figueiredo)
- Celso de Mello (indicado por José Sarney)
- Marco Aurélio Mello (indicado por Fernando Collor)
- Carlos Velloso (indicado por Fernando Collor)
- Luiz Fux (indicado por Dilma Rousseff)
- Kássio Nunes Marques (indicado por Jair Bolsonaro)
- Flávio Dino (indicado por Lula)
- Cristiano Zanin (indicado por Lula)
Chama atenção o fato de que dez dos onze ministros que compunham o Supremo em 1990 teriam permanecido na corte até 2022, caso o cargo fosse efetivamente vitalício.
Assim, a composição do tribunal permaneceria estável ao longo de mais de três décadas, o que, por consequência, daria continuidade à interpretação constitucional adotada pela corte. A mudança na duração do cargo serviria como um freio às mudanças repentinas de jurisprudência de orientação jurisprudencial.
Indicações ideológicas
A lista do STF hipotético é, obviamente, um exercício de imaginação histórica. Nada garante que, diante de circunstâncias diferentes, cada presidente teria feito as mesmas escolhas.
Por exemplo, não é certo que Jair Bolsonaro teria indicado Kássio Nunes Marques, que não é “terrivelmente evangélico”, para a vaga deixada por Célio Borja. O objetivo foi apenas aplicar um critério lógico e cronológico às sucessões reais do Supremo.
Nesse cenário alternativo, surgem algumas curiosidades. Lula, entre 2003 e 2010, não teria indicado nenhum ministro, porque nenhum togado faleceu durante seus primeiros mandatos. Assim, nomes influentes na atual corte, como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli poderiam não ter chegado ao STF.
O decano, por exemplo, foi indicado por Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 2002 para a vaga de Néri da Silveira, que ainda está vivo. Dias Tóffoli, indicado por Lula em 2009, entrou na vaga de Carlos Alberto Menezes Direito. Mas Menezes Direito substituiu Carlos Velloso, que ainda está vivo.
Já Alexandre de Moraes substituiu Teori Zavascki. Mas, nesse critério, também não teria sido indicado porque o ministro que faleceu durante a presidência de Temer entrou na vaga de Cezar Peluso que estava, por sua vez, na vaga de Sydney Sanches. Sanches ainda está vivo.
E se a Constituição de 1988 tivesse criado mandatos vitalícios no STF?
Quando a Constituição entrou em vigor, em 1988, o Supremo Tribunal Federal era composto pelos ministros Moreira Alves, Rafael Mayer, Oscar Correia, Francisco Rezek, Sydney Sanches, Octavio Galotti, Carlos Madeira, Célio Borja, Djaci Falcão, Aldir Passarinho e Néri da Silveira.
Aplicando o critério de mandatos vitalícios, cinco desses ministros — Néri da Silveira, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Octavio Galotti e Sydney Sanches — permaneceriam na corte até os dias atuais.
Para as seis vagas restantes, a análise leva em conta mortes e aposentadorias dos titulares e as indicações que se seguiram na prática histórica. Oscar Correia, que morreu em 2005, teria sua vaga preenchida por Joaquim Barbosa. Barbosa, por sua vez, se aposentou antes da idade-limite por causa de problemas de saúde. A vaga ficou com Edson Fachin.
Djaci Falcão permaneceria até 2012, sendo sucedido por Teori Zavascki, que abriu caminho para a indicação de Alexandre de Moraes por Michel Temer, em 2017. Rafael Mayer, cuja permanência se estenderia até 2013, teria Luiz Fux como sucessor. Aldir Passarinho, falecido em 2014, seria substituído por Rosa Weber, indicada por Dilma Rousseff. Célio Borja, morto em 2022, daria lugar a Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro, enquanto Moreira Alves, permanecendo até 2023, seria sucedido por Cristiano Zanin, indicado por Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim, a composição hipotética e vitalícia do STF teria Néri da Silveira, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Octavio Galotti, Sydney Sanches, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Rosa Weber, Kássio Nunes Marques, Cristiano Zanin e Joaquim Barbosa — ou, dependendo da aposentadoria de Barbosa, Edson Fachin.
Esse exercício revela como a adoção de mandatos vitalícios alteraria profundamente a dinâmica de renovação da corte, preservando a continuidade de interpretações jurídicas ao longo de décadas e limitando a influência imediata de mudanças políticas sobre a composição do tribunal.
Renovação versus estabilidade
A adoção de mandatos vitalícios teria prós e contras. É provável que, se o modelo tivesse sido adotado durante a redemocratização do país, o STF atual tivesse um perfil mais conservador e menos ativista.
Mas, para o professor Tedney Moreira que leciona Direito Penal no Ibmec-DF, a existência de uma idade-limite é positiva. "No meu entendimento, há mais vantagens que desvantagens no sistema adotado pela Constituição Federal de 1988", diz ele. A Carta Magna estabeleceu uma idade de 70 anos, que foi estendida para 75 anos em 2015.
Segundo Moreira, a idade-limite é uma escolha política, não um ato de “etarismo”, já que muitos magistrados mantêm plena capacidade intelectual e consciência da missão constitucional mesmo após essa faixa etária. Ele afirma que, embora a longa experiência seja vantajosa para a celeridade e consistência nas decisões, há o risco de que os magistrados se tornem habituais em suas práticas, julgando os fatos sempre pela mesma métrica, sem se adaptar rapidamente às mudanças sociais e culturais.
“O acúmulo de vivências garante profundidade, mas pode engessar a atividade jurisdicional”, diz.
O equilíbrio entre experiência e atualização, conclui Moreira, é a razão central pela qual o sistema adotado em 1988 continua vigente.
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