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Programador fã de Olavo de Carvalho cria protocolo de rede social anticensura

Nostr, um protocolo de rede social, reabilita a estrutura descentralizada da própria Internet. Por isso, é mais resistente à censura que as plataformas tradicionais.
Nostr, um protocolo de rede social, reabilita a estrutura descentralizada da própria Internet. Por isso, é mais resistente à censura que as plataformas tradicionais. (Foto: Eli Vieira com Dall-E)

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Um programador brasileiro conhecido pelo pseudônimo “Fiatjaf”, divulgador da obra de Olavo de Carvalho, criou em 2020 uma forma completamente nova de comunicação na internet, o Nostr.

O nome é uma sigla em inglês para “notas e outras coisas transmitidas por relays” — relay é o termo que os programadores preferem para um retransmissor, um servidor que hospeda as publicações, que podem ser texto, foto ou vídeo. O Nostr pode ser usado para criar sites inteiros, além de redes sociais.

O projeto chamou a atenção do fundador do Twitter, Jack Dorsey, que em dezembro de 2022 doou para seu desenvolvimento 14 bitcoins (R$ 8,2 milhões na cotação atual da criptomoeda). Dorsey, desiludido com as políticas de moderação de conteúdo do próprio Twitter e sua primeira tentativa de rede social descentralizada, o Bluesky, viu no Nostr uma esperança de arcabouço para redes sociais livres de censura.

A Gazeta do Povo conversou com Fiatjaf e um dos desenvolvedores do Nostr, Alex Gleason, que antes esteve envolvido em desenvolvimento de software em outra tentativa de rede social descentralizada, o Mastodon.

O que, exatamente, é o Nostr?

O Nostr é um protocolo aberto para redes sociais descentralizadas, ou seja, ele não é uma rede social, mas permite a criação de redes sociais.

Na linguagem de redes de computadores, um “protocolo” é um conjunto de regras ou procedimentos para transmitir dados entre máquinas, para que o significado “pretendido” por uma seja “entendido” por outra. É como um acordo prévio de como a informação estará estruturada. “É uma convenção, na qual todos concordam em mandar mensagens com determinado formato”, disse Fiatjaf. Além de ser um protocolo, “o Nostr usa outros protocolos, como o TCP” (sigla para “Protocolo de Controle de Transmissão”, criado há 50 anos e aplicado na internet).

Usuários experientes da Internet se lembrarão do protocolo “HTTP”, que criou o padrão para como informações como texto e imagens são apresentados em páginas da rede mundial.

Cada protocolo é usado por “clientes”, os programas que de fato levam a informação ao usuário. No caso do HTTP, os clientes são os navegadores da web (Chrome, Firefox, Brave, Opera etc.). No caso do Nostr, os clientes são redes sociais como Coracle, Iris, Primal, Amethyst, Damus e muitos outros. Essas redes podem ou não compartilhar os mesmos relays. E qualquer pessoa pode criar um relay.

Por que o Nostr é melhor para a liberdade de expressão

“O Nostr não é impossível de censurar”, diz o criador do protocolo. “É uma ideia de como organizar a topologia das conexões. É a mesma ideia da Internet em si, que é ter um monte de sites e cada site está hospedado em um servidor diferente”.

Cada site pode ser censurado individualmente, continua Fiatjaf, “mas se você coloca um padrão por cima dessa topologia, fica mais fácil a comunicação entre sites”.

“A ideia de que o Nostr é difícil de censurar”, afirmou Fiatjaf, “é que uma pessoa que está sendo censurada em um site, ou é expulsa de um site, pode ir para outro site” — ou rede social (cliente), ou relay.

O Nostr é uma federação de relays e clientes que, assim como cada site da Internet como um todo, podem adotar o nível que lhes for mais conveniente de moderação de conteúdo ou livre expressão. Se a rede social X (antigo Twitter), banida por 40 dias por Alexandre de Moraes no Brasil este ano, fosse um cliente do Nostr, o ministro quase que precisaria banir toda a internet para suprimir seu conteúdo distribuído por relays.

A aproximação com Jack Dorsey se deu por uma chamada pública que o americano fez no X por “projetos de código aberto” relacionados às redes sociais que precisassem de financiamento. Foi aí que usuários do Nostr (que chamam a si mesmos de “nostriches”, um trocadilho com “ostrich”, avestruz em inglês) sugeriram o protocolo do brasileiro.

“Ele me perguntou como incentivar esse protocolo”, disse Fiatjaf, que inicialmente não soube responder, mas aceitou atuar como um curador dos fundos, distribuindo para projetos de desenvolvedores e não usando para si próprio. Mas o montante maior foi para a organização sem fins lucrativos OpenSats, registrada nos Estados Unidos e dedicada a financiar “projetos livres e de código aberto relacionados a Bitcoin e associados a iniciativas de educação e pesquisa”, segundo seu site.

A OpenSats ajudou a desenvolver clientes como o Damus, popular entre usuários de dispositivos da Apple. Outro beneficiado é o cliente Amethyst, para usuários de dispositivos Android. Hoje, Jack Dorsey é um usuário ativo do Nostr.

Como é o ecossistema do Nostr hoje

“É impossível saber quantos usuários o Nostr tem”, disse Fiatjaf. Algumas estimativas sugerem mais de 30 mil pessoas distribuídas pelo mundo. As chaves geradas ao criar uma “conta” no protocolo já foram geradas cinco milhões de vezes, “mas muitas são de bots” (robôs), afirmou o desenvolvedor.

Ele prefere perguntas sobre seu trabalho e procura manter um perfil reservado.

O perfil ideológico sugerido por algumas das opiniões de Fiatjaf é o associado a libertários ou anarcocapitalistas, grupos políticos atraídos pelo ambiente das criptomoedas e sua promessa de libertar os indivíduos do controle de Estados. O desenvolvedor já foi atacado por um artigo da imprensa progressista, que compreende mal esse perfil de ideias em política e chama Olavo de Carvalho, por quem ele já expressou admiração, de “fascista”.

Muitos dos desenvolvedores de aplicações do Nostr concordam que o ambiente dos usuários precisa se diversificar para não ser confundido com a comunidade dos “crypto bros”, como são chamados informalmente o grupo difuso de libertários interessados em criptomoedas. É o mesmo problema de ação coletiva enfrentando por alternativas às redes sociais pioneiras como Facebook e Twitter: atrair grandes grupos que pensam de formas diferentes e com frequência antagônicas. É um problema para o Bluesky, com excesso de progressistas, e para as redes sociais Gab, Parler e Truth Social, com excesso de conservadores.

“O pessoal do Bitcoin foi o primeiro a se interessar pelo Nostr”, disse Fiatjaf. “No mundo do código aberto e movimentos mais idealistas como o Bitcoin, não há discriminação de nacionalidade. Tem gente de todos os países”. Para mais brasileiros com sucesso no desenvolvimento de software como ele aparecerem, Fiatjaf acredita que temos muito a aprender com os americanos: “estão sempre pensando em fazer negócios, se têm um limão, vendem limonada”.

Algo já está dando certo: monetização. Com a valorização do Bitcoin, é possível ganhar mais com doações de “satoshis” (a menor unidade de Bitcoin, hoje correspondente a R$ 5,85) de usuários satisfeitos com uma publicação — as doações são chamadas de “zaps” — do que com a monetização via anúncios do X, na comparação feita pela reportagem.

Qual é o diferencial do Nostr que as tentativas de rachar o oligopólio das redes sociais não têm?

Alex Gleason já está trabalhando no que ele chama de “uma alternativa para o X no Brasil” (a entrevista foi feita no período em que o X estava banido): trata-se do relay “Cobra Fuma”, inspirado no lema espirituoso usado pelos pracinhas que lutaram na Segunda Guerra Mundial.

“Criamos o Cobra Fuma este ano em resposta ao banimento do X no Brasil, para dar um caminho para que os brasileiros se juntem ao novo mundo da internet”, disse Gleason. “Penso que este site vai crescer muito, agora é um bom momento para entrar”.

Gleason trabalhou no desenvolvimento da plataforma Truth Social, fundada por Donald Trump após ele ser censurado no Twitter (antes de a rede social se tornar o X de Elon Musk). Perguntado qual é a vantagem do Nostr sobre redes sociais como esta e as outras de maioria conservadora, que enfrentam o problema da ação coletiva, Gleason afirmou “imagine que você pode seguir um usuário do Gab para o Truth Social, ou seguir um usuário do Truth Social a partir do Gab. É isso o que o protocolo Nostr torna possível”.

Essas redes sociais menores “se agarram as poucos usuários restantes que têm, ficam todas brigando para ver qual será o próximo Rei da Internet, em vez de trabalhar juntas, e é isso que está as matando”, disse Gleason. “O Nostr permite uma internet colaborativa na qual pequenas plataformas juntam forças para derrotar a Big Tech. Enquanto nos engajarmos nessa luta todo dia, acredito que vamos atingir a massa crítica e vencer”.

O programador acha que decisões de Moraes como a que suspendeu o X são “um favor para nós. Espero que ele faça o banimento do Facebook e do TikTok também, para que isso acelere a mudança na direção das tecnologias da liberdade ainda mais. O que importa mais agora é o que as pessoas farão. Vão desistir, ou vão lutar?”, perguntou Gleason.

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