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Resolvendo problemas sem o Estado

Pessoas usam máscaras de proteção em um mercado de rua em Tbilisi, Geórgia, em 27 de abril de 2020: durante a pandemia de COVID-19, enquanto lockdowns e toques de recolher afetavam os pequenos negócios em toda a Europa, trabalhadores informais georgianos se reinventaram.
Pessoas usam máscaras de proteção em um mercado de rua em Tbilisi, Geórgia, em 27 de abril de 2020: durante a pandemia de COVID-19, enquanto lockdowns e toques de recolher afetavam os pequenos negócios em toda a Europa, trabalhadores informais georgianos se reinventaram. (Foto: EFE/EPA/ZURAB KURTSIKIDZE)

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No Cáucaso Meridional, as pessoas não esperam permissão para resolver problemas. Constroem o que precisam com os recursos disponíveis, raramente contando com ajuda do poder público.

Na Geórgia e na Armênia, onde a confiança em instituições centralizadas é historicamente baixa e a burocracia costuma representar mais um obstáculo do que apoio, desenvolveu-se algo que o Ocidente tem perdido silenciosamente: um instinto cultural de autossuficiência.

Esse instinto não é apenas um ideal abstrato. Trata-se de uma necessidade concreta para sobreviver em contextos de interrupção no fornecimento de eletricidade, sistemas de saúde sucateados ou administrações locais mais interessadas em aparências do que em soluções.

Em uma época em que o Ocidente se mostra cada vez mais dependente de regulações, programas estatais e planejamento centralizado, há uma lição a ser aprendida com essa região caótica, mas funcional: não é preciso um Estado perfeito para prosperar. É preciso senso comunitário, criatividade e liberdade para agir.

Tome-se como exemplo o sistema educacional dos Estados Unidos, muitas vezes criticado por seu excesso de burocracia e padronização. Redes de ensino domiciliar, programas de aprendizagem alternativos e iniciativas financiadas pelas comunidades têm surgido justamente onde o sistema tradicional falha. Não se trata de perfeição, mas de pessoas fazendo o que é preciso para que algo funcione.

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Resiliência em vez de dependência

Ao caminhar por vilarejos georgianos, é possível ver na prática o que acontece quando as pessoas são deixadas por conta própria. Vizinhos ajudam na colheita de uvas para produção de vinho artesanal, vendido informalmente por todo o país. Mulheres idosas comercializam ervas frescas e churchkhela (doce tradicional georgiano) nas calçadas, livres das exigências de licenças e fiscalização corporativa. Famílias administram pousadas improvisadas nas montanhas, promovidas via grupos de WhatsApp e divulgação boca a boca.

Mais do que peculiaridades culturais, esses são exemplos de resiliência econômica diante de estruturas formais frágeis. Em regiões como Tusheti ou Samtskhe-Javakheti, onde a infraestrutura é precária, os moradores constroem estradas por conta própria, organizam mutirões para reparos e até limpam a neve acumulada quando o Estado se omite.

Na Armênia, após a guerra de 2020 em Nagorno-Karabakh, o Estado demonstrou-se despreparado para oferecer abrigo e assistência a milhares de deslocados. Diante da morosidade estatal, redes religiosas, organizações da sociedade civil e grupos no Telegram organizaram iniciativas de apoio. Voluntários mapearam residências disponíveis, entregaram suprimentos e coordenaram transportes. Não havia plano centralizado: apenas ação descentralizada — e eficiente.

Economias informais, liberdade real

Economistas ocidentais muitas vezes enxergam os mercados informais como um problema. Mas, no Cáucaso, eles representam tanto uma rede de segurança quanto uma expressão concreta de liberdade.

Os mercados "Depo", em Tbilisi (capital da Geórgia), ou o movimentado bazar no distrito de Malatia-Sebastia, em Yerevan (capital armênia), ilustram isso. Vendedores negociam em dinheiro, adaptam-se rapidamente à demanda, mudam de produtos conforme as circunstâncias. Em vez de regulação formal e licenciamento estrito, prevalece o dinamismo do livre mercado.

Durante a pandemia de COVID-19, enquanto lockdowns e toques de recolher afetavam os pequenos negócios em toda a Europa, trabalhadores informais georgianos se reinventaram. Motoristas viraram entregadores. Agricultores usaram o Facebook para vender direto ao consumidor urbano. Uma rede informal de logística emergiu espontaneamente. Não foi por coordenação estatal, mas por iniciativa popular.

Burocracia no Ocidente

Nos países ocidentais, a resposta à crise é frequentemente votar por mais intervenção estatal ou fazer lobby por regulamentações. Quer uma casa? Exige-se controle de aluguéis. Não há empregos? Culpa-se o sistema econômico. Em vez de organizar-se com a vizinhança, espera-se um novo programa de governo.

Mas programas públicos muitas vezes estão desconectados da realidade. Na França, abrir um pequeno negócio envolve processos quase intransponíveis. Na Califórnia, o alto custo da moradia é atribuído ao "mercado", quando, na verdade, leis de zoneamento e exigências ambientais impedem novas construções. Sobrevivem apenas as grandes incorporadoras. O resto fica para trás.

No Cáucaso Meridional, com uma abordagem improvisada e pouco regulamentada, não há paralisia. Há adaptação.

O poder do localismo

Um dos exemplos mais emblemáticos de organização popular na região veio do Vale do Rioni, na Geórgia Ocidental. Diante de um projeto hidrelétrico estrangeiro que ameaçava alagar vilarejos e deslocar famílias, os moradores não recorreram a ONGs internacionais ou partidos políticos. Acamparam, protestaram, construíram quiosques informativos às margens da estrada e transmitiram tudo ao vivo pela internet. Sem liderança centralizada, criaram um dos movimentos de resistência mais eficazes do país e forçaram a suspensão do projeto.

Esse tipo de mobilização descentralizada é o sonho de muitos ativistas ocidentais, mas raramente se concretiza. Por quê? Porque no Ocidente, o ativismo costuma ser institucionalizado, dependente de subsídios e limitado pela burocracia. No Cáucaso, é movido pela necessidade.

Não romantize — mas não ignore

Nada disso é uma romantização da disfunção. Corrupção, nepotismo e fragilidade do Estado de Direito são desafios reais no Cáucaso. Mas a reação popular a esses desafios é notável: pessoas que não desmoronam diante do colapso institucional. Elas agem. Inventam. Lembram que liberdade não é conforto, é capacidade.

O Ocidente, em nome da igualdade de resultados, criou camadas de dependência que minam a autonomia individual. Mas liberdade sem responsabilidade é vazia. E eficiência sem liberdade é frágil.

O que o Cáucaso ensina não é como aperfeiçoar a sociedade, mas como sobreviver a ela — e melhorá-la de baixo para cima.

Lika Kobeshavidze é escritora política, jornalista analítica e bolsista do programa Young Voices Europe. Especializa-se em política da União Europeia e segurança regional. Atualmente vive em Lund, na Suécia, onde cursa estudos avançados em Estudos Europeus.

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©2025 FEE - Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês: Solving Problems Without the State

Conteúdo editado por: Jones Rossi

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