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Russos absolvem Stalin por mortes na Segunda Guerra 

Além de avaliar Josef Stalin como a “figura mais notável da história mundial”, russos parecem não concordar que ele foi culpado pela morte de cerca de 27 milhões de soviéticos

Mulher segura retrato com imagens de pessoas mortas durante o regime de Joseph Stalin | AFP PHOTO / YURIY DYACHYSHYN
Mulher segura retrato com imagens de pessoas mortas durante o regime de Joseph Stalin (Foto: AFP PHOTO / YURIY DYACHYSHYN)

A imagem do ditador soviético Josef Stalin (1879-1953) na Rússia, onde fora considerado no ano passado a "figura mais notável da história mundial", recebeu um novo polimento com a divulgação de uma pesquisa de opinião do centro independente Levada, nesta quinta-feira (21).

Só 9% dos russo culpam a liderança do ditador pelas enormes baixas na Segunda Guerra Mundial, cujo começo na Rússia há 77 anos será lembrado nesta sexta-feira (22). Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazista invadiu a então União Soviética na Operação Barbarossa, um embate que deixou cerca de 27 milhões de soviéticos mortos até 1945.

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Em 1991, a mesma pesquisa colocava em 36% o número de pessoas que achavam que "a liderança de Stalin agiu sem se preocupar com as vítimas". O valor se manteve estável nos conturbados anos 1990 e começou a cair depois que o presidente Vladimir Putin foi eleito, em 2000. 

Não por coincidência, a partir de 2009 o índice despenca, passando de 26% naquele ano para os 9% agora. Um ano antes, Putin havia travado uma curta guerra para manter a ex-república soviética da Geórgia fora da Otan (aliança militar liderada pelos EUA), ao defender minorias russas étnicas no país. A partir dali, e embalado pela então alta dos preços do petróleo, Putin elevou o gasto militar russo para reequipar suas Forças Armadas.

Afastou-se progressivamente do Ocidente, e interveio militarmente ao anexar a Crimeia da Ucrânia, assim que um golpe derrubou o governo favorável ao Kremlin no país vizinho, considerado essencial na geopolítica russa por separar suas fronteiras daquelas da Otan. O evento, de 2014, levou a sanções e à degradação de relações diplomáticas que atingiu um novo ápice com a acusação britânica de que o Kremlin mandou envenenar um ex-espião russo na Inglaterra —o que Moscou nega.

Putin também apostou pesadamente no fomento do militarismo da Segunda Guerra. A liderança soviética sempre fez isso, tanto que no país o conflito se chama Grande Guerra Patriótica. Putin trabalhou essa imagem de união nacional e acentuou a denúncia dos "inimigos estrangeiros", contudo, nunca prestou continência a Stalin. Não há no país, igualmente, pesquisas que indiquem alguma vontade da volta do regime soviético, e o Partido Comunista hoje faz figuração consentida na política.

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Significativamente, a pesquisa aponta que 36% acham que o ataque surpresa alemão foi o principal motivo da tragédia nacional. Dos 27 milhões de mortos, segundo o governo russo, 18 milhões eram civis. Sem surpresa, o Levada aponta que 68% dos ouvidos perderam algum parente na guerra e nada menos que 81% tiveram algum familiar envolvido em combate.

Um estudo do mesmo Levada, no ano passado, mostrou que 38% dos russos veem o ditador liderar o ranking de personalidades da história mundial (Putin ficou com 34%).

Memória coletiva

Essa memória coletiva se reflete em incidentes como o banimento da comédia "A Morte de Stalin" (2017) do único cinema da Rússia que aceitou exibi-la, no começo deste ano. A censura do Ministério da Cultura falou genericamente em distorções históricas e vilipêndio de símbolos nacionais como o hino, mas o fato é que incomodou ver o país do pós-guerra ser retratado como um reino de terror e a sua liderança, ridicularizada como inepta, egoísta e traiçoeira.

Outro aspecto polêmico dessa reabilitação da figura de Stalin é o aparente esquecimento, menos presente na pesquisa de 1991, de seu papel antes da guerra. Com a liderança militar do país desarticulada após os grandes expurgos que ele promoveu no Exército Vermelho no fim dos anos 1930, o ditador acabou aliando-se pontualmente em 1939 com seu antípoda nazista, Adolf Hitler. O pacto de não-agressão, naturalmente secreto porque o público interno de ambos os países nunca o entenderia, permitiu a mão livre do alemão para iniciar a Segunda Guerra Mundial no mesmo ano.

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A União Soviética e a Alemanha dividiram territórios no Leste Europeu. Nessa partilha, a Polônia cessou de existir como Estado independente e virou o centro do Holocausto. No ano seguinte, os Estados Bálticos, que já haviam cedido áreas historicamente alemãs a Berlim, e parte da Romênia caíram em mãos soviéticas. Um acordo de cooperação econômica garantiu que matérias-primas como petróleo dos soviéticos alimentassem a máquina de guerra nazista literalmente até a invasão, que veio quando os alemães asseguraram sua vitória na Europa continental.

Isso até o início da Barbarossa, maior ação militar terrestre da história. Historiadores discutem até hoje as motivações de Stalin e o quanto ele subestimou Hitler. Já os russos, ao menos segundo a pesquisa que ouviu 1,6 mil pessoas de 24 a 30 de maio em 52 das 85 regiões do país, já fizeram seu julgamento.

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