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Vacina Covid
Enfermeira aplica em paciente do Rio de Janeiro mais uma dose da vacina contra Covid em setembro de 2023. Estudo com quatro milhões de austríacos questiona eficácia das doses adicionais para evitar mortes.| Foto: EFE/André Coelho

Um problema que tem dificultado a avaliação da eficácia das doses de reforço das vacinas contra Covid-19 é conhecido como “efeito do vacinado saudável”: pessoas que buscam mais doses da vacina tendem a ter outros hábitos saudáveis, pessoas que não buscam são mais negligentes com a saúde, de forma que poderia ser essa diferença de hábitos a real explicação para os aparentes benefícios das doses extras.

Um estudo publicado no fim do ano passado por pesquisadores americanos e austríacos no European Journal of Clinical Investigation corrobora o efeito. Avaliando uma impressionante amostra de quase quatro milhões de austríacos que tiveram Covid, divididos entre aqueles que tomaram quatro doses (7%) ou três doses (39%), os cientistas descobriram que as doses adicionais da vacina contra a doença não reduziram mortes. “Não observamos um efeito da vacina significativo de uma quarta dose para mortes por Covid-19 durante um período que já tinha um risco absoluto muito baixo” dessas mortes, relataram. O período se refere aos dois últimos meses de 2022.

Analisando todas as causas de morte nos grupos, eles também concluíram que os dados “sugerem o viés [efeito] do vacinado saudável”. Em outras palavras, houve menos mortes entre aqueles que tomaram a dose extra, contudo, o benefício não pode ser atribuído à vacina. Além disso, apesar desse efeito nos dados ser favorável à dose de reforço, ela não conseguiu produzir efeitos benéficos suficientes para serem detectados nessas milhões de pessoas.

Um resultado conhecido de outros estudos também foi corroborado: que as doses de reforço reduzem a chance de teste positivo de Covid, o que é de se esperar, mas o efeito é temporário. “Imunidade [vacinal] em decaimento rápido”, como descrevem os autores. Como a amostra é de pessoas previamente infectadas, o resultado da baixa mortalidade reflete a proteção conferida pela imunidade natural. “Nenhum indivíduo mais jovem que 40 anos morreu por causa da Covid-19”, contaram os cientistas.

Os leitores que acompanharam a cobertura da Gazeta do Povo na pandemia sabem que o Catar foi o país que estudou com maior detalhe e rigor a questão da proteção conferida por cada tipo de imunização: a natural (por infecção prévia), a vacinal e a híbrida (com ambas). O estudo faz referência a essas pesquisas: “dados do Catar sugerem que a imunidade natural confere uma proteção muito forte contra a Covid-19 severa, sem indícios de decaimento da imunidade, uma conclusão que é apoiada por uma revisão sistemática e metanálises”. A imunidade natural não necessariamente protege contra novas infecções com o coronavírus, mas, como a vacina, protege contra ter uma Covid mais severa que na primeira infecção — de forma mais duradoura.

Os autores, entre eles o respeitado John Ioannidis — professor da Universidade Stanford famoso por ter escrito um artigo de 2005 em que afirmava que “a maioria das descobertas científicas publicadas são falsas” —, fazem a conclusão final de que “a falta de eficácia da quarta vacinação durante 2023 no nosso estudo é consistente com a noção de imunidade em decaimento rápido por essa dose secundária de reforço”, que é na maior parte a dose bivalente, e que “nossas descobertas não se aplicam a indivíduos sem infecção prévia”, um grupo populacional já raro na época, praticamente inexistente agora.

A principal limitação do estudo é sua natureza observacional, ou seja, não foi em caráter experimental que as pessoas foram divididas entre aquelas que tomaram quatro ou três doses da vacina contra Covid-19, e elas não foram distribuídas nesses grupos ao acaso, como seria preferível em estudos mais rigorosos.

Estudo anterior não publicou imediatamente dados de todas as causas de mortalidade

Em dezembro de 2021, um estudo de israelenses publicado no New England Journal of Medicine calculou que a primeira dose de reforço (ou terceira dose no histórico completo) da vacina da Pfizer reduzia em 90% a mortalidade por Covid-19. Após algumas críticas pela falta de informações a respeito da totalidade das causas de morte, os mesmos pesquisadores, liderados por Ronen Arbel, dos Serviços de Saúde Clalit em Tel Aviv, publicaram em março de 2022 uma carta na revista informando que, de fato, havia mortes não relacionadas à Covid nos dois grupos.

Três cientistas americanos de universidades da Califórnia, aproveitando a informação, publicaram no mesmo periódico, em julho de 2023, uma carta em que calcularam que havia 20 vezes mais mortes por causas não relacionadas à Covid no grupo sem a dose de reforço comparado ao grupo que a tomou. O efeito do vacinado saudável “pode ter levado a superestimativas da eficácia da vacina em estudos similares”, explicaram os autores.

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