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Tarifas não impulsionaram o crescimento dos Estados Unidos no século XIX — e também não o farão hoje

A parte inferior de Ford Mustang GT Premium conversível durante o Salão do Automóvel de Detroit 2019, em Detroit, Michigan, Estados Unidos, 15 de janeiro de 2019: a ascensão dos Estados Unidos à condição de potência industrial não se deveu às tarifas, mas ao dinamismo de seus empreendedores, à inovação, à riqueza de recursos e ao uso eficiente de capital e trabalho.
A parte inferior de Ford Mustang GT Premium conversível durante o Salão do Automóvel de Detroit 2019, em Detroit, Michigan, Estados Unidos, 15 de janeiro de 2019: a ascensão dos Estados Unidos à condição de potência industrial não se deveu às tarifas, mas ao dinamismo de seus empreendedores, à inovação, à riqueza de recursos e ao uso eficiente de capital e trabalho. (Foto: EFE/ JOHN G. MABANGLO)

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As tarifas propostas por Donald Trump no chamado Dia da Libertação — parte de sua agenda comercial — têm raízes em uma narrativa popular entre defensores do protecionismo. Segundo essa visão, tarifas elevadas teriam impulsionado a ascensão industrial dos Estados Unidos no século XIX. Argumenta-se, como faz o republicano Oren Cass, que o país teria se transformado “de uma colônia atrasada em um colosso industrial que abrange todo o continente” protegido por barreiras alfandegárias.

No entanto, a pesquisa econômica indica o contrário. Embora os Estados Unidos tenham mantido tarifas excepcionalmente altas do fim da Guerra Civil até a Primeira Guerra Mundial — frequentemente entre 40% e 50% sobre produtos manufaturados importados —, essas barreiras foram, na melhor das hipóteses, um fator incidental para o crescimento industrial, e provavelmente até prejudicaram o desenvolvimento.

A questão central é contrafactual: o que teria ocorrido sem essas tarifas? O crescimento econômico norte-americano no século XIX coincidiu com uma explosão populacional, imigração em larga escala, expansão para o Oeste, descoberta de vastos recursos naturais e avanços tecnológicos. Quando esses fatores são isolados em estudos econômicos rigorosos, percebe-se que foram eles — e não as tarifas — os verdadeiros motores do progresso.

Um exemplo é o estudo dos economistas Alexander Klein e Christopher Meissner, que analisaram o desempenho industrial entre 1870 e 1909. Eles constataram que setores com maior proteção tarifária apresentaram menor crescimento de produtividade. As tarifas permitiram que empresas ineficientes sobrevivessem sem enfrentar concorrência, reduzindo o incentivo à inovação e à redução de custos. “Setores mais protegidos apresentaram produtividade do trabalho inferior”, concluem os autores.

Protecionistas costumam citar a Tarifa McKinley, de 1890, como evidência do papel positivo das tarifas no fortalecimento industrial. O comentarista político Pat Buchanan, por exemplo, atribui o sucesso econômico da época a essas políticas. Mas, ao se examinar os setores beneficiados, os resultados são, no mínimo, ambíguos.

Tomemos a indústria de folha-de-flandres — aço revestido com estanho, utilizado para evitar ferrugem. Essa indústria é frequentemente citada como um caso de sucesso do protecionismo. Contudo, o pesquisador Douglas Irwin demonstrou que, mesmo sem a Tarifa McKinley, esse setor teria surgido naturalmente cerca de uma década depois, graças à queda nos preços do aço nos Estados Unidos. A tarifa apenas antecipou esse desenvolvimento — à custa dos consumidores.

Então, o que de fato impulsionou a transformação econômica dos EUA? Segundo Irwin, o crescimento populacional acelerado, o alto investimento em capital e a inovação tecnológica — como o "Sistema Americano de Manufatura", baseado em peças padronizadas e técnicas de montagem — foram os elementos-chave. Entre 1870 e 1913, o PIB americano cresceu, em média, 3,94% ao ano, enquanto o do Reino Unido cresceu 1,9%. No entanto, ao considerar a evolução populacional e o acúmulo de capital, a produtividade cresceu em ritmo semelhante: 0,33% nos Estados Unidos e 0,31% no Reino Unido.

O dado talvez mais revelador é que os setores não expostos à concorrência internacional — como transportes, serviços públicos e comunicações — apresentaram um crescimento de produtividade superior ao da indústria manufatureira no período. Ou seja, mesmo sem influência direta das tarifas, esses setores superaram seus equivalentes britânicos em produtividade entre 1870 e 1910.

Essas constatações têm implicações diretas para as políticas comerciais do governo Trump. Se tarifas elevadas não impulsionaram o crescimento no século XIX, é ainda menos provável que o façam no século XXI. Em um mundo com cadeias globais de suprimentos e produção distribuída entre diversos países, tarifas tornam-se especialmente contraproducentes.

As tarifas sobre o aço impostas por Trump em 2018 ilustram bem isso: ainda que tenham beneficiado os produtores nacionais de aço, prejudicaram diversos setores industriais que utilizam o insumo, com perdas líquidas de empregos.

Estudos recentes mostram, de forma consistente, que economias mais abertas crescem mais rapidamente. A redução de tarifas tende a aumentar a produtividade, à medida que empresas têm acesso a insumos de melhor qualidade e enfrentam competição externa — um estímulo saudável à eficiência.

A história é clara: a ascensão dos Estados Unidos à condição de potência industrial não se deveu às tarifas, mas ao dinamismo de seus empreendedores, à inovação, à riqueza de recursos e ao uso eficiente de capital e trabalho. Invocar o século XIX para justificar o protecionismo contemporâneo é interpretar mal o passado — e desconsiderar a economia globalizada de hoje.

A grandeza econômica dos Estados Unidos não foi construída atrás de muros tarifários. No cenário atual, os danos provocados por políticas protecionistas tendem a ser ainda mais rápidos e profundos.

Brian Albrecht é economista-chefe do Centro Internacional de Direito e Economia (ICLE, na sigla em inglês) e autor do boletim semanal "Economic Forces", publicado na plataforma Substack.

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©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Tariffs Didn’t Drive America’s Nineteenth-Century Growth. They Won’t Today, Either

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