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Uma onda de agitação civil está se formando no Ocidente?

Manifestantes pró-Palestina e anti-imigração entraram em confronto na cidade de Melbourne, na Austrália, em agosto deste ano.
Manifestantes pró-Palestina e anti-imigração entraram em confronto na cidade de Melbourne, na Austrália, em agosto deste ano. (Foto: EFE/EPA/MICHAEL CURRIE AUSTRALIA AND NEW ZEALAND OUT)

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O podcast Brussels Horizon transmitiu em abril um episódio intitulado “A ‘Guerra Civil a Caminho’, com David Betz”. Professor de Guerra no King’s College London e autor com um vasto número de publicações, Betz alerta para a retribalização das sociedades ocidentais. A migração em massa e os excessos das elites, argumenta ele, criaram barris de pólvora de descontentamento à espera da próxima faísca de indignação: um esfaqueamento horrível, um atropelamento proposital ou talvez uma decisão judicial excepcionalmente injusta. Citando vários estudos acadêmicos, Betz sustenta que as chances de uma guerra civil no Ocidente eclodir nos próximos cinco anos — começando com distúrbios civis comparáveis às antigas revoltas camponesas — ultrapassam 50%.

Betz atribui essa situação perigosa ao colapso generalizado da política funcional nas nações europeias e anglófonas. Antigas maiorias dominantes nesses países acreditam estar governadas por pessoas ativamente contrárias aos seus interesses nacionais e pessoais, que fecharam efetivamente todas as vias de solução política pacífica. Segundo Betz, essas crenças — incluindo a convicção de que votar não importa, que ele diz ser a visão política mais comumente expressa no mundo ocidental — são empiricamente justificadas. As elites ocidentais — líderes políticos, militares e corporativos, bem como funcionários públicos, acadêmicos e a mídia — constituem uma “classe de qualquer lugar”, em casa em qualquer grande cidade global, de Tóquio a Londres. Tornaram-se radicalmente divorciadas da “classe de algum lugar”: a faixa de cidadãos que ainda valorizam modos e instituições tradicionais e prezam os laços locais. Educadas por seus mentores e professores a desprezar vínculos e lealdades sociais profundas, as elites globais pós-nacionais, segundo Betz, se importam com os seres humanos apenas de forma abstrata. Atentas exclusivamente a “direitos humanos” — uma lista em constante expansão de desejos em última análise insaciáveis —, essas elites incentivaram a migração em massa de sociedades miseráveis e caóticas, cujos povos não foram treinados nos valores fundamentais da civilização ocidental.

É difícil negar que as elites parecem ter pouco interesse em promover o bem-estar das nações individuais. A política desestabilizadora de fronteiras abertas de Joe Biden foi, ou uma estratégia eleitoral cínica, ou um multiculturalismo fora de controle. Betz cita a preferência do atual primeiro-ministro britânico Keir Starmer por Davos, onde se reúne o Fórum Econômico Mundial, em detrimento dos salões parlamentares de Westminster, que Starmer descartou como “apenas um lugar de gritaria tribal”. E a União Europeia foi adequadamente descrita por Christopher Caldwell como “uma máquina de triturar sistemas de autogoverno nacional”.

Não menos prejudicial para a estabilidade das democracias ocidentais é a percepção de que as elites mudaram regras políticas e jurídicas de longa data para derrotar candidatos e partidos nacionalistas e anti-imigração. Exemplos recentes incluem a colaboração da CIA com a campanha presidencial de Biden em 2020 para desacreditar (falsamente) a história do laptop de Hunter Biden como desinformação russa; o cancelamento judicial, em dezembro passado, do primeiro turno das eleições presidenciais da Romênia (também sob a alegação de interferência russa); a decisão de um tribunal francês de barrar Marine Le Pen, líder do partido Reunião Nacional, favorito nas pesquisas, de concorrer às eleições presidenciais de 2027; e as tentativas em andamento da Alemanha de banir a Alternativa para a Alemanha (AfD), o maior partido de oposição do país.

Os exemplos acima são casos de “democracia gerida” ou “totalitarismo invertido”: a manipulação tácita por múltiplos atores, incluindo a mídia e o judiciário, de eleições e processos supostamente democráticos. A mídia americana rotineiramente descreve os leais ao MAGA (sigla inglesa para Faça a América Grande Novamente, o slogan de campanha de Donald Trump), a oposição romena, o Rassemblement National da França e a AfD da Alemanha como “extrema-direita”, suprimiu obedientemente a história do laptop de Hunter Biden e não questionou as alegações da campanha de Biden e da comunidade de inteligência sobre desinformação russa. Da mesma forma, juízes americanos decidiram que deportações de imigrantes ilegais criminosos, juntamente com a ordem executiva de Donald Trump que estabelecia requisitos universais de identificação de eleitor — ambos apoiados por supermaiorias de cidadãos americanos — são inconstitucionais.

Esses esforços parecem cada vez mais desesperados. Como observa Betz, a conectividade digital em massa, que permite que informações que de outra forma seriam minimizadas ou suprimidas alcancem grandes audiências, tornou as técnicas da democracia gerida cada vez mais ineficazes. Um candidato de direita acabou de conquistar uma vitória retumbante na repetição do primeiro turno das eleições presidenciais na Romênia. Nos EUA, meios tradicionais de manipulação política são mais difíceis de executar. Os americanos ficaram indignados ao saber que imigrantes ilegais usufruem de programas de assistência social que custam bilhões de dólares aos contribuintes anualmente, e a administração Trump está examinando o uso de fundos federais para fins abertamente partidários.

Diante de tal resistência, as elites parecem dispostas a redobrar táticas agressivas. Em uma recente carta de “Chamado à Ação”, ex-altos funcionários do Departamento de Estado — incluindo as ex-conselheiras de segurança nacional Susan Rice e Anthony Lake e dezenas de embaixadores dos EUA — alertaram que os americanos não podem esperar por eleições: uma crise de democracia, precipitada por Trump, exige que “mobilizemos” e “defendamos nosso modo de vida”. E em um artigo que questiona se já estamos em uma “guerra civil suave”, Matt Taibbi observa que o governador de Illinois, J.B. Pritzker, recentemente chamou os republicanos de “tiranos e traidores”, pediu “mobilização” e “protestos em massa” e exortou os democratas a “saírem da sua zona de conforto, irem para as ruas” e “lutarem, lutarem, lutarem”.

Esses apelos encontrarão públicos receptivos. O Ocidente sofre de um problema endêmico do capitalismo, identificado pelo economista Joseph Schumpeter há mais de 80 anos: a superprodução de elites credenciadas — em alguns países até 25% da população, estima Betz — que não conseguem garantir as posições de poder e influência que acreditam ter conquistado. Tendo-se voltado contra o status quo em nome da “justiça”, idolatrizam agentes de violência que combatem a “opressão” e a “exploração”, como Luigi Mangione, graduado da Ivy League e suposto assassino do CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson. Mais recentemente, o assassinato de Charlie Kirk foi celebrado em alguns setores como um golpe contra o “ódio” da direita.

A parte mais perturbadora da análise de Betz não é apenas que as condições atuais no Ocidente sugerem a probabilidade de agitação civil em metástase. É o cálculo dele das chances desse resultado. Baseando-se em parte no livro How Civil Wars Start de Barbara F. Walter (2022), Betz estima que, em um país onde estão presentes as condições primárias de agitação violenta, as chances de ela eclodir em qualquer ano são de 4%. Ele acredita que essas condições existem em pelo menos dez países ocidentais, o que significa — se a taxa de 4% estiver correta — que há 87% de chance de guerra civil em pelo menos um país ocidental nos próximos cinco anos.

Betz acredita que a Grã-Bretanha e a França estão mais em risco, seguidas pela Alemanha e pelos Estados Unidos. Desordem ou violência séria nesses países provavelmente surgirá em cidades com potencial para se tornarem “selvagens”, onde as condições favorecem gangues criminosas e organizações terroristas: cidades com governos falidos ou financeiramente comprometidos, corrupção endêmica, infraestrutura em ruínas, serviços básicos pouco confiáveis e “zonas proibidas”, onde o Estado de direito é efetivamente inexequível. Não é difícil apontar cidades — como Birmingham, no Reino Unido — que atendem a esses critérios.

É claro que, no sentido tradicional, “guerra civil” implica exércitos em combate, uma perspectiva que, nas democracias ocidentais, parece inconcebível fora de algum cenário de ficção científica. O alerta de Betz parece mais descritivo de uma agitação civil generalizada — uma perspectiva sombria o suficiente, especialmente com a crescente incidência de violência politicamente motivada nos Estados Unidos. Mas mesmo que sua advertência de “guerra civil” seja mais figurativa do que literal, sua plausibilidade é preocupante.

O que deve ser feito? Não podemos evitar uma combustão social violenta sem cortar o suprimento de oxigênio emocional que a alimenta. Isso exigirá reformas amplas em várias instituições, especialmente no governo, na mídia e na academia. Independentemente da avaliação que se faça das previsões de Betz, seria prudente começarmos esse esforço.

Jacob Howland vive em Austin, Texas, e escreve sobre questões contemporâneas sob uma perspectiva clássica.

©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Is the West Gestating Civil Unrest?.

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