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O ditador venezuelano Nicolás Maduro segura uma cópia da constituição durante coletiva de imprensa em Caracas, em junho de 2017 | Carlos Becerra / Bloomberg
O ditador venezuelano Nicolás Maduro segura uma cópia da constituição durante coletiva de imprensa em Caracas, em junho de 2017| Foto: Carlos Becerra / Bloomberg

No final de janeiro de 2016, o jornalista venezuelano Braulio Polanco levou um susto ao abrir o Twitter: ele e seus colegas estavam sendo atacados por um grupo de perfis que se diziam ligados ao governo de Nicolás Maduro. Ameaças de censura, de perseguição e, até mesmo, de morte. Os tuiteiros pró-Maduro escolheram como alvo o site satírico Un Mundo Triangular, do qual Braulio é fundador, que se tornou notório por seus textos ácidos e irreverentes em relação à situação do país.

O motivo dos ataques? Diversos veículos de outros países – entre eles, os brasileiros UOL e Correio do Estado – republicaram uma matéria dos venezuelanos como se fosse verdade. O título do texto original atribuía à ministra da saúde Luisana Melo uma citação fictícia: “a escassez de creme dental existe porque as pessoas escovam os dentes três vezes ao dia”. A frase fazia uma referência sarcástica a alguns dos argumentos utilizados para explicar a escassez de determinados produtos na Venezuela. 

A barrigada rendeu boas risadas, mas nem tanto para os autores da piada. “Não vou negar, a gente sentiu medo. Pensamos que a qualquer momento a polícia bateria na nossa porta”, conta o editor. “Isso acendeu os nossos sinais de alerta. Esse governo é tão insólito que um absurdo desses (a citação fictícia) parece plausível”. Por trás da sátira, a realidade era bem menos engraçada: a ministra de fato havia feito uma declaração revoltante – a de que a falta de remédios no país se devia ao consumo exagerado por parte dos pacientes. 

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Seis anos de oposição 

A história do portal começou no dia 7 de outubro de 2012, quando três jovens se juntaram para cobrir as eleições presidenciais daquele ano – as últimas antes da morte de Hugo Chávez, em março do ano seguinte, que levou Maduro ao poder. O trio é formado pelo comerciante Elvis Morales, o estudante de engenharia Edward Severeyn, que se mudou para o Chile, e Braulio. À época, nenhum passava dos 25 anos de idade. 

No início, a ideia era escrever piadas sobre o cotidiano, sobre o venezuelano médio, mas o plano não durou por muito tempo: a morte de Chávez poucos meses depois e a chegada de Maduro à presidência fizeram com que a crise venezuelana se acirrasse drasticamente. Era hora de tratar de assuntos sérios, ainda que o meio para isso fosse o deboche. “Não podíamos ficar falando meras bobagens. A situação demandava que falássemos de política”, argumenta o editor. 

Braulio explica que encara o site como um hobby, porque nem ele nem seus colegas investem ou ganham nada com o portal: “à diferença de outros meios, a gente não ganha um bolívar sequer pelo que fazemos. Mas temos uma audiência fiel”. Os redatores dedicam suas horas vagas a produzir conteúdo para o blog, que tem uma média de 20 publicações e mais de 50 mil visitas mensais. No Twitter, Un Mundo Triangular já passa dos 25 mil seguidores. 

Rotina difícil 

Quando conta sobre seu dia a dia de trabalho em Maracaibo, no norte do país, Braulio relata que sua principal dificuldade é com o transporte público, que está totalmente sucateado. A hiperinflação aumenta o custo de manutenção das unidades, o que faz com que as empresas tirem veículos de circulação. Mesmo com o tabelamento de preços, as passagens não são baratas para o poder aquisitivo dos venezuelanos. 

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O cotidiano também é de apagões, água suja saindo das torneiras e fome generalizada. Ainda há o problema do roubo de cabos de internet em vários pontos da cidade: “perto de casa, levaram os fios há mais de um ano e a empresa não tem como repor”. Assim, Braulio só tem acesso à rede no celular ou na redação onde trabalha – também é editor na Radio Fe y Alegría e escreve para o Caracas Chronicles. Apesar das ameaças sofridas quando sua sátira ganhou repercussão internacional, ele diz não sofrer qualquer tipo de censura em seu trabalho. 

O que tem garantido comida na mesa de Braulio e de outros venezuelanos é a chamada “moeda dura” (geralmente dólares, euros ou pesos colombianos), mais estável que a moeda venezuelana, cuja inflação pode passar da casa de 1.000.000% ainda em 2018. “Se você comete o erro de economizar em bolívares, amanhã não valem mais nada”, diz o jornalista, que faz colaborações com meios internacionais, o que representa a parte mais gorda de seu salário. 

Colaboração internacional 

No começo de novembro, Un Mundo Triangular formou parceria com o site brasileiro Joselito Müller, também de notícias satíricas. Com o acordo, os dois portais podem republicar o conteúdo do outro à vontade. Perguntado se a eleição de Jair Bolsonaro teve alguma influência nessa aliança, Braulio não titubeou: “sim, com certeza. Somos viciados pela maldade, pelo poder, pelas pessoas más. Só que ninguém nos explicou como uma pessoa tão má foi eleita. Então que nos diga alguém do Brasil, que certamente vai fazer uma análise melhor do que a nossa”. 

De acordo com Braulio, seu portal já havia unido forças anteriormente com um veículo uruguaio, mas os assuntos que vinham de Montevidéu eram pouco compatíveis com a situação venezuelana. “Lá não tem pobreza, populismo e essas coisas. (Comparado à Venezuela) é praticamente uma filial da Suíça na América Latina”, acredita. 

Recentemente, a Venezuela virou objeto de discussão de uma possível invasão militar norte-americana ou com auxílio de países vizinhos. Embora não haja qualquer posição oficial, fontes ligadas ao governo colombiano disseram que o presidente Iván Duque estaria disposto a participar da derrubada de Maduro. O portal do trio de Maracaibo inclusive publicou uma nota tirando sarro de quem acredita nessa saída: “Matou a mãe por acordá-lo enquanto sonhava que os Estados Unidos finalmente invadiam a Venezuela”. 

De acordo com Braulio, a linha editorial do site, apesar de oposta ao governo, ainda não apoiou a intervenção. “É algo muito perigoso. A guerrilha colombiana também vem marcando presença na Venezuela. E não há intervenção americana que não tenha sido sangrenta”, conclui.

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