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“A única mulher da minha vida”: a devoção de São Carlo Acutis a Maria

Peregrinos se reúnem na Praça de São Pedro, no Vacitano, para a canonização de Carlo Acutis
Peregrinos se reúnem na Praça de São Pedro, no Vacitano, para a canonização de Carlo Acutis (Foto: EFE/EPA/Massimo Percossi)

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Em “São Carlo Acutis: Uma Biografia” (selo Latitude), o escritor argentino Jesús María Silveyra reconstrói a vida do adolescente que soube unir devoção e modernidade: desde a infância marcada por uma sensibilidade espiritual fora do comum até a paixão pela tecnologia — que ele transformou em instrumento de evangelização ao criar sites sobre milagres eucarísticos e aparições de Maria.

O livro percorre sua trajetória, os milagres atribuídos à sua intercessão e os passos que levaram ao reconhecimento oficial da Igreja, além de incluir frases, orações e registros exclusivos da recepção do santo no Brasil.

O trecho a seguir ilumina um aspecto central dessa história: a relação de Carlo com Maria, “a única mulher de sua vida”. Entre rosários, peregrinações a santuários e confidências maternas, o jovem descobriu no colo da Virgem uma escada segura para chegar a Jesus — e nos convida a redescobrir, por meio de sua experiência, a força transformadora da devoção mariana.

“Maria é a única mulher da minha vida”, dizia Carlo em diversas ocasiões. Mas como ele a conheceu?

Sabe-se que Beata, sua babá polonesa, quando começou a trabalhar em sua casa, trouxe consigo uma imagem da Virgem de Częstochowa, padroeira da Polônia. Ela carregava uma bolsinha cheia de estampas dessa Virgem.

E, deixe-me explicar um pouco sobre essa imagem, por favor. Vale a pena.

Esse ícone está no principal santuário mariano da Polônia, conhecido como a fortaleza de Jasna Góra. É uma Virgem de pele negra, com duas cicatrizes na bochecha direita, marcas deixadas por uma agressão durante uma tentativa de roubo feita por hussitas reformadores vindos da Boêmia.

 Isso aconteceu por volta de 1430. Eles tentaram levá-la, mas não conseguiram, e a imagem foi resgatada, permanecendo até hoje na fortaleza.

Tive a sorte de visitá-la e contemplar seus magníficos mantos, confeccionados com placas de ouro, prata e pedras preciosas. E digo que, para os cristãos orientais, os ícones são muito mais do que simples imagens.

Eles são considerados uma espécie de manifestação visual da teofania, uma forma de criar um vínculo tangível entre os fiéis e a divindade. “Esta é Maria com seu filho Jesus”, Beata deve ter dito.

“E por que ela está ferida?”, provavelmente perguntou o menino. Por causa da incompreensão do mundo. Da mesma forma que, ainda em vida com Jesus, uma espada atravessaria seu coração aos pés da cruz, como profetizou o velho Simeão.

Mas Carlo não entenderia muito bem aquela ferida, nem aquelas contas de madeira ou pedraria unidas por um fio, que Beata lhe disse que formavam um rosário e que com ele se rezava a Maria e também a Jesus. “Porque foi com ela que ele começou a rezá-lo”, diria Antonia [Salzano, sua mãe].

Carlo o tocou, assim como, algum tempo depois, faria Rajesh, o funcionário hindu, e para ele o objeto pareceria semelhante ao rosário usado pelos muçulmanos na Índia

A diferença é que, no rosário católico de Carlo — que, segundo dizem, foi uma invenção de São Domingos de Gusmão —, as contas se organizam em séries de dez Ave-Marias separadas por um Pai-Nosso e um Glória, repetidas cinco vezes, representando os cinco Mistérios.

Há também quatro contas adicionais para orações como o Ato de Contrição (Pésame), o Credo, a Salve-Rainha, entre outras, e tudo termina em um pequeno crucifixo

Já o rosário muçulmano, em sua versão mais longa, tem 99 contas, usadas para recitar os 99 nomes de Allah, que para eles é o nome supremo de Deus. Entre esses nomes estão: o Misericordioso, o Compassivo, o Rei, o Santo, o Poderoso, o Indulgente…

A questão é que Carlo foi, desde menino, unindo a oração do terço à sua devoção a Maria. É que Maria estava presente em todas as igrejas, e muitas delas levavam seu nome, como a que ficava perto da casa dele: Santa Maria Segreta, cujo título soava bastante misterioso.

“Segreta” queria dizer “Secreta”, e muitos não sabiam exatamente a que isso se referia: se ao segredo da primeira igreja que levou esse nome, construída em outro ponto de Milão, e que dizem ter sido erguida em segredo sobre um antigo templo romano; ou ao segredo que Maria guardou em seu coração durante toda a vida — aquele que se deduz da passagem: “Maria, porém, conservava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração.” (Lucas 2,19).

Como um filho fala com a mãe

Talvez fosse esse o segredo que Maria começava a revelar a Carlo, por isso ele dizia que ela era “a porta segura para chegar a Jesus”. Não apenas a chamava de sua mãe espiritual, mas a via como intercessora, guia e protetora.

Mais tarde, Antonia diria que Carlo “falava com a Virgem como um filho fala com a mãe, com total confiança e naturalidade”. Além disso, para Carlo, o terço era “a escada mais curta para o céu” e “a arma mais poderosa contra o demônio”.

Isso me faz lembrar que Maria é aquela que, no Gênesis da Criação, aparece representada como a mulher que esmagará a cabeça da serpente; e, no Apocalipse, como a mulher que aparece como um sinal no céu: vestida de sol, com a lua sob os pés e uma coroa de 12 estrelas sobre a cabeça.

Talvez por tudo isso, depois de concluir seu trabalho de pesquisa sobre os “Milagres Eucarísticos”, Carlo iniciou outro sobre as “Aparições Marianas”. E, graças à escuta atenta dos pais e à boa situação financeira da família, pôde viajar com eles a Lourdes, Paris e Fátima, assim como a outros santuários marianos na Itália, como o importante Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, que visitaram em 2001.

Dizem que ele viajou com os pais a Lourdes em fevereiro de 2005, quando tinha 13 anos. E que, segundo o postulador da causa, foi ali, ao chegar à gruta de Massabielle, que renovou seu voto de fidelidade a Maria: o de rezar o terço todos os dias de sua vida, embora já o fizesse há anos, e se consagrou ao Imaculado Coração de Maria.

Beberam da água milagrosa e acenderam algumas velas, como os milhares de fiéis que estavam em peregrinação. Carlo estaria encantado de ver aquele caminho de luzes em torno de Maria, enquanto se elevavam os cantos de veneração. Porque Maria não é adorada, mas venerada de coração pelos católicos.

Aparição em sonhos

A Fátima viajariam em abril de 2006, cinco meses antes de sua morte. Foi uma visita muito significativa, por conta da devoção que Carlo tinha por essa Virgem e pelos três pastorinhos, que o inspiravam a praticar o pedido de Fátima: oferecer os primeiros sábados de cinco meses consecutivos com confissão, comunhão, reza do terço e 15 minutos de meditação, exatamente como também fazia nas primeiras sextas-feiras.

Carlo sentia que tinha muito em comum com os pastorinhos, por ter conhecido com tanta profundidade e fervor Jesus e Maria desde muito jovem. Chegava a dizer que, em sonho, Jacinta e Lúcia já haviam aparecido para ele e era comum vê-lo lendo as memórias de Lúcia.

Aparentemente, Jacinta teria aparecido a Carlo em sonhos e dito que não existiam palavras para descrever o horror do inferno. Foi aí que ele comentou com a mãe: “Você tem noção do que significa ir para o inferno? Por toda a eternidade?”.

E, falando das Memórias de Lúcia, Carlo se impressionou especialmente com o relato da aparição de 13 de maio de 1917, na Cova da Iria, em Portugal. Na ocasião, os três pastorinhos perguntaram à Virgem se iriam para o céu, e Maria respondeu que Jacinta e Lúcia, sim, mas que Francisco teria que rezar muitos terços.

Ao ler isso, Carlo ficou profundamente tocado e disse à mãe: “Se Francisco, que era tão corajoso, tão bom e tão simples, teve que rezar tantos terços para ir para o céu, como eu posso merecer também, sendo tão ímpio em comparação a ele?”.

Essas reflexões sobre o céu, o purgatório e o inferno o levariam, mais tarde, a organizar uma exposição e criar um site sobre o tema.

Manto intacto

E falando das diferentes devoções a Maria que existem em todo o mundo cristão, digo, como disse Carlo, que Maria é uma só, mas tem diferentes invocações.

Em muitos casos, estas correspondem à forma como ela apareceu ou foi representada; tanto no Oriente, mais com ícones, como no Ocidente, com estátuas, fossem estas de gesso, bronze ou mármore.

O caso da Virgem de Guadalupe, no México, é a grande exceção, porque Maria quis deixar um sinal concreto e imprimiu a si mesma na tilma (palavra de origem nauatle – a língua dos povos originários do centro do México – que significa “manto”) do índio São Juan Diego.

Ou seja, ela se retratou sobre o “ayate” de algodão com o qual Juan Diego cobria seu corpo do frio. E ela fez isso de uma maneira sobrenatural, que nem mesmo a NASA conseguiu explicar até hoje. Porque o manto permanece intacto depois de quase 500 anos.

Sua figura é do tamanho de uma mulher normal, tem a pele oliva, com um vestido florido e um manto cravejado de estrelas, que está pisando na lua e revestida de sol, quase como a mulher do Apocalipse.

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Conteúdo editado por: Omar Godoy

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