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Harvard
Portões da Universidade Harvard foram trancados em novembro de 2012 em resposta a um protesto estudantil. A instituição, em 2023, ganhou a pior nota em um ranking de liberdade de expressão.| Foto: Occupy Harvard/Wikimedia Commons

Resumo da reportagem

  • Harvard recebeu nota zero em “clima de expressão” pela organização FIRE, sendo a pior entre 254 instituições avaliadas.
  • Universidades públicas, como a Universidade Tecnológica do Michigan, lideram o ranking de liberdade de expressão devido à Primeira Emenda.
  • Estudantes que se consideram “muito progressistas” são quase quatro vezes mais comuns que os “muito conservadores”.

A renomada Universidade Harvard, localizada em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, tirou nota zero em “clima de expressão” na avaliação da mais importante organização não-governamental em defesa da liberdade de expressão do país, a FIRE — sigla em inglês para Fundação pelos Direitos e Expressão Individuais. É a pior nota entre 254 instituições de ensino superior avaliadas, no relatório anual que envolveu mais de 55 mil participantes. Isso significa que, entre as estudadas, Harvard é a que tem a cultura universitária mais repressiva e apoiadora da censura.

A mais livre, em contraste, é a Universidade Tecnológica do Michigan (MTU), instituição de 138 anos focada em pesquisa científica e que, ao contrário de Harvard, é estatal. Todas as cinco primeiras colocadas em livre expressão são públicas. Isso não é uma coincidência: por serem públicas, elas são sujeitas com mais rigor à Primeira Emenda da Constituição americana, a peça legislativa mais ampla em proteção à expressão no mundo. Das cinco piores no ranking, somente a Universidade da Carolina do Sul, com 27 mil estudantes, é pública. A predominância de instituições privadas entre as campeãs da censura advém de sua maior liberdade para criar as próprias regras em seus espaços, regras que estão mais ao sabor dos ventos ideológicos pró-censura.

Além de ser privada, Harvard está na lista das mais prestigiosas e antigas universidades americanas, conhecida como “Ivy League” (literalmente “liga da hera”, referência a seus belos jardins): Harvard, Yale, Pensilvânia, Princeton, Columbia, Brown, Dartmouth e Cornell. São oito universidades privadas com idades entre 387 (Harvard) e 158 anos (Cornell). Metade delas estão entre as 15 piores no ranking. Todas estão “abaixo da média” no “Clima de Expressão”, como a FIRE chama seu índice, com única exceção da Universidade Brown. A nota vai de zero a 100. Brown ficou com 52,86 pontos, classificada “mediana” no clima. A nota máxima das outras da Ivy League foi 39,02, de Princeton.

O famoso cientista cognitivo Steven Pinker, que leciona em Harvard, lamentou a nota zero da instituição no X (Twitter) e comentou que “estamos tentando fazer algo a respeito, começando com reuniões com a nossa nova presidente e reitora” Claudine Gay, cientista política celebrada como a primeira reitora negra da universidade. Em artigo de abril publicado no Boston Globe, Pinker afirma que “a confiança [pública] na educação superior está afundando mais rápido do que para qualquer outra instituição, menos da metade dos americanos acreditam que ela tem um efeito positivo no país”. Ele acrescentou que “grande parte desse desencantamento é pela impressão de que as universidades estão reprimindo diferenças de opinião, como nas inquisições e expurgos dos séculos passados”.

Como o Clima de Expressão nas universidades é investigado

A FIRE entrevistou 55.102 estudantes das 254 instituições. Em quatro anos da pesquisa de liberdade de expressão, já foram entrevistados mais de 150 mil. As perguntas foram formuladas para testar se eles se sentem à vontade para falar de assuntos em que eles são minoria de opinião na sala de aula ou outras áreas do campus, se estão abertos a ouvir palestrantes com opiniões diferentes ou controversas, e se são a favor ou contra interferir na fala de palestrantes convidados dos quais não gostam com barulho ou cancelamento do convite.

A universidade mais consistente em manter a livre expressão é a Universidade de Chicago, ganhadora do primeiro lugar em dois anos, com ranking médio no quarto lugar. O que ela fez foi o contrário do que Harvard fez: também privada, usou sua liberdade maior de “legislar” sobre o próprio espaço para aumentar a confiança dos estudantes de que podem falar o que pensam. A instituição é a sede de uma escola de pensamento liberal na economia e costuma entregar a cada novo estudante uma carta contra a censura, explicando o ambiente cultural que espera em seu campus.

“Você descobrirá que esperamos que os membros de nossa comunidade se engajem em debate rigoroso, discussão e até discordância. Às vezes isso pode ser um desafio para você e até causar desconforto”, dizia a carta de 2016, assinada pelo decano de estudantes John Ellison. “Nós não cancelamos palestras de convidados porque seus assuntos podem se mostrar controversos e não coadunamos com a criação de ‘espaços seguros’ intelectuais onde os indivíduos podem se esconder de ideias e perspectivas que vão de encontro às suas próprias”, acrescentava o documento.

Enquanto isso, no último ano Harvard teve nove tentativas de cancelamento, sete delas resultando em sanções contra o palestrante desaprovado pelos canceladores — uma taxa de sucesso de 78%. Na Universidade da Pensilvânia, a taxa de sucesso de censura é de 100%, com seis casos.

A diferença de opinião sobre censura entre as cinco piores e as cinco melhores do ranking, contudo, não é nada dramática. Menos da metade (48%) dos estudantes das cinco melhores, por exemplo, concorda que palestrantes que pensem que o aborto deve ser completamente ilegal devem ter permissão para falar no campus. Os alunos das cinco piores ficam somente cinco pontos percentuais atrás. O tema do aborto foi considerado o mais difícil de tratar no campus, por cerca de metade dos estudantes de ambos os grupos.

Quanto a quais atitudes censórias comuns “nunca são aceitáveis”, dos alunos das cinco mais livres, 45% pensam isso a respeito de censurar um palestrante fazendo barulho, 54% a respeito de barrar a entrada de outros estudantes para a palestra controversa, e 79% a respeito de usar violência. Entre os estudantes das cinco com ambiente mais repressivo, as porcentagens para essas posições são 27%, 46% e 68%, respectivamente. Em outras palavras, um terço dos últimos aceitam o uso da violência para praticar a censura.

Aquela nota máxima da Universidade Tecnológica de Michigan foi de 78,01. Como ela, apenas quatro tiveram um clima de livre expressão “bom”, na classificação da FIRE. Esse é o máximo de otimismo que a ONG se permite em seu relatório. Nenhuma universidade americana foi considerada muito boa ou excelente em liberdade de expressão.

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