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Rapaz é vacinado em Bangkok
Rapaz é vacinado em Bangkok, Tailândia, em 21 de junho de 2021. Estudo tailandês com metodologia singular aponta que o risco de inflamação do coração após a segunda dose da vacina de mRNA é bem maior do que se pensava.| Foto: Bigstock / Tong Patong

Um estudo realizado na Tailândia levanta suspeitas de que vacinas de mRNA contra a Covid-19 (como a Pfizer e a Moderna) elevam em cerca de duas mil vezes os sinais de inflamação no coração de adolescentes do sexo masculino. Embora pesquisas anteriores já mostrassem a inflamação no músculo cardíaco ou no revestimento do coração (miopericardite) como efeito colateral das vacinas e como sequela da própria Covid-19, a conclusão mais recente é que, entre os homens, há uma faixa etária em que a miopericardite vacinal apresenta mais riscos do que a adquirida após a infecção natural pelo coronavírus. O estudo tailandês também aponta que o risco é maior após a segunda dose.

Suspeitas nesse sentido começaram a surgir em fevereiro de 2021, com relatos de inflamação do coração após a inoculação com a vacina de mRNA da Pfizer entre militares de Israel. As primeiras estimativas, com bastante incerteza, variavam na faixa de um caso em 3.000 a um em 5.000. Na época, também já se desconfiava que o problema ocorria especialmente após a segunda dose.

Meses depois, em junho do ano passado, o professor de epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia em São Francisco, Vinay Prasad, e mais quatro médicos sugeriram aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos seis ações em resposta a esses alarmes preliminares, mas foram ignorados.

Entre as medidas sugeridas, estavam: dar somente uma dose; isentar os previamente infectados da vacinação; dar uma segunda dose mais diluída; banir ao menos para o grupo a vacina da Moderna, mais concentrada que a da Pfizer; exigir mais evidências antes de dar a dose de reforço (terceira) para rapazes; parar imediatamente de recomendar as doses para todos os adultos que tiveram a variante ômicron e se recuperaram, até que se fizessem estudos específicos nesse grupo.

Na época, Rochelle Walensky, diretora dos CDC, afirmou que “não vimos um sinal [de inflamação cardíaca pós-vacina] e procuramos intencionalmente por ele nas mais de 200 milhões de doses que demos”. Atitude semelhante de dispensar o risco, e às vezes fazer escolhas metodológicas que diluem o problema (como misturar os adolescentes aos idosos nas análises), foi vista também em muitas autoridades e comentaristas a respeito do risco de coágulos sanguíneos no caso das vacinas da Johnson & Johnson (Janssen) e da AstraZeneca/Oxford.

Prasad explica que a resistência à ideia da imunidade natural (adquirida após infecção) colocou mais homens jovens em risco, pois para esse grupo pegar a doença após duas doses tem risco maior de miocardite que pegá-la após uma única dose, ao menos em se tratando da vacina mais concentrada da Moderna. “O propósito de falar da miocardite não é criticar as vacinas — que são um bem tremendo —, mas levar a sério os sinais de segurança de forma que possamos personalizar estratégias apropriadas de vacinação de acordo com as idades e maximizar a eficácia e minimizar o dano”, comenta o especialista. “Isso é medicina introdutória.”

A Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA), responsável pela aprovação da vacina, deu à Pfizer até 2024 para produzir os dados completos da miocardite após a segunda dose em jovens de cinco a 15 anos, e até dezembro de 2022 para fazer o mesmo a respeito da terceira dose na faixa etária de 16 a 30 anos.

Cabe ressaltar que as novas vacinas para Covid-19, em diferentes estudos, se mostram claramente menos perigosas que a doença que buscam atenuar em diversos grupos, especialmente os idosos. Depois dos programas de vacinação, foram observadas quedas drásticas na quantidade de leitos hospitalares ocupados, além de quedas nas mortes causadas pela doença de coronavírus. Nesse sentido, os debates a partir da nova pesquisa devem englobar a necessidade de atualização da análise risco-benefício, além da revisão da vacinação obrigatória para que adolescentes possam frequentar escolas e universidades.

Estudo tailandês

Embora a amostra do estudo realizado na Tailândia não seja grande – foram 99 garotas e 202 garotos, com idades entre 13 e 18 anos –, a grande vantagem da pesquisa é a metodologia prospectiva. Ou seja, os cientistas acompanharam os jovens em longo prazo, desde antes da segunda dose, monitorando diferentes sinais cardíacos, tanto os sinais elétricos dos batimentos quanto os sinais químicos no sangue. O estudo é pioneiro na metodologia aplicada a esse problema, o que não foi feito por nenhuma das grandes agências de saúde do Ocidente.

Como resultado, 3% dos garotos apresentaram sinais de inflamação no músculo cardíaco ou no revestimento do coração após a segunda dose. Antes, as estimativas para a incidência desse problema nessa faixa etária eram de 13 casos a cada um milhão de vacinações completas (com duas doses). A nova estimativa é, portanto, mais de duas mil vezes mais alta.

Somente os meninos apresentaram sinais cardíacos preocupantes após a segunda dose no estudo. Foram sete deles, sendo que em quatro esses sinais foram subclínicos, ou seja, sem manifestações mais condutivas à atenção dos médicos, como dor no peito. Dois foram hospitalizados. Um foi internado com arritmia e ficou sob observação.

Outros resultados já eram conhecidos de investigações anteriores: a miopericardite vacinal não costuma matar (nenhum participante morreu), e a hospitalização foi necessária pelo período de menos de uma semana em dois casos (média de 4,5 dias).

A pesquisa tem seis autores associados a quatro instituições sediadas na capital Bangkok: o Hospital Bhumibol Adulyadej, o Departamento de Medicina Tropical Clínica da Universidade Mahidol, o Departamento de Patologia Tropical da Universidade Mahidol e o Hospital Samitivej Srinakarin. Suyanee Mansanguan assina a primeira autoria, Chayasin Mansanguan lidera o estudo.

Cardiologistas mostram preocupação

Anish Koka, cardiologista na Filadélfia, afirma em publicação própria que nenhum especialista gostaria de ver o próprio filho com os níveis de inflamação cardíaca no sangue observados no estudo da Tailândia. “Dado o risco teórico de arritmias cardíacas malignas, imagino que a maioria dos cardiologistas seguiriam as atuais diretrizes para a miocardite e aconselhariam contra atividade cardíaca intensa por alguns meses”, comenta. “A morte súbita cardíaca em atletas jovens é obviamente uma complicação medonha que é muito real, e é provável que alguma porção das mortes súbitas cardíacas venha da miocardite subclínica”, como a observada nos quatro pacientes sem dor no peito do estudo.

Para Ellen Guimarães, cardiologista e eletrofisiologista que atua em Goiânia, o estudo tailandês é importante porque é o primeiro a fazer uma análise em série de marcadores de lesões cardíacas. Esses marcadores são substâncias liberadas pelo coração quando ele sofre danos, como a troponina. O valor elevado de troponina encontrados nos garotos “não é um achado comum”, disse a médica à Gazeta do Povo. Mas ela sugere cautela: em relação às anormalidades nas medidas de sinais elétricos do coração, “temos que nos policiar, já que eletrocardiograma de criança e adolescente tem peculiaridades que não são verdadeiramente alterações anormais”.

Em todo caso, o acompanhamento a longo prazo é importantíssimo, pois as inflamações do coração pós-vacinação, mesmo que leves, podem gerar cicatrizes no músculo cardíaco “que são substrato para arritmias cardíacas e morte súbita”, alerta Ellen.

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