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Vexames no palco global: o preço da falta de bússola da diplomacia brasileira

Presidente Lula discursa na ONU em 22 de setembro: política externa rebaixa o Brasil.
Presidente Lula discursa na ONU em 22 de setembro: sob o PT. diplomacia isolou o Brasil. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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A política externa brasileira, sob a batuta do governo Lula, parece ter se enveredado por um caminho peculiar, onde a "excelência" cede lugar ao "excêntrico", e a diplomacia, que já foi motivo de orgulho nacional, parece ter tirado férias coletivas em um destino incerto. Observa-se, com um misto de perplexidade e divertimento ácido, a encenação de um teatro de absurdos cujo enredo principal girou em torno do infeliz ministro Alexandre Padilha e sua saga americana.

A cena inaugural dessa tragicomédia, digna de um vaudeville político, mostra o ministro Padilha tendo sua capacidade de circulação, por ocasião de participação de assembleia na Organização das Nações Unidas em Nova Iorque, singularmente reduzida em território americano. O que deveria ser uma mera formalidade diplomática transformou-se em constrangimento público e vexame internacional, pois coloca o Brasil em uma “seleta” lista de países cujos representantes políticos são considerados indesejáveis pelo governo dos Estados Unidos, ao lado de Rússia, Irã, Venezuela, Síria, Cuba, China e Coreia do Norte. Ombrear em tal lista com companhia tão refinada é de encher qualquer um do mais “altivo e ativo” orgulho. 

O episódio envolvendo Padilha transcende o mero embaraço diplomático. Ele se solidifica como uma obra-prima de falhas bisonhas na condução da política externa brasileira, fruto de erros estratégicos que convergiram para um crescente isolamento internacional e uma diplomacia que parece operar sem bússola nem rumo, culminando em notável perda de densidade e, dir-se-ia, de dignidade.

A resposta a esse vexame internacional não poderia ser mais previsível ou, para usar um eufemismo, "estrategicamente conveniente". Diante da fragilidade escancarada, a saída populista emerge como a solução mais cômoda: a criação de um "inimigo externo" e o brado retumbante por "soberania". Essa manobra, tão antiga quanto a própria arte de desviar o foco, serve como cortina de fumaça para as ineficiências internas e a falta de tato diplomático. Enquanto o Brasil se ocupa em clamar por sua autonomia frente a um fantasma convenientemente fabricado, a realidade dos entraves diplomáticos concretos permanece intocada.

A gestão da política externa, quando pautada por estratégias cuja sagacidade é inversamente proporcional à sua eficácia, tem a infelicidade de criar um ambiente propício para atritos desnecessários e a diminuição da capacidade de resposta a crises. Algumas abordagens geopolíticas revelaram-se notavelmente prejudiciais aos interesses nacionais e globais, uma demonstração cabal de como o "brilhantismo" pode, por vezes, cegar.

É nesse cenário que a "diplomacia de excelência" parece ter sido terceirizada, entregue às mãos de figuras que parecem mais relíquias de um passado que insiste em se fazer presente, como Celso Amorim, cujo semblante sempre raivoso – talvez imerso em sua absolutamente equivocada autopercepção de superioridade intelectual – transmite de maneira cristalina a triste imagem de que a renovação, a agilidade e o pragmatismo, tão necessários em um tabuleiro geopolítico dinâmico, foram substituídas por uma espécie de nostalgia diplomática coberta por mofo ideológico.

Com audácia digna dos piores desvarios, a política externa brasileira abraçou o confronto aberto com o governo Trump. O "tarifaço" de 50% sobre produtos brasileiros não foi mera disputa comercial, mas sinalização política explícita. A administração Trump vê o governo brasileiro – com grande contribuição do STF – como uma entidade liberticida, censora e policialesca.

 Essa postura opunha-se, com notável sucesso, aos princípios valorizados por Washington. O desafio frontal a interesses e valores norte-americanos, desprovido dos recursos políticos, econômicos ou, mesmo, militares consistentes para sustentar tal "bravata", predispôs o Brasil a tensões e retaliações que, convenhamos, não deveriam ter surpreendido ninguém, como esta Gazeta e este articulista já vêm alertando há tempos. 

As consequências dessa antagonização, que não se limitou a um desentendimento de salão, não descartam a aplicação de sanções econômicas e potencial redução – ou mesmo suspensão integral – da cooperação militar bilateral, no contexto da qual as Forças Armadas brasileiras sobretudo recebem apoio de sua contraparte norte-americana e têm acesso a sistemas de armas avançados. A lei "No Censorship On Our Shores" nos EUA, visando negar vistos a quem violasse a liberdade de expressão, foi um lembrete sutil de que certas liberdades são levadas a sério além de nossas fronteiras, deixando o Brasil vulnerável a incidentes como o de Padilha.

Em um lance de perspicácia econômica digna de um Ministro da Fazenda que confessa seu apedeutismo no tema, a política externa optou por uma dependência quase umbilical da China, franqueando setores inteiros da economia nacional ao capital chinês, um arranjo indissociável das amarras que o prendem à cosmovisão do governo de Pequim. Essa dependência excessiva foi mais uma predileção ideológica que uma necessidade estratégica. A concentração de relações comerciais e investimentos em um único player cria uma vulnerabilidade intrínseca que só um gênio da estratégia poderia ignorar. Choques econômicos ou decisões políticas unilaterais chinesas podem ter um impacto desproporcional na economia brasileira, instrumentalizando o comércio e limitando a autonomia decisória do Brasil.

A coroação dessa diplomacia de resultados canhestros talvez tenha se dado com o injustificável alinhamento a regimes como os da Rússia, Irã e Venezuela. Atos tresloucados de aproximação com a Rússia entregaram, com generosidade ímpar, capital político a um autocrata responsável pela mais ampla agressão militar havida na Europa desde o fim da II Guerra Mundial. No Oriente Médio, o governo se posicionou de forma explicitamente hostil a Israel e, em um arroubo de solidariedade, endossou o regime pária e programaticamente genocida do Irã, sem esquecer a postura condescendente, quando não cúmplice, com a ditadura venezuelana, decerto nela enxergando um modelo multigeracional de narcoditadura socialista no qual o consórcio de poder que ora governa o Brasil pode se inspirar. 

Essa valsa geopolítica macabra acarretou um custo reputacional imenso ao Brasil, projetando uma imagem profundamente negativa e em desacordo não apenas com suas melhores tradições diplomáticas, mas completamente dissociada do interesse nacional. Tais escolhas, com requintes de crueldade, implodiram o pouco que ainda restava da previsibilidade, da credibilidade e do prestígio internacional que a diplomacia brasileira levou mais de dois séculos para construir, isolando o país de parceiros tradicionais e, ironicamente, legitimando preocupações externas.

Essas estratégias forjadas em algum laboratório clandestino do multiverso impactaram a estabilidade nacional, a economia e os valores democráticos com uma ironia que só a realidade pode oferecer. O alinhamento com potências revisionistas e regimes que desafiam a ordem internacional implicou em uma contribuição indireta e pouco honrosa para a instabilidade global. A postura dúbia na guerra da Ucrânia, tratando a vítima como algoz, demonstra um desvio moral tão acentuado que compromete a capacidade de atuar como mediador – uma verdadeira "diplomacia de funambulismo", a arte circense de se equilibrar em uma corda entre dois pontos. Por fim, o apoio a regimes autoritários, aliado à percepção de que o poder interno atua para "cercear a liberdade de expressão", gerou uma contradição flagrante que dilui a força moral de qualquer diplomacia.

O Brasil demonstra sinais de um crescente isolamento. A deterioração de relações tradicionais, fruto de uma postura mais ideológica e, por vezes, ostensivamente hostil a nações desenvolvidas, foi um triunfo da ideologia sobre a inteligência. Isso gerou uma perda de protagonismo internacional e a fragilização de acordos comerciais e alianças regionais, minando a credibilidade e a capacidade do país de mobilizar apoio, culminando em um triste espetáculo de autossabotagem.

A falta de uma visão clara e de objetivos bem definidos na política externa brasileira atual é uma obra-prima da miopia e da incompetência estratégica. O episódio Padilha é um microcosmo que reflete a interconexão dessas determinantes. As estratégias geopolíticas improvisadas e com resultados, no mais das vezes, negativos, contribuíram, com grande eficiência, para o isolamento do Brasil, que por sua vez, reduziu a alavancagem diplomática a níveis quase folclóricos. 

A principal consequência, e talvez a mais amarga, é o enfraquecimento, a níveis inauditos, da posição do Brasil no tabuleiro global. Isso levou à diminuição de sua capacidade de negociar, influenciar e ser visto como um parceiro sério e confiável – ou, mais precisamente, de ser visto como um parceiro. A lição amarga é que uma política externa robusta exige clareza de objetivos, um pragmatismo que não se curve à ideologia, e a pronta defesa de seus cidadãos e símbolos nacionais – um manual de boas práticas que, durante todos os governos lulopetistas, foi sumariamente descartado.

O episódio Padilha, mais do que um mero incidente, emerge como epílogo de uma tragédia diplomática autoinfligida. A redução da mobilidade de um ministro brasileiro, relegando-o ao tratamento dispensado a representantes de regimes párias, não foi obra do acaso, mas o resultado inevitável de uma teia de erros estratégicos amparados por políticas liberticidas, censoras e ditatoriais. Ao flertar com o antagonismo ideológico em vez do pragmatismo, ao abraçar dependências unilaterais e ao confraternizar com autocracias, o Brasil trocou seu histórico prestígio por um isolamento voluntário.

A "diplomacia de excelência", em sua suposta genialidade, revelou-se um fiasco lamentável, um monumento à falta de propósito e à inabilidade. Tal será, sem dúvida, o nefasto legado de Celso Amorim e seus discípulos à política externa brasileira. Assim, com uma coerência dramática, a nação que outrora sonhou com um palco global viu-se relegada aos bastidores, com seus representantes merecidamente tolhidos, sua voz enfraquecida e seu futuro diplomático, infelizmente, mais incerto do que nunca. A lição, gravada a fogo neste constrangimento, é um testamento amargo da futilidade e da perversidade de uma política externa que esquece seus princípios e abandona seus interesses em favor de um espetáculo de horrores.

Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA), ex-secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa e ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior do Brasil (CAMEX).

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