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Boneco de Marty McFly, um adolescente de uma pequena cidade californiana, do filme “De volta para o futuro”: personagem viaja no tempo em um carro modificado | Pixabay
Boneco de Marty McFly, um adolescente de uma pequena cidade californiana, do filme “De volta para o futuro”: personagem viaja no tempo em um carro modificado| Foto: Pixabay

Você provavelmente já passou por isso em algum momento ao abrir a seção de política desse jornal: a impressão de já ter lido as mesmíssimas manchetes em outras oportunidades.  

Acredite, você não está sozinho nessa.  

A sensação é que estamos todos presos no tempo, em looping, vivendo como num eterno dia da marmota em que sempre damos de cara com o Bill Murray no espelho do banheiro. Uma espécie de 2001 que nunca acaba, sem uma odisseia no espaço pra chamar de nossa. 

E se você ainda não se deu conta disso, talvez esse seja o melhor momento. Você seria capaz de apostar de que ano são essas manchetes? 

“STF aceita denúncia da Procuradoria-Geral da República e abre processo contra 40” 

“Força Nacional reforça policiamento no Rio” 

“Presidente do Conselho de Ética arquiva representações contra cacique do PMDB” 

“'Não se faz política sem traidores', diz Collor” 

“Um em cada sete deputados é processado ou investigado por crime” 

“Onda de ocupações atinge universidades federais” 

Essa é fácil, você deve estar pensando. Todos nós cansamos de ler e ouvir essas notícias nos últimos meses. 

Só tem um problema: esse era o noticiário político de 2007, há longos 10 anos. Você ainda nem acessava o Facebook, mal sabia o que era um smartphone, nunca tinha ouvido sequer falar em lacrar ou mitar, e todo fuzuê político já girava em torno dos mesmos assuntos. 

E essas notícias aqui? 

“Envolvido em escândalo sobre a origem de um sítio e um apartamento, Lula é convocado a dar explicações” 

“Michel Temer conta com apoio de Geddel e Padilha para articular reforma no Congresso e irrita sindicatos” 

“PT é acusado de escândalo de corrupção; dirigentes negam” 

“Presidente diz não ter interesse pessoal na reeleição” 

“MST coloca milhares de pessoas nas ruas de Brasília em protesto contra o governo” 

“Presidente convoca ministro Eliseu Padilha para articular operação abafa contra CPI”  

Soam familiar pra você? Todos nós provavelmente lemos isso tudo numa única edição desse jornal na semana passada. 

Essas manchetes, no entanto, são do longínquo ano de 1997. Inacreditáveis duas décadas de marasmo e repetição. 

O Titanic ainda estava no cinema, O Rei do Gado ainda passava de forma inédita na tv, as Spice Girls ainda dominavam as paradas de sucesso e o Lula já devia explicações sobre um sítio e um apartamento, o PMDB e o PSDB articulavam para esconder seus escândalos, Michel Temer liderava reformas no Congresso e o PT negava denúncias de corrupção. 

É um fenômeno inquestionável. Sem grandes surpresas, a cada ano, a cada década, a cada geração, as notícias se repetem por aqui, gerando as mesmas comoções e respostas dos mesmos grupos políticos. É quase como se estivéssemos numa espécie de Show de Truman e nunca fôssemos avisados do teatrinho mambembe que é a vida pública no país. 

PT lança nota de apoio a regime ditatorial e é questionado por opositores. 

Governo confirma reajuste na gasolina. 

Lideranças do PMDB são denunciadas por corrupção. 

Artistas assinam manifesto em defesa de candidato. 

Dirigente é acusado de desvio de dinheiro em estatal. 

Violência urbana atinge recorde nas principais capitais do país. 

2017 ou 1997 é só uma questão de perspectiva. Você ainda não se deu conta disso, mas nós estamos todos trancados numa máquina do tempo. 

Entra mês, sai semana, os mesmos candidatos, nos mesmos partidos, propondo as mesmas soluções; com os mesmos slogans, os mesmos jingles e os mesmos bebês carecas no colo; os mesmos braços dados em palanque, os mesmos problemas com a contabilidade da campanha, as mesmas falsas demonstrações de fé; a mesma pretensiosa aproximação com a classe trabalhadora, as mesmas promessas furadas, as mesmas desculpas esfarrapadas para cada acusação.  

Em décadas, são os mesmos nomes ganhando as manchetes dos jornais. Anos oitenta, anos noventa, anos dois mil, semana passada, ano que vem. Pouco importa. 

Romero Jucá, José Serra, Renan Calheiros, Ronaldo Caiado, Edison Lobão, Jader Barbalho, José Agripino, Heráclito Fortes, Lula, Jandira Feghali, Blairo Maggi, Aécio Neves, Moreira Franco, Aloysio Nunes, Eliseu Padilha, Arlindo Chinaglia. 

É quase como se o estagiário da TV Senado fosse treinado para colocar todo dia o mesmo videotape no ar. 

O subdesenvolvimento é um percurso cíclico. 

O atraso econômico gera o inimigo imaginário - o discurso contra as privatizações, os empreendedores, os ianques, o livre mercado. 

O revanchismo acende o populismo - a promessa de que o problema histórico é resultado de mera ausência de vontade política, a adoção da centralização das decisões econômicas pelos agentes públicos, o clamor à onipotência da burocracia, a batalha desenfreada contra os donos de negócios, a condenação ao capitalismo, a garantia de direitos que não garantem nada. 

O paternalismo diminui a produtividade geral - aumentando o gasto público, criando imposições à contratação de mão de obra através de legislações trabalhistas antieconômicas, impondo barreiras ao livre comércio, asfixiando a produção com novas taxas, tarifas e cobranças de impostos, diminuindo capital humano através de uma educação intoxicada com subjetivismos ideológicos em detrimento ao preparo ao mercado de trabalho, glamourizando a mentalidade anticapitalista. 

As barreiras à produção geram atraso econômico - pobreza, violência, instabilidade institucional, corrupção, desigualdade, ignorância. 

De tempos em tempos, as crises afloram ajustes necessários de curta duração pela única sobrevivência da máquina - a perda de um privilégio aqui, a extinção de um benefício lá, a venda de uma estatal acolá. Cada medida na contramão do patrimonialismo histórico, cada mínima flexibilidade na legislação laboral, cada queda inevitável dos gastos públicos, à revelia dos detentores do poder, inflama discursos acalorados de grupos de pressão que circundam o tesouro nacional como insetos voadores em lâmpadas incandescentes. 

Todas essas ações, incapazes isoladamente de acender uma mínima mudança sustentável de perspectiva - longe de enxugar a máquina, de modernizar as leis do trabalho e de incentivar a produtividade - acabam fatalmente servindo apenas como palanque para o populismo, atraindo um sem fim de líderes messiânicos que, abraçando as mesmas soluções e condenando os mesmos inimigos, se comprometem em conduzir o país para o mesmo ciclo de subdesenvolvimento crônico a que estamos condenados desde o dia em que um barco lusitano ousou atracar por aqui. 

A consequência é registrada em jornais como esse: a vida se repete em torno das mesmas coisas. 

Foram os franceses, aliás, que apelidaram essa estranha sensação - a de já ter visto ou vivido algo que, paradoxalmente, está acontecendo pela primeira vez. Chama-se déjà-vu

Todos nós já passamos por isso em algum momento das nossas vidas, o pressentimento de testemunhar um defeito aparente na linha do tempo (a reação, longe do que parece, não é um evento sem explicação - ocorre quando há uma falha cerebral, um bug em nossos processadores: os fatos que estão acontecendo são armazenados diretamente na memória de médio ou longo prazo, sem passar pela memória imediata, o que nos dá a nítida impressão de já termos passado por aquela experiência). 

A única maneira possível de quebrar essa corrente de subdesenvolvimento é aplicando o efeito exatamente oposto ao déjà-vu no inconsciente coletivo - aquilo que o professor de Standford, Robert Sutton, chama de vuja-de: não mais a estranha sensação de já ter vivido uma determinada ação, mas aquela de quando encontramos um novo modo de enxergar fatos já conhecidos. 

Marcel Prost disse uma vez que “o verdadeiro ato de descoberta não consiste em encontrar novas terras, mas em ver com novos olhos”. 

Nós jamais sairemos desse eterno 1997 e alcançaremos o país do futuro enquanto não mudarmos de perspectiva e encararmos de frente o fato de que estamos aplicando sempre os mesmos procedimentos equivocados para as velhas doenças. 

O populismo não irá solucionar os nossos problemas. O populismo é o problema.

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