
A expressão "o tempo não perdoa" reflete a evolução do corpo humano ao longo dos anos. É preciso se preparar desde cedo para chegar na chamada "melhor idade", expressão vinculada aos idosos com mais de 80 anos, com liberdade e autonomia. A maioria dos acidentes com idosos ocorre em casa, em razão de um problema de saúde (como hipertensão ou labirintite) ou dificuldade típica dessa fase da vida, associados a uma residência mal planejada.
Entre as dificuldades típicas do envelhecimento, além da diminuição da visão e da audição, está também uma perda de massa muscular (que impede a sustentação correta do corpo em algumas situações) e a diminuição abrupta da circulação sanguínea cerebral que pode ocorrer a cada mudança muito rápida de posição, facilitando a queda.
A combinação de muitos remédios juntos também pode causar efeitos colaterais perigosos como tontura, hipertensão e fraqueza nas pernas. "Dificuldades como essas associadas à falta de atividade física e a costumes perigosos, como o uso de chinelos, que deixam o calcanhar solto, e a movimentação rápida demais de uma posição para outra, que não dão tempo para o corpo se equilibrar, são os principais causadores de quedas", explica o chefe do setor de Geriatria do Hospital Cajuru, José Mário Tupiná Machado, acostumado a investigar as causas dos acidentes de seus pacientes e a aconselhá-los a ter hábitos mais seguros.
O uso de chinelos é um costume que não faz parte da rotina de Rosa Dirce Fontana da Silva, 79 anos, aposentada. Moradora de uma casa antiga, com mais de 25 anos de construção, no bairro Jardim das Américas, Dirce anda somente de sapatos fechados ou sapatilhas, fez da garagem sem carros uma varanda mobiliada e mantêm os ambientes sem obstáculos. Sala e quarto têm circulação ampla, tapetes (os quais ela ainda não descartou) têm rede antiderrapante debaixo e móveis têm altura boa, fáceis de sentar e levantar. "Não fiz nenhuma grande mudança porque não senti necessidade, me viro super bem. Mesmo no período em que fiz uma cirurgia de coluna, há três anos, e fiquei um tempo de andador e depois de bengala, não senti dificuldades. A casa é toda térrea e embora tenha alguns degraus, principalmente na área de serviço e no quintal, pode ser adequada com o tempo."
Circulação ampla, piso antiderrapante, móveis nem muito altos e nem muito baixos e uma iluminação adequada fazem toda a diferença na vida de uma pessoa que passou dos 65 ou mesmo dos 80. Para aqueles que pretendem construir em breve ou estão procurando um novo imóvel, vale prestar atenção nas dicas que vêm a seguir. Os conselhos são dos arquitetos Ricardo Mesquita, especialista em acessilibilidade; Sandra Pinho Pinheiro, da Baggio & Schiavon e especiliazada em Saúde; e Cybele Barros, criadora do programa Casa Segura, lançado em 2003, no Rio de Janeiro, com foco em construções ideais para a terceira idade. Boa parte das dicas consta na NBR9050, norma de acessibilidade da ABNT. Confira:
Sala
No interior de casas com mais de um andar deve-se prever um espaço de 1 por 1,40 metro para a instalação futura de um elevador. De forma geral, prefira uma pintura de cor clara (pode-se intercalar texturas e pintura normal para estimular a sensibilidade do idoso), acompanhada de uma iluminação sempre uniforme, contínua (com vários pontos) e anti-ofuscante (lâmpadas leitosas que oferecem uma iluminação indireta).
Os interruptores devem estar entre 60 e 100 centímetros do chão. Já as tomadas devem estar entre 40 e 100 centímetros do chão. O ambiente todo deve ser livre, sem obstáculos como móveis e objetos baixos, com espaços de circulação de cerca de 80 centímetros de largura.
Sofás e poltronas devem ser confortáveis, mas não muito macios (densidade moderada), com assento de 50 centímetros de altura do chão, em média, e profundidade de 70 a 80 centímetros, para que sejam fáceis de sentar e levantar.
As cadeiras da sala de estar devem ter o espaldar alto e apoios laterais para os braços. Já as cadeiras da mesa de jantar não devem ter braços. A mesa de refeições deve ter uma altura mínima livre (isso quer dizer sem obstáculos debaixo da mesa) de 75 centímetros do chão e bordas arredondas (aliás, essa é uma dica para todos os móveis da casa).
A mesa de apoio ou lateral deve ser fixa, ter espaço para objetos como telefone e luminária (também fixa), com uma altura média do chão de 60 centímetros. Aqui o piso pode ser cerâmica, carpete (com cerdas baixas) ou laminado de madeira (com desenhos em relevo que aumentam o atrito). Tapetes não podem ficar soltos, devem estar colados ao chão e com uma proteção antiderrapante embaixo (tapetinho emborrachado específico encontrado em lojas de artigos para a casa e supermercados).
Banheiro (foto 1)
Além da porta com passagem mínima de 80 centímetros, é preciso espaço suficiente para que o usuário possa entrar com uma cadeira de rodas e se transferir para o vaso sanitário pela lateral da louça, nunca pela frente. Para isso é preciso uma barra lateral e outra presa a parede do vaso, ambas com 80 centímetros de comprimento e a 75 centímetros de altura do chão (essa altura livre, sem obstáculos, também deve ser respeitada na bancada da pia, que também deve ter proteção do sifão para evitar que uma pessoa em cadeira de rodas machuque a perna na instalação). A altura da bacia sanitária do chão deve ficar entre 43 e 45 centímetros (48 com o assento). No box, além das barras de apoio, também é indicada a instalação de um banco fixado à parede ou mesmo o uso de uma cadeira de banho. Neste ambiente, a consulta de um arquiteto ou engenheiro conhecedor das normas de acessibilidade é indicada, já que são muitos detalhes a serem observados e que mudam de acordo com as necessidades de cada idoso.
Cozinha
O primeiro passo é a organização do espaço. Ela poder ser feita de maneira linear (fogão, ao lado da pia, ao lado da geladeira) ou triangular (fogão ao lado da pia e ambos de frente para a geladeira). A altura mínima da bancada entre 85 a 90 centímetros do chão, livre, ou seja, sem obstáculos debaixo da pia e com proteção de sifão (no caso de alguém com cadeira de rodas, essa pessoa chegará sem problemas à pia e sem risco de machucar as pernas no sifão, um problema bem comum para cadeirantes).
A torneira deve ser de fácil manuseio, dos tipos alavanca ou monocomando. Os armários devem ficar ao alcance das mãos, assim como eletrodomésticos. As gavetas devem ser fáceis de abrir e ter trava de segurança. Um carrinho com rodinhas ajuda a mover os alimentos e os utensílios de um ambiente a outro. Na louça em geral dê preferência para copos e pratos de plástico e metal que, geralmente, não machucam em caso de acidente. Para o fogão prefira um modelo com botões de controle na parte da frente e chama de segurança no forno (que interrompe o gás em caso de vazamento). O botijão de gás deve ficar fora de casa.
Áreas externas e circulação (foto 2)
O piso deve ser antiderrapante, ou seja, áspero. Pode ser cimento (não queimado), pedras (não polidas) ou porcelanato e cerâmica (rugosos). Rampas são a melhor forma de acesso, com inclinação máxima de 8% (sendo que o ideal é 6%, veja nesta página como calcular essa inclinação), acompanhadas de corrimãos, de preferência, com duas alturas (a primeira de 92 centímetros do chão e a segunda a 70).
Se as escadas forem necessárias, lembre-se de fazê-las de forma confortável, com 28 a 30 centímetros de profundidade e entre 17 e 18 centímetros de altura (espelho). Não se esqueça de demarcar bem o início e o final do lance de escadas e rampas com uma faixa, 30 centímetros antes e depois, de piso podotátil cromodiferenciado (piso com relevos em cor diferente do restante do revestimento). Isso é importante para pessoas com perda parcial de visão. Degraus iluminados ou com fitas luminescentes também são indicados.
Toda a área externa da casa deve ser bem iluminada, facilitando a visão de dentro para fora da casa. A porta de entrada, além de ter 80 centímetros de largura (90 é melhor, se possível), deve ter uma maçaneta do tipo alavanca (comprida e não redonda) que deve estar abaixo da fechadura (algo muito incomum na maioria dos modelos do mercado).
Desníveis de até 5 milímetros não são considerados obstáculos. Entre 5 e 15 milímetros devem ser vencidos com uma rampinha de 50% (com comprimento equivalente a duas vezes a medida da altura do desnível). Para mais de 15 milímetros é preciso uma rampa com elevação de, no máximo, 8%.
Quarto
É ideal deixar, no andar de baixo da casa ou apartamento, um banheiro e um quarto ou sala com espaço e condições suficientes para acomodar um idoso de forma acessível. A cama pode ter largura e comprimentos variáveis, mas a altura deve estar entre 45 e 50 centímetros do chão ou o bastante para que o idoso, quando sentado, possa apoiar os pés plenamente no chão.
A densidade do colchão e o uso do travesseiro devem ser adequados ao peso e às exigências de saúde da pessoa. A altura da mesa de cabeceira, que não pode ter cantos vivos, deve ser de 10 centímetros da altura da cama. O ideal é que seja presa no chão ou na parede, evitando que se desloque caso a pessoa precise apoiar-se nela ao levantar. Em cima da mesa deve ter espaço para um relógio digital de números grandes, suporte para copos, telefone com números de auxílio programados, controle remoto da televisão e ar-condicionado e luminária fixo no tampo ou na parede.
Na gaveta sempre é bom um lugar para uma lanterna em caso de falta de luz. Uma campainha de emergência instalada próxima da cama, a uma altura entre 60 e 100 centímetros do chão, também é indicada.
Os armários devem ter portas leves, com puxadores do tipo alça, de preferência de correr, e o cabideiro deve ser baixo. As gavetas devem ter trava de segurança para não caírem ao deslizar. Não se esqueça de uma cadeira ou poltrona para auxiliar o idoso na hora de colocar os sapatos e se vestir.
Lavanderia
Tanque e tábua de passar devem ter altura adequada para a pessoa utilizar na posição sentada (75 centímetros do chão). O ferro deve ter o fio espiralado, com suporte fixo e controle automático de temperatura, para evitar acidentes. O aquecedor a gás deve estar sempre próximo às janelas, de preferência com o duto de ventilação conforme instruções técnicas e do fabricante. Além disso, deve ter acionamento da chama vinculado à abertura da torneira. Armários com porta devem ficar fora da área de circulação. Os melhores são os de correr.





