
A expressão dos movimentos artísticos que marcaram a história do Brasil e do mundo vai além das obras literárias e das artes plásticas. Na arquitetura, os traços de correntes culturais como o modernismo são bastante evidentes em edificações que integram o cenário urbano.
Em Curitiba, 27 edificações compõem o acervo de construções modernistas catalogadas como Unidades de Interesse de Preservação (UIP) pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Algumas foram demolidas e muitas estão abandonadas, mas felizmente existem algumas unidades que receberam investimentos em obras de restauro por parte de seus proprietários, com o intuito de resgatar e preservar a memória da arquitetura modernista curitibana.
Ícones de uma era
Um dos exemplos recentes de restauro de projetos modernistas é o da casa Medoro Belotti. Localizada na rua Doutor Faivre, a obra projetada pelo arquiteto Lolo Cornelsen, construída em 1953, foi recuperada para abrigar um espaço comercial e se tornou um ponto de referência no Centro de Curitiba.
O projeto de restauro, assinado pela arquiteta e engenheira Gabriele Websky Meier, deu vida nova à residência e resgatou sua forma e volumetria originais, modificadas pelos antigos moradores ao longo das mais de cinco décadas de utilização. "Retiramos uma alteração feita no telhado e um puxadinho construído nos fundos da casa, para adequá-la ao projeto original", conta.
Outra construção modernista que ganhou nova função é a casa Mário de Mari, localizada no Jardim Social. Construída em 1965, com projeto assinado pelo arquiteto que dá nome à edificação, a residência passou a abrigar em 2013 a nova sede do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU-PR). "A casa foi restaurada para a recuperação e adequação do espaço às necessidades da entidade. Houve um cuidado por parte do nosso presidente Jeferson Navolar, que assina o projeto, em registrar as alterações para que elas não fossem perdidas", explica Walter Gustavo Linzmayer, arquiteto e agente de fiscalização do CAU.
Em 2004, outra obra icônica do período modernista curitibano recuperada foi a casa João Luiz Bettega, projetada pelo renomado arquiteto Vilanova Artigas. Propriedade da arquiteta Giceli Portela, a residência foi restaurada sob sua supervisão para abrigar seu escritório, e se transformou em um espaço voltado à preservação da cultura e aos estudos de arquitetura.
Os desafios do projeto
As arquitetas Giceli e Gabriele explicam que uma obra de restauro não consegue, e nem tem por objetivo, fazer com que a construção fique exatamente igual ao que era quando foi construída. Até porque, a inexistência nos dias de hoje de materiais de época, como cerâmicas e madeiras, faz com que eles precisem ser substituídos pelos disponíveis no mercado. "Não temos como resgatar papéis de parede antigos, por exemplo. Então, o profissional de arquitetura lança mão de um leque de opções e, muitas vezes, falsifica materiais para deixá-los parecidos aos originais, para que as pessoas possam compreender como era viver naquele período. O importante é transmitir o espírito da época", diz Giceli.
A maior facilidade de acesso às informações e às pessoas que vivenciaram os projetos no período de sua execução, se comparado às construções centenárias, é destacado por Gabriele como uma das peculiaridades das obras de recuperação das construções modernistas. "Tive a oportunidade de estudar a planta original que estava protocolada junto à prefeitura, de conversar com o Lolo Cornelsen e com a primeira proprietária do imóvel durante a pesquisa para o projeto. Isso foi enriquecedor para o trabalho", destaca.
Funcional
Forma e função caracterizam a arquitetura modernista
A primeira construção modernista sobre a qual se tem registro em Curitiba é a casa Frederico Kirchgässner, construída pelo arquiteto de mesmo nome na década de 1930. Junto com Lolo Cornelsen, Mário de Mari, Vilanova Artigas e Rubens Meister, ele forma o grupo dos grandes mestres modernistas da arquitetura curitibana e brasileira.
A arquiteta Giceli Portela explica que as construções projetadas por eles foram criadas à luz de uma nova técnica construtiva, o concreto armado, que possibilitou a ruptura com a arquitetura eclética predominante até então. "É uma arquitetura científica. Nela, a forma e a função estão intrinsecamente ligadas no projeto. Se existe uma parede envidraçada, por exemplo, ela não será unicamente estética, terá uma funcionalidade diretamente relacionada ao interior da construção", esclarece.
O traço racionalista, com linhas despojadas, é outra característica que identifica a arquitetura modernista, lembra o arquiteto Salvador Gnoato. As janelas contínuas, na qual várias esquadrias consecutivas dão a sensação de uma estrutura única, é outro aspecto apontado por Gabriele. "O recuo dos pilares que suspendem a casa, conhecidos como pilotis, em relação à linha limite da construção, é outro traço desse modelo arquitetônico. Ele passa a impressão de que a edificação está solta do chão, flutuando", explica.





