"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Entenda por que o regime de capitalização é uma ótima ideia para o Brasil

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"Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo"
“Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo”

Um dos pontos propostos pelo Governo para a Nova Previdência é a criação, para aqueles que ingressarem futuramente no mercado de trabalho, de uma previdência capitalizada. O regime seria facultativo, de modo que o trabalhador faria a adesão voluntariamente.

A ideia do presente artigo é explicar para você por que a proposta é seguramente uma das mais importantes para que o Brasil decole. Dentro da reforma previdenciária, diria que, no longo prazo, a instituição de um regime de capitalização é a medida que trará mais benefícios ao trabalhador.

Mas, primeiramente, vamos ver o que é um regime de capitalização.

Qual o regime da previdência brasileira?

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O Brasil tem hoje mais de um regime de previdência. Então, vamos dividir a questão.

Para os trabalhadores celetistas (vinculados, portanto, ao chamado Regime Geral, gerido pelo INSS), os militares e os servidores públicos civis que ingressaram no funcionalismo antes de 04/02/2013  o regime é o de repartição puro.

Nele não existe qualquer fundo que garanta o recebimento das aposentadorias. Para você que está contribuindo hoje, não existe nada que garanta que você receberá no futuro. Por um motivo muito simples: o que você paga agora não ficará depositado em lugar algum para lhe ser devolvido no futuro, quando você se aposentar. Todas as contribuições de todos os trabalhadores ativos é recolhida por eles e imediatamente gasta para pagar os benefícios dos inativos.

A sigla em inglês para o regime de repartição é pay-as-you-go, ou seja, o benefício é pago (poderíamos dizer financiado) depois que você já se aposentou.

Se quando você se aposentar, o recolhimento dos trabalhadores ativos for insuficiente para fazer frente aos gastos com inativos (como ocorreu na Grécia), você simplesmente tomará um calote (como aconteceu lá e em Portugal também).

Esse sistema se mostrou vulnerável à queda da natalidade (que faz reduzir o número de ativos sustentando o sistema) e ao aumento da expectativa de vida (que faz crescer o número de recebedores e o tempo que usufruem do benefício).

No Brasil, as regras atuais já são absolutamente insustentáveis como mostramos em outro artigo sobre a Nova Previdência.

Para os servidores civis que ingressaram no sistema após 04.02.2013 o regime é misto. Até o valor correspondente ao teto do Regime Geral do INSS (hoje em R$ 5.839,45) o regime é de repartição (pay-as-you-go). Acima disso, o regime é de capitalização, cujas características explicaremos adiante.

Mas peço que você preste atenção a dois pontos aqui: 1) já existe portanto regime de capitalização no Brasil, o qual foi instituído durante o governo do PT, por meio de Emenda Constitucional aprovada em 2003 (Governo Lula) e legislação infraconstitucional de 2012 (Governo Dilma); 2) o regime não necessita ser de capitalização puro (o qual teria alguns inconvenientes que destacaremos à frente), podendo ser misto com uma faixa de repartição sobreposta por outra faixa de capitalização.

Além disso, qualquer pessoa no Brasil pode aderir a um regime de capitalização facultativo e complementar, caso pretenda receber uma aposentadoria superior ao teto do regime a que está vinculada.

Como funciona o regime de capitalização?

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No regime de capitalização (funded na expressão em inglês, ou seja, com lastro), o trabalhador recolhe sua contribuição previdenciária numa conta particular vinculada a um fundo previdenciário. É um fundo de previdência privada.

Ou seja, continua sendo um regime social. Não é você colocando numa poupança. É você, com uma conta pessoal, aportando valores num fundo comum. É um mecanismo de associativismo solidário dentro da sociedade. Podem ser fundos ofertados por bancos ou por associações, sindicatos, entidades públicas etc.

O dinheiro após ser aportado no fundo, será aplicado em investimentos, conforme decisão dos gestores do fundo, segundo as respectivas regras (há uma legislação que limita a liberdade de aplicação dos valores e cria uma rígida responsabilização para gestores).

Logo, os valores não saem de uma pessoa para serem imediatamente entregues para outra. Eles ficam rendendo os juros compostos dos investimentos. O bolo cresce durante a vida laboral. A pessoa pode em tempo real acompanhar o desempenho do fundo utilizado e verificar quanto já foi guardado.

Lá na frente, quando a pessoa completa a idade para se aposentar, ela recebe de volta o dinheiro, ou mediante saque para você administrá-lo, ou mensalmente tal qual uma aposentadoria comum.

A forma exata de funcionamento dependerá da legislação complementar a ser enviada e apreciada pelo Congresso após a aprovação da Nova Previdência e das regras de cada fundo. Mas é possível concluir que não fugirá muito do que já é aplicado no caso da previdência mista dos servidorescomplementar facultativa que mencionamos acima, que funciona segundo essa sistemática que expusemos.

A questão a ser respondida agora é: por que criar esse sistema é importante? Quais suas vantagens para o trabalhador brasileiro?

1) O regime de capitalização democratiza a riqueza

Prosperidade

Conforme demonstramos, nesse regime, os trabalhadores aportam suas contribuições previdenciárias num fundo de investimentos.

Como o número de trabalhadores é grande, e os depósitos e consequente rentabilidade ocorrem durante toda a vida laboral (ou seja, um período longo), a tendência é que os fundos acumulem grandes quantias de dinheiro.

Logo, a experiência mostra que nos países que adotam regimes de capitalização, os fundos previdenciários passam a ser os principais investidores, os maiores acionistas e os donos dos grandes empreendimentos. E como os quotistas desses fundos são os trabalhadores comuns, a consequência é que eles passam a ser os detentores dos maiores ativos do país.

O trabalhador comum passa a ser o grande capitalista da nação. Em geral, o assalariado não tem acesso aos melhores investimentos, que exigem aportes mínimos bem acima da capacidade de sua renda. Mas somando esforços com os demais trabalhadores por meio desses fundos ele passa a “jogar com os grandes”.

Na medida em que a economia vai bem, os maiores empreendimentos tendem a melhorar seu retorno. Como uma grande parte desse patrimônio pertence aos fundos (que por sua vez pertencem aos trabalhadores), o lucro da economia amplia os ativos dos fundos que financiam os benefícios previdenciários.

É um sistema que gera um círculo virtuoso: quanto melhor o desempenho econômico, maiores as remunerações dos trabalhadores ativos, maiores os aportes que fazem aos fundos, mais esses fundos investem na economia que melhora seu desempenho, retroalimentando a cadeia.

2) No regime de capitalização, os juros estão a favor do trabalhador

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É comum que no Brasil as pessoas tenham uma visão negativa dos juros e reclamem muito dele. Nada mais natural para uma população com grandes contingentes endividados (tanto pessoas físicas como jurídicas).

Todavia, é inviável uma economia sem juros. Lutar contra ele é um caso perdido. Ele decorre de fatores inafastáveis em uma economia: risco, investimentos de longo prazo, preferência pela liquidez imediata, limitação dos valores disponíveis para empréstimos etc.

Se você não pode extingui-lo, há uma saída: faça ele trabalhar em seu favor.

O regime de capitalização faz exatamente isso em favor do trabalhador comum.

Como o dinheiro fica aplicado durante a vida laboral, ele fica rendendo os juros das aplicações.

Os juros explicam em boa medida desigualdade de renda na velhice: aqueles que conseguem poupar, não apenas somam mas multiplicam sua riqueza; enquanto aqueles que, pelo contrário, se endividam, não apenas deixam de somar mas ainda subtraem, em virtude da bola de neve que os juros causam em suas dívidas.

No regime de capitalização todo trabalhador forma uma poupança. A poupança é democratizada, universalizada, num fenômeno de consequências distributistas. Todo trabalhador constitui um patrimônio durante sua vida e aufere juros a partir de sua aplicação.

3) O regime de capitalização aumenta o investimento no país, impulsionando a economia

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Para uma economia crescer é fundamental que haja investimento. Investimento, por sua vez, depende de que haja valores disponíveis, ou seja, poupança.

A taxa de poupança de uma país é determinante para o nível de seu crescimento econômico.

Veja no gráfico adiante a diferença entre a taxa de poupança do Brasil (historicamente muito baixa) e dos países do leste asiático e da Europa, o que explica parte da disparidade em termos de desempenho econômico:

Disponível em: http://rgellery.blogspot.com/2018/08/aumentar-taxa-de-poupanca-e-expandir.html

Ocorre que como vimos, no regime de capitalização, as contribuições dos trabalhadores formam grandes somas de poupança.

Isso faz com que haja muito dinheiro disponível para empreendedores abrirem ou expandirem negócios, gerando emprego e renda. Com muita oferta de valores para empréstimos, os juros caem (calcula-se que 18% da variação dos juros entre Brasil e Chile se deve apenas à diversidade de regimes previdenciários).

Juros baixos e crédito disponível viabilizam projetos e impulsionam a economia.

Veja só o crescimento do PIB per capita do Chile após a instituição de seu regime de capitalização em 1981:

 area chart of Chile Previsão: GDP PPP per capita from November 1980 to November 2023

A economia do Chile cresceu, entre 1983 e 2004, 209%, percentual bem superior ao do alcançado pelo Brasil (72%).

4) O regime de capitalização possui déficit zero e fortalece a soberania econômica do país

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Como o regime de capitalização é sustentado pelos recursos guardados, ele não implica em qualquer custo para as contas públicas, de modo que não consome tributos. Isso permite a redução da carga tributária e a liberação dos recursos públicos para outras áreas essenciais como saúde, educação e segurança.

Veja como a previdência brasileira sufoca todas as demais áreas do orçamento:

Consumo orçamento previdência

Ademais, como a capitalização possibilita a formação de poupança, ela torna o país mais apto a viabilizar seus empreendimentos, sem ficar na dependência de capital externo. O Brasil possui um problema crônico e histórico de dependência de investimentos estrangeiros, o que é negativo na medida em que esta é uma variável que não podemos controlar.

Por que é tão comum que grupos estrangeiros vençam licitações de grandes empreendimentos no Brasil? Simples, porque os investidores nacionais não possuem acesso a crédito suficiente para viabilizar essas obras. A abertura econômica é ótima. É excelente que o Brasil receba recursos externos. Mas hoje isso ocorre por motivo de necessidade. Um regime de capitalização ajudaria imensamente a tornar o Brasil mais independente economicamente.

O país deve manter, de qualquer maneira, a abertura para investidores internacionais; porém, possuindo poupança interna, isso nos daria segurança de que os empreendimentos seriam viáveis independentemente de injeção externa de valores.

5) Se o regime de capitalização é tão bom, por que ouço tantas críticas do sistema chileno?

Santiago, capital do Chile: em 30 anos, o PIB do país quintuplicou | Pixabay

Primeiramente, uma boa parte do que você ouve sobre o Chile é simplesmente mentira ou exagero. O fato é que o Chile é uma prova mais do que cabal do enorme sucesso de que é capaz uma economia de livre-mercado. Como grande parte da “classe falante” no Brasil  – imprensa, academia, artistas etc. – tem um viés estatista, eles buscam fazer uma abordagem negativa do caso chileno.

Mas o Chile é um exemplo de enorme sucesso do regime de capitalização.

Até a década de 80, o Chile era um país com muita pobreza e renda parelha à média latino-americanaEm 1981 o país instituiu o regime previdenciário de capitalização (em meio a várias outras reformas liberais), o que levou a resultados incrivelmente favoráveis:

i) A renda chilena aumentou 5x e hoje o povo chileno é o mais rico da América Latina;

ii) “o Chile também possui o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região. Ocupa hoje o 38.º lugar mundial, à frente de membros da União Europeia como Portugal e Hungria”;

iii) O país tem a menor taxa de pobreza do continente;

iv) Depois da instituição do regime de capitalização, a desigualdade caiu, conforme se percebe pelo Índice GINI, no seguinte gráfico:

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iv) A taxa de suicídio entre idosos é bem inferior à média mundial (próxima da metade). “Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de mortalidade por suicídio de idosos com mais de 70 anos no Chile era de 15,4 para cada 100 mil em 2016. Essa é a 118ª taxa mais alta do mundo, pouco mais da metade da média mundial para esse grupo demográfico – que é de 29,7 para cada 100 mil)” (aqui).

É comum ouvir reclamações sobre os valores dos benefícios chilenos. Mas o motivo é simples de ser compreendido. Ocorre que no regime de capitalização, a aposentadoria segue a média das contribuições que você fez durante a vida. Como a renda chilena subiu brutalmente durante as décadas posteriores à instituição do regime capitalizado, a média salarial durante a vida contributiva em geral está abaixo da renda atual dos trabalhadores chilenos.

De todo modo, o valor médio das aposentadorias chilenas gira em torno de U$ 400,00 (quatrocentos dólares), algo próximo de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).

Enquanto isso, no Brasil, o valor médio das aposentadorias pagas em 2016 ficou em R$1.283,93.

Só que tem um detalhe: no Chile, a contribuição é de apenas 10% do salário. No Brasil, ela gira em torno de 1/3 da remuneração: entre 8% e 11% do empregado e mais 20% da cota patronal. E aqui a previdência ainda é brutalmente deficitária, sugando recursos de outras áreas como educação, saúde e segurança.

Alguns ainda argumentam que o regime de capitalização beneficiaria em maior medida os bancos. Mas spread bancário (a margem de lucro das instituições financeiras), segundo estudo da FEBRABAN, é cinco vezes menor no Chile do que no Brasil. E a taxa básica de juros do país vizinho é menos da metade da nossa.

Mesmo assim, é claro que o sistema chileno pode ser melhorado. O grande problema é a ausência de um piso para o valor dos benefícios. Mas isso pode ser facilmente corrigido. Um dos meios para sanar esse problema é adotar um sistema misto (como no caso dos servidores civis que ingressaram após 2013 no Brasil, como mencionados no início do artigo). Assim, haveria uma faixa de repartição com um valor mínimo de benefício, com uma camada de capitalização sobreposta equivalente à média rentabilizada das contribuições.

Outra ideia que já foi adotada em reforma recente no próprio Chile é instituir um tributo exclusivamente destinado a complementar as aposentadorias de valor mais baixo.

Também é possível criar uma contribuição superior a 10%, que é bastante baixa se comparada com o caso brasileiro, como vimos.

Enfim, há inúmeras maneiras de assegurar um piso para os benefícios no regime de capitalização.

Conclusão

Como vimos acima, o regime de capitalização gera inúmeros benefícios para a grande massa da população. Esses benefícios, inclusive, combatem fragilidades históricas da economia brasileira (como a baixa taxa de poupança e a dependência excessiva de investimentos estrangeiros), além de promover crescimento econômico sustentável, que é o mais eficaz instrumento para criação de empregos e redução da pobreza (falamos sobre isso aqui). Por isso, concluímos que a instituição de um regime de capitalização para os trabalhadores privados e sua ampliação para servidores públicos é fundamental para a geração de prosperidade no Brasil.

Frise-se que esse regime não é estranho a nossa sistema constitucional, visto que como expusemos acima, ele já existe em um regime misto aplicável aos servidores públicos ingressos no funcionalismo após a criação de fundos próprios de pensão.

Ademais, todas as críticas que são comumente apontadas para o sistema chileno podem ser facilmente contornadas, seja pela instituição de um regime misto, pela imposição de um piso para os benefícios (no Brasil esse piso já está previsto na Constituição e não é alterado pela Reforma, no valor de um salário mínimo), ou pela instituição de tributos que visem complementar as aposentadorias de menor valor.

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