"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Congresso deveria derrubar veto e manter norma que criou “prazo de validade” para liminares do STF.

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Foto: Marcos Corrêa/PR

Conforme noticiou a Gazeta do Povo, no último dia 13 de agosto, “o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto que prevê prazo de 180 dias, após a concessão de liminar, para o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o mérito de uma ação. O prazo poderia ser prorrogado uma vez, mas a liminar perderia eficácia se os ministros não julgassem o mérito. De acordo com o texto, o prazo valeria para Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e mandado de segurança.”

Segundo reportagem veiculada pelo sítio da Câmara dos Deputados, “em mensagem enviada ao Congresso, Bolsonaro alega que a proposta fere o princípio da segurança jurídica, pois abre a possibilidade de liminar perder a validade apenas porque o mérito deixou de ser analisado pelo Supremo no prazo estipulado. A mensagem afirma que essa situação prejudicaria a parte beneficiada pela liminar, ainda que ela não fosse responsável pela “demora para o julgamento de mérito”.

Vemos a medida como um grande equívoco, e por isso cremos que o Congresso deve derrubar o veto, ao menos em parte, especificamente no tocante às ações de controle de constitucionalidade.

O problema do abuso na concessão de liminares

Com efeito, o STF se tornou um dos órgãos mais disfuncionais da República. A Corte concentra um enorme poder desprovido de controle. Muito provavelmente a quantidade de poder decisório hoje exercido pelo Supremo Tribunal não foi sequer cogitada pelo Constituinte, de modo que a Constituição não previu um mecanismo de freio e contrapeso proporcional aos abusos que o Tribunal é capaz de praticar na atualidade. Sobre esse tema já publicamos vários artigos, tratando, por exemplo, do ativismo judicial; da imposição de decisões sem fundamento constitucional, decorrentes de grande subjetivismo dos ministros; do inquérito ilegal instaurado pelo STF; e, por fim, do tema que ora nos interessa: o abuso na concessão de liminares.

De fato, a decisão liminar é uma técnica decisória que atende, basicamente, a duas finalidades:

  1. Primeiramente, racionalizar os trabalhos, evitando que ações cuja matéria já está pacificada (ou seja, que já foi enfrentada pelo Tribunal e o entendimento prevalecente já é sabido), ou cujo pleito é absurdo, ocupem a pauta dos colegiados;
  2. Em segundo lugar, atender a necessidade de imperiosa urgência, a fim de evitar perecimento de direito, ou seja, permitir decisões em casos nos quais a demora natural para pautar o processo possa acarretar o esvaziamento de pretensão da parte que possua boa perspectiva de vitória.

Contudo, existe o risco de abuso de liminares com finalidades não só diversas, mas até mesmo opostas a essas. Por exemplo: existe a possibilidade de que o ministro, sabendo que sua posição é minoritária no Plenário da Corte, decida conceder a liminar, a fim de conseguir que, ao menos até que seja possível pautar o processo perante o colegiado, sua posição prevaleça.

Ademais, a possibilidade de concessão de liminares monocráticas (isto é, decididas por um único ministro isoladamente) fora de casos excepcionais de jurisprudência consolidada ou risco de perecimento de direito provável, gera uma enorme insegurança jurídica, além de um perigo extremo de arbitrariedade e violação aos preceitos mais básicos da democracia.

Hoje, depois de uma Emenda Constitucional ser votada em dois turnos, em ambas as Casa do Parlamento (órgão dotado de legitimidade democrática e representatividade, em virtude da eleição de seus membros), por um quórum de 3/5 em cada turno em cada Casa, um ministro que nunca recebeu um voto na vida e com argumentação pouco sólida pode simplesmente suspender a Emenda liminarmente numa ação de controle de constitucionalidade ajuizada por um partido que perdeu nas votações. É uma situação absolutamente esdrúxula, e para qual o ordenamento jurídico brasileiro não previu uma solução.

Assim, tudo no Brasil atualmente é um sufoco. Decisões da mais alta relevância para o país, com impacto econômico, social ou moral, após meses de planejamento, podem ser abruptamente suspensas por um ministro, simplesmente porque ele discorda. Por exemplo: recentemente a venda de uma subsidiária da Petrobrás, a TAG, uma transportadora de gás, um negócio de mais de R$ 8 bilhões, envolvendo investidores do mundo todo, foi paralisada de modo totalmente surpreendente por uma decisão liminar do Ministro Edson Fachin. A venda da empresa está dentro de um plano bem mais amplo de quebra de monopólios, aumento de competição, redução de preços para o consumidor, recuperação da Petrobrás para que tenha condições de explorar o Pré-Sal etc. De repente, tudo é parado por um julgamento monocrático.

Durante o impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, ou durante as últimas eleições presidenciais (processos da mais alta importância política), também havia enorme receio de que a qualquer momento algum ministro por simpatia partidária proferisse decisão, ainda que sem fundamento sólido, modificando o curso dos acontecimentos.

Hoje, um ministro isoladamente pode modificar o direito do Brasil sobre questões que são debatidas há anos, como aborto, educação, elegibilidade de candidatos etc.

Daí já se vê o quão imprescindível é estabelecer balizas mais estreitas para o poder dos ministros e do Tribunal no tocante à concessão de liminares.

Em atenção a esses riscos, o Deputado Federal André Figueiredo, do Ceará, apresentou o Projeto de Lei 10.042/18. Na exposição de motivos, o parlamentar cita várias decisões liminares abusivas, entre elas a seguinte:

“Em 2001 foi deferida medida cautelar na ADI 2381/RS para suspender a Lei gaúcha n.º 11.375/1999 que criava o Município de Pinto Bandeira/RS. Naquele momento, houve a suspensão da posse do então Prefeito, Vice e dos Vereadores eleitos, causando grande insegurança jurídica. Ou seja, o Município ‘deixou de existir’ devido a liminar concedida e sequer a ação teve seu mérito discutido. Somente com o advento da EC n. 57/2008, a criação do Município foi convalidada e cassada a medida cautelar.”

O que dizia o projeto

O projeto tratava de ações de controle de constitucionalidade perante o STF (ADIn e ADPF) e mandados de segurança.

Em ambos os casos, a legislação passava a prever um prazo após o qual, caso a ação não fosse definitivamente julgada, a liminar perderia sua eficácia. O prazo era de 180 dias, renovável uma vez por igual período para as ações de controle de constitucionalidade perante o STF.

Percebe-se que, em primeiro lugar, trata-se de um avanço, pois é um passo inicial na criação de um regime mais racional para as liminares. Além disso, o prazo é mais do que suficiente. Cremos que para as decisões liminares monocráticas deveria ser imposto um regime muito mais rígido, exigindo a apresentação do processo em mesa para julgamento na sessão imediata do colegiado. Assim, caso um ministro isoladamente concedesse uma liminar, na sessão seguinte do colegiado competente para julgamento definitivo da causa, ele teria de levar o processo para que a liminar fosse ou não referendada.

De um modo ou de outro, com um prazo de 180 dias (renovável para ADIn e ADPFs), não é possível afirmar que a parte seria “surpreendida”, caso a decisão caducasse. Haveria tempo suficiente para diligenciar junto ao relator a fim de que a medida fosse pautada, ou para se planejar em caso de perda de eficácia da liminar.

Ademais, em ações de controle de constitucionalidade, o que está em jogo não é propriamente o direito de uma pessoa. É apenas a vigência ou não de uma norma. De modo que nesses casos, sequer existe o risco de prejuízo direto e imediato a direitos de terceiros. Isso porque, independente  do sucesso da ADIn ou ADPF, as pessoas individualmente podem ajuizar ações pleiteando seus direitos perante os juízes das instâncias inferiores.

Já no caso dos mandados de segurança, até é possível que a liminar, de fato, esteja sustentando direito relevante (por exemplo: tenha determinado o fornecimento de um medicamento ou a concessão de um benefício previdenciário que represente toda a renda da pessoa). Assim, para os mandados de segurança, é possível sustentar os motivos expostos para o veto.

Derrubada do veto

O veto do presidente da República, no Brasil, é superável mediante voto da maioria absoluta da Câmara (257 depurados federais) e do Senado (41 senadores da República), em sessão conjunta.

No caso, tendo em vista que o projeto de lei aprovado pelo Congresso representa um avanço, iniciando um processo de limitação do poder de concessão de liminares pelo STF e seus ministros, além de não apresentar risco grave e desproporcional ao litigantes, é muito importante que o Congresso derrube o veto, ao menos no tocante às ações de controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

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