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Infância

A corrida por crianças africanas

Adoções feitas por celebridades, como Madonna e Angelina Jolie, despertam o interesse de estrangeiros por meninos e meninas de países pobres

Madonna com seu filho David Banda, no Malawi: Justiça do país africano negou pedido de segunda adoção | Amos Gumulira/AFP
Madonna com seu filho David Banda, no Malawi: Justiça do país africano negou pedido de segunda adoção (Foto: Amos Gumulira/AFP)
Angelina Jolie com Zahara, adotada da Etiópia: atriz também tem filhos adotivos do Camboja e do Vietnã |

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Angelina Jolie com Zahara, adotada da Etiópia: atriz também tem filhos adotivos do Camboja e do Vietnã

Lilongwe, Malawi - Os esforços da pop star Madonna para adotar duas crianças do Malawi tem atraído os paparazzi. Mas a cantora não está sozinha: os ocidentais estão cada vez mais levando para casa crianças da África, que tem substituído países como China e Rússia – que têm reduzido as adoções feitas por estrangeiros – como locais para adoção.

O crescente número de adoções feitas na África – particularmente de norte-americanos na Etiópia – ocorre ao mesmo tempo em que a epidemia de aids devasta o continente e deixa um maior número de órfãos em países pobres, onde os parentes não têm condições de cuidar das crianças.

Os norte-americanos adotaram 1.725 crianças etíopes nos 12 meses anteriores a 30 de setembro de 2008, o que corresponde e cerca de 70% de todas as adoções norte-americanas realizadas no continente africano, segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos. No ano anterior, 1.255 crianças etíopes foram adotadas por norte-americanos.

Thomas DiFilipo, presidente do Joint Council on International Children’s Services, não atribui o aumento das adoções ao fator celebridade, mas diz que algumas adoções feitas por celebridades fez aumentar a consciência sobre a grande quantidade de órfãos na África.

"Um das coisas boas sobre as adoções feitas por Madonna e Angelina Jolie é que chamaram a atenção de europeus e norte-americanos", disse ele. "E trouxeram a possibilidade de chamar a atenção das pessoas."

Estrangeiros ricos têm adotado crianças em países pobres há décadas. Mia Farrow, agora mãe de 14 filhos, adotou um órfão da Guerra do Vietnã em 1973. Angelina Jolie adotou seus filhos Maddox e Pax do Camboja e do Vietnã e sua filha Zahara da Etiópia.

Mas as tentativas de Madonna de fazer sua segunda adoção de uma menina do Malawi têm recebido críticas. Ela é acusada de fazer o papel de uma rica "brigona" que está usando seu dinheiro e status para apressar o processo de adoção. A cantora afirmou que estava seguindo os procedimentos normais para adoção, mas na última sexta-feira seu pedido foi negado por um juiz.

Muitas agências de adoção e ativistas dos direitos das crianças argumentam que é preferível para as crianças que fiquem sob os cuidados de parentes ou em suas comunidades e que as adoções por estrangeiros só deveriam ser permitidas como um último recurso. Mas há quem não considere esta opção realista.

"Em condições ideais, adoções locais seriam a melhor opção, mas se não surgem pessoas que possam tomar essa medida e, se a vida é melhor em outro país, elas deveriam ter permissão para isso", disse Zoe Cohen, consultora particular de adoção na África do Sul.

Especialistas em adoção dizem que o aumento do número de adoções na África é resultado das medidas tomadas por China, Rússia, Guatemala e outros países onde adoções eram realizadas há muito tempo, com o objetivo de controlar as adoções realizadas por estrangeiros.

Segundo o Departamento de Estado dos EUA, 2.399 vistos foram emitidos para crianças africanas adotadas por norte-americanos no ano passado, de um total de 17.438 adoções feitas no exterior

A China, que por uma década foi o país que liderou as adoções de estrangeiros, registrou a maior queda dentre os principais países. O lugar foi tomado pela Guatemala, que deve perder o posto em 2009 por causa de uma moratória a novas adoções em razão de casos de corrupção relacionados a adoções.

Em comparação, apenas algumas crianças africanas foram adotadas por britânicos em 2007, o último ano do qual há detalhes completos. Segundo dados do Departamento para Crianças, Escolas e Famílias, a maioria das crianças estrangeiras adotadas na Grã-Bretanha eram da Etiópia e da Nigéria.

Mas a África foi a segunda região mais procurada por franceses que fizeram adoções em 2008, totalizando 29% das 3.271 crianças não-francesas que foram adotadas no país, informou o Ministério do Exterior, logo após o Caribe e as Américas. A porcentagem foi praticamente a mesma do ano anterior.

Os órfãos geralmente são criados por familiares na África, mas a aids e outras doenças têm afetado muitos dos parentes que poderiam cuidar dessas crianças. Em muitas vilas, em todo o continente, avós fragilizadas fazem o que podem para cuidar das crianças, mas elas geralmente acabam em orfanatos ou nas ruas.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 18 milhões de crianças africanas terão perdido um dos pais em decorrência da aids até 2010.

Simon Chisale, o funcionário de bem-estar social que está cuidando dos casos de adoção da cantora Madonna, disse que estrangeiros têm sido considerados como opção de pais adotivos porque as estruturas tradicionais familiares se desfizeram. "Os tempos mudaram", disse ele. "Costumava ser mais fácil, mas agora é mais difícil. As pessoas têm a intenção (de tomar conta de seus familiares), mas não têm meios para isso."

O Malawi, com uma população de 12 milhões de pessoas, está entre os países mais pobres do mundo, com sérios problemas de doenças e fome, agravadas por periódicas secas e quebras de produção. Segundo a ONU, 1 milhão de crianças do Malawi perderam um ou os dois pais. A instituição acredita que, em cerca de metade dos casos, as mortes ocorreram em decorrência da aids.

Em razão desses problemas, especialistas dizem que poucos países africanos devem rejeitar a ajuda de estrangeiros ricos. A instituição criada por Madonna para ajudar crianças do Malawi, por exemplo, está construindo escolas no país.

DiFilipo, cuja entidade organiza o encontro de agências de bem-estar infantil, grupos de proteção às crianças, grupos de apoio aos pais e outras instituições ao redor do mundo que ajudam a criar políticas de adoção, adverte que as adoções por estrangeiros podem ter consequências inesperadas.

Por exemplo, disse ele, estrangeiros ricos geralmente fazem doações para os orfanatos onde adotaram seus filhos. Isso pode fazer com que os orfanatos busquem primeiro estrangeiros para adoção, já que precisam muito de doações.

Mas DiFilipo diz que a solução não é barrar as adoções estrangeiras, mas sim fortalecer as leis e a educação. Ele cita o Malawi como exemplo.

As regras do Malawi atualmente estipulam que quem quiser se candidatar a adotar crianças deve residir por um período de 18 a 24 meses no país, uma regra que não foi observada quando Madonna recebeu permissão para levar seu filho adotivo, David, para Londres em 2006, antes que o processo de adoção fosse finalizado

Um projeto de lei de adoção, que deve ser promulgada até o final deste ano, tem como objetivo rever as deficiências da legislação atual, incluindo o estabelecimento de limites sobre quantas crianças uma pessoa pode adotar de cada país e o intervalo entre cada adoção.

Uma legislação clara que torne a adoção relativamente fácil é uma das razões citadas para o aumento de adoções na Etiópia, onde há 800 mil órfãos em decorrência da aids. O país também permite que mulheres não casadas adotem crianças.

Gail Gorfe, diretor do escritório etíope da entidade norte-americana Adoption Advocates International, disse que o número de adoções na África tem subido constantemente ano a ano.

"Eu acho que a África e a questão da adoção estão mais expostas", disse ela. "Eu acho que tem muito pouco a ver com as celebridades."

Chisale, o funcionário de bem-estar social de Malawi, disse que houve um pequeno aumento de interesse na adoção de crianças de seu país, a maioria dentre os muitos trabalhadores de agências humanitárias do país.

Ele não pôde fornecer números e foi relutante em atribuir o aumento do interesse em razão da atenção atraída pelo caso de Madonna, mas não negou a enorme influência que a estrela tem. "Madonna colocou o Malawi no mapa", disse ele.

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