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EUA

A história dos negros na Casa Branca

Durante décadas escravos serviram na residência oficial do presidente dos Estados Unidos

A abolicionista Sojurner Truth, uma das primeiras hóspedes negras da Casa Branca, e Obama, primeiro presidente negro. | Mathew Brady/Creative Commmons e Joshua Lott/ AFP
A abolicionista Sojurner Truth, uma das primeiras hóspedes negras da Casa Branca, e Obama, primeiro presidente negro. (Foto: Mathew Brady/Creative Commmons e Joshua Lott/ AFP)

A primeira criança nascida na Casa Branca foi o neto do presidente Thomas Jefferson. Já o segundo bebê nascido na mansão era uma propriedade de Jefferson – o bebê negro do casal de escravos do presidente americano do início do século 19.

Os escravos não apenas ajudaram a construir a residência presidencial, mas também por décadas homens e mulheres escravizadas serviram aos presidentes dos Estados Unidos e a suas famílias, como cozinheiros, babás e mordomos.

Dois séculos depois, a eleição de Barack Obama como o 44º presidente dos EUA – o primeiro negro – coloca no palco a complicada história dos afro-americanos e do lugar que eles chamaram de lar – a Casa Branca.

Durante e após a escravidão, trabalhadores negros fizeram a Casa Branca funcionar. A chegada de Obama, em 20 de janeiro de 2009, será um momento que poucos deles poderiam imaginar.

"Eu estou muito orgulhoso porque nós teremos um presidente afro-americano e será um prazer trabalhar para um presidente afro-americano", disse o mordomo William Bowen Jr., de 89 anos, que trabalhou para todos os presidentes entre os mandatos de Dwight Eisenhower a George H. W. Bush.

Quando Bowen chegou à Casa Branca em 1957, o movimento dos direitos civis ainda era incipiente, a segregação racial ainda era legal e os negros estavam apenas começando a galgar degraus mais altos do serviço público.

Pessoas como Bowen, empregadas na Casa Branca antes dos movimentos dos direitos civis e feministas, eram a "ajuda".

Rodeado por suvenires e lembranças das suas décadas de trabalho na Casa Branca, em sua casa atual em Maryland – incluído um jornal que trombeteava a vitória de Obama – Bowen contempla deixar a aposentadoria e voltar a trabalhar para o primeiro presidente negro dos EUA.

"Eu jamais havia pensado que isso fosse ocorrer. Não na minha vida", disse Bowen.

Seu pai, William Bowen, deixou o trabalho no Clube da Marinha em Washington após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), para ser mordomo na Casa Branca. Ele rapidamente recrutou o filho para trabalhar na mansão como office-boy e mordomo adjunto. Bowen aprendeu com seu pai o código de silêncio que vigora entre os empregados da Casa Branca – uma regra que se transmite até hoje.

"Fique atento e não fale com as pessoas sobre o seu trabalho", Bowen Jr. lembra os conselhos do pai. "Não dirija a palavra aos convidados a menos que eles falem antes com você."

Era difícil muitas vezes, com celebridades como Duke Ellington e Pearl Bailey participando dos jantares e festas da Casa Branca. Bowen lembra até hoje de conversas que teve com presidentes e primeiras-damas, mas essas são histórias que ele jamais contará para ninguém. "Você não fala sobre as coisas que acontecem no trabalho", disse Bowen.

Um século antes dos Bowen, escravos trabalharam dentro e fora da Casa Branca. O urbanista de Washington, Pierre L’Enfant, alugou o trabalho de escravos de proprietários vizinhos para construir as fundações da Casa Branca. O arquiteto do prédio, James Hoben, usou escravos carpinteiros e pedreiros para construí-la.

O presidente George Washington trouxe escravos de Mount Vernon para trabalhar na "Casa do Presidente" na Filadélfia durante seu mandato. Assim começou a tradição de trabalho escravo para o presidente em sua residência, uma prática que perdurou até 1850.

Homens e mulheres escravizados não apenas trabalharam na Casa Branca, como viveram dentro do edifício. De acordo com a Associação Histórica da Casa Branca, os quartos dos escravos e servos ficavam no porão, agora chamado de "ground floor". Os dormitórios agora são a biblioteca, escritórios e a formal Sala de Recepção Diplomática. Pelo menos um bebê negro nasceu lá, em 1806, o filho de Fanny e Eddie, o casal de escravos de Jefferson. A criança, também considerada escrava, morreu dois anos depois.

A história hoje avalia esses escravos por mais que apenas o trabalho deles.

Paul Jennings, um escravo pessoal do presidente James Madison, contou o primeiro relato sobre a vida na Casa Branca. Foi a primeira vez que alguém que viveu no prédio contou como era a vida lá. Jennings, nas suas memórias, desmascarou a lenda de que a então primeira-dama Dolley Madison salvou o retrato de George Washington das tropas invasoras britânicas, no começo do século 19.

"Isso foi totalmente falso", escreveu Jennings. "Ela não teve tempo para isso. Seria preciso uma escada para baixar o quadro. Tudo que ela levou embora foi a prataria".

Ao invés da primeira-dama, foi um francês, Jean Suse, e o jardineiro do presidente, Margraw, que retiraram o quadro da Casa Branca e o levaram a uma carroça, escreveu Jennings. Mais tarde, quando já estava velho e aposentado, Jennings deu parte do seu dinheiro para ajudar uma destituída Dolley Madison, que ficou na miséria após a morte do marido e ex-presidente.

À medida que os anos progrediam, assim fizeram os afro-americanos na Casa Branca. Os negros passaram de escravos a hóspedes de honra – o presidente Abraham Lincoln encontrou-se com os abolicionistas Frederick Douglass e Sojourner Truth no prédio. O presidente Andrew Johnson indicou William Slade como mordomo mor, a pessoa encarregada da ala doméstica da Casa Branca.

Não apenas os negros trabalhavam na Casa Branca, como também começavam a integrar posições importantes no governo americano. Frederick Morrow foi o primeiro negro indicado como conselheiro na Casa Branca, por Eisenhower em 1955; John F. Kennedy nomeou Andrew Hatcher como secretário de imprensa em 1960.

O progresso, no entanto, foi lento e doloroso.

Em 1901, o presidente Theodore Roosevelt convidou formalmente Booker T. Washington para jantar na Casa Branca. Mas, como o ex-candidato republicano John McCain notou em um discurso no mês passado, os jornais do sul ficaram ultrajados e condenaram Roosevelt publicamente, após terem sabido do convite por um despacho da Associated Press. Roosevelt nunca convidou outro afro-americano para jantar na Casa Branca.

O Museu Smithsonian Anacostia guarda lembranças do mordomo negro John Pye, que trabalhou como mensageiro, motorista, cozinheiro e mordomo na Casa Branca durante a administração de Franklin Delano Roosevelt.

Muitas vezes, os empregados fizeram história, afirma Gail Lowe, historiador no Smithsonian. "Quando os primeiros bônus de guerra foram emitidos em abril de 1942, o presidente Roosevelt fez um pequeno discurso para fins de propaganda e a primeira pessoa que comprou um bônus foi John Pye", disse Lowe. "O bônus custou US$ 18,75. E quando Roosevelt fez a arenga a favor do bônus de guerra – ‘Isso é para apoiar nosso esforço de guerra. Nossos jovens estão servindo do outro lado do oceano, dando suas vidas, nós podemos emprestar nosso dinheiro’ – antes mesmo das palavras terminarem de sair da boca do presidente, John Pye deu um passo à frente e comprou o primeiro bônus."

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